Segurança e emissões: como a pandemia atrapalhou a melhoria do seu carro
Mesmo cedendo em alguns pontos, governo federal tem metas rígidas para as fabricantes nacionais de carros
Há quem diga que, nos bons tempos, carros de verdade não tinham nem cinto de segurança (e podiam poluir o quanto quisessem). Felizmente, não é uma postura adotada universalmente pelos governos. O Brasil, por exemplo, apesar de estar atrás da União Europeia quando o assunto é a exigência de itens de segurança nos veículos e normas de emissões de poluentes, tem regulamentações que forçam as montadoras a sempre melhorar os carros nacionais nesse sentido.
No entanto, o início da pandemia no ano passado acabou atrapalhando o desenvolvimento de novos veículos e a adaptação de carros atuais para atender às novas normas. As principais seriam a exigência dos controles eletrônicos de estabilidade e tração para todos os modelos 0 km vendidos no país e a sétima fase do Proconve, o Programa de Controle de Emissões Veiculares, ambas programadas para entrar em vigor a partir de 2022.
Ao longo do ano passado e, em alguns casos, também em 2021, as fábricas instaladas por aqui precisaram paralisar não só as atividades de manufatura, como também os processos de testes e de desenvolvimento. Com isso, os cronogramas mantidos pelas montadoras atrasaram, e algumas empresas temiam não serem capazes de adequar seus produtos a tempo.
Além dos planos terem sido atrapalhados por conta da suspensão das atividades, também houve a questão dos prejuízos. A Anfavea, associação que reúne a maioria das montadoras nacionais, estimou, ao final do ano passado, que as empresas ligadas à entidade enfrentariam uma queda de faturamento entre 20% e 30% na comparação com 2019.
Anfavea apelou, mas não conseguiu uma vitória total
Com o cenário ficando cada vez mais complexo para as fabricantes, a Anfavea deu início a conversas com o governo federal no intuito de adiar as exigências. Em alguns casos, conseguiu um adiamento parcial, mas o apelo em outros casos chegou até a ser criticado por esferas do governo.
Foi o caso do pedido para adiar a entrada em vigor da nova fase do Proconve. Além de regras mais restritas sobre o quanto os carros 0 km feitos por aqui podem poluir, também exigiu um maior período de testes em situação real, nas ruas. Até a sexta fase do programa, exigia-se que o teste de emissões durasse ao menos 80 mil km. Na sétima, os veículos precisarão passar por 160 mil km de avaliação antes de serem homologados para venda.
Mesmo afirmando que os novos testes consumiriam um maior tempo das equipes de desenvolvimento das montadoras, a Anfavea ainda não conseguiu uma resposta positiva para o adiamento das novas normas. A atitude foi criticada pelo Ministério Público Federal, que afirmou se tratar de “uma estratégia diversionista empreendida pelo conjunto das montadoras brasileiras, com a finalidade de evitar o adequado tratamento que se deve dar às motivações eminentemente econômico-financeiras que parecem embalar seu pleito”.
Até o momento, o prazo para que as montadoras se adaptem à sétima fase do Proconve permanece. A partir de 2022, quem não se adaptar não poderá vender veículos 0 km por aqui. Mesmo que alguns dos modelos oferecidos no mercado nacional sejam derivados de projetos europeus, que têm regras mais duras para cumprir, as condições de uso dos carros no Brasil, como a gasolina com adição de etanol, impedem que sejam utilizados propulsores mais eficientes vindos do Velho Continente sem adaptações e novas homologações.
A Anfavea afirma que a maioria dos projetos de suas associadas prevê a absorção de alguns imprevistos no cronograma, mas que a pandemia teria atrasado o desenvolvimento para além dessa capacidade. Como a regra não mudou, quem não se adaptar não poderá vender carros 0 km, o que poderia acarretar em filas de espera ainda maiores para a aquisição de um veículo novo, causando ainda mais uma pressão ascendente nos preços do 0 km e do usado, que já estão em alta por conta do ritmo mais lento de produção, da desvalorização do real e da falta de componentes.
Segurança, porém, ficou para depois
Se o governo ainda não cedeu à pressão das montadoras quando o assunto é emissão de poluentes, as fabricantes conseguiram ao menos um adiamento. Em 2015, a Resolução 567 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) estabeleceu 2022 como data de início da exigência de mais equipamentos de segurança nos carros 0 km fabricados por aqui.
Na lista de novos itens obrigatórios estavam os controles eletrônicos de estabilidade e tração, luzes diurnas de condução e aviso de não afivelamento do cinto de segurança dos passageiros (este para 2023). Todos deveriam se tornar itens de série a partir do ano que vem, incluindo veículos oriundos de projetos anteriores à exigência. Para veículos inéditos, a exigência dos controles já ocorre desde 2020.
Porém, por meio da Resolução 799, tais exigências foram postergadas parcialmente. Em vez de exigir que a totalidade dos veículos oferecidos pelas montadoras possuíssem os itens de segurança a partir de 2022, a cobrança valerá apenas a partir de 2023, quando o governo demandará que 50% da produção das fabricantes tenham controles de tração e estabilidade. A exigência para todos os veículos ficou para 2024.
Já para as luzes diurnas de condução, também conhecidas como DRLs (Daytime Runing Lights), a exigência foi completamente adiada para 2024, sem período de transição. Da mesma forma, a cobrança do aviso de não afivelamento dos cintos dos passageiros passou de 2023 para 2024.
Como aconteceu com a questão das emissões, a pandemia afetou os prazos de desenvolvimento e implementação dos equipamentos de segurança nos carros. No entanto, as montadoras conseguiram um “respiro” para atenderem às novas normas. Mas ainda não se sabe se as marcas conseguirão cumprir os novos objetivos, pois os efeitos da pandemia ainda não foram completamente superados. Projetos mais recentes, já com tais itens, estão assegurados, mas os modelos mais antigos podem acabar simplesmente sendo tirados de linha.