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    Recordes nas contas públicas refletem conjuntura favorável, dizem analistas

    Manutenção de desempenho positivo depende de reformas, com 2023 mais desafiador

    Resultado de julho do setor público foi o melhor para o mês desde o início da série histórica do Banco Central
    Resultado de julho do setor público foi o melhor para o mês desde o início da série histórica do Banco Central Marcello Casal Jr/Agência Brasil

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    O resultado das contas públicas em julho reflete uma conjuntura positiva para o Brasil, que impulsionou a arrecadação ao mesmo tempo em que a economia cresce mais que o esperado, segundo especialistas.

    No mês passado, o setor público teve o maior superávit acumulado em 12 meses na relação com o Produto Interno Bruto (PIB) desde 2012, 2,48%. Também registrou a menor relação dívida/PIB desde março de 2020, em 77,6%.

    O Inter revisou a projeção de superávit primário consolidado para 2022 para 1% do PIB. “O principal fator para a melhora fiscal em 2022 foi o crescimento da arrecadação. A alta da receita total do governo central até julho foi de 15% em termos reais, sendo 10% o crescimento da carteira administrada”, afirma Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter, em relatório.

    Tiago Sbardelotto, economista da XP, afirma que a tendência é que as contas públicas continuem tendo um desempenho positivo no ano, com a relação dívida/PIB podendo cair mais e chances do governo central ter o primeiro superávit primário desde 2013.

    Para 2023, porém, o cenário tende a ser mais adverso, alerta Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria.

    Ela avalia que, com um quadro internacional e doméstico mais negativo, a falta de reformas pode fazer com que parte do desempenho positivo no ano seja revertido.

    Melhor julho da série histórica

    O economista da XP destaca que o resultado de julho foi o melhor para o mês desde o início da série histórica do Banco Central, e segue outros desempenhos positivos das contas públicas em 2022.

    Para Sbardelotto, a maior parte desse desempenho é conjuntural, com a arrecadação beneficiada por uma combinação de cenários interno e externo favoráveis.

    Os principais fatores por trás do resultado, afirma, vierem de “tributos de lucro corporativo, entrada de dividendos da Petrobras, um volume grande que tem feito a diferença e o maior da série histórica, e a parte de exploração de recursos naturais, royalties de petróleo”.

    Dos três elementos, dois estão diretamente ligados a commodities, mais especificamente o petróleo, com sua cotação internacional ainda historicamente alta.

    Além disso, a arrecadação maior com lucros corporativos tem vindo, principalmente, de empresas que atuam no setor de commodities.

    Já na ponta da despesa, ele aponta um crescimento abaixo da inflação das despesas previdenciárias. Sbardelotto vê uma combinação de mudança do calendário de pagamentos de precatórios e um efeito da Reforma da Previdência, com controle de despesas, como os grandes responsáveis por esse ritmo menor. Nesse tema da reforma da Previdência, Rafaela Vitoria lembra que teve contribuição importante nos anos recentes. “Essa linha, que possui o maior peso nos gastos do governo, deve registrar 8,1% do PIB em 2022, depois de ter alcançado 8,5% em 2017”.

    Na ponta dos estados, os superávits vieram “bem abaixo” de meses anteriores, com o economista apontando o efeito do tradicional de pagamento de 13º salário para servidores no mês e um aparente impacto inicial da queda de arrecadação com o teto do ICMS para combustíveis e energia.

    Damasceno observa que a tendência de queda na relação dívida/PIB continuou em julho. Em 2021, ela encerrou em 88,6%, e hoje está 11 pontos percentuais menor.

    Ela afirma que esse dado é importante ao analisar o grau de solvência da União, mas ao mesmo tempo o número positivo “esconde alguns efeitos condicionantes”.

    “As emissões líquidas na dívida bruta eram de 13,6% em dezembro de 2020, e estão em 3% agora. O governo geral tem tido dificuldade de emitir dívida bruta, refletindo o momento em que mercado exige juros cada vez maiores, e é difícil manter esse patamar”, diz.

    A economista ressalta que ainda que, mesmo com fluxos fiscais positivos, o estoque de dívida cresceu em julho. Entretanto, o crescimento maior que o esperado do PIB acabou impedindo que isso se refletisse na relação entre os dois dados.

    Nesse sentido, ela aponta que a questão inflacionária brasileira segue contribuindo para uma arrecadação maior, com atividade econômica ainda aquecida.

    “As contas públicas têm vindo mais fortes que o esperado e o mercado está revisando projeções, mas isso ocorre não porque estamos conseguindo implementar reformas estruturais que mudam a dinâmica de gastos, é por receita melhor por conjuntura específica”, defende.

    Além do ciclo positivo para commodities, ela aponta uma orientação econômica favorável, com a capitalização da Eletrobras e antecipação do saque do FGTS e do 13º salário do INSS, junto com uma queda nas despesas em relação ao período da pandemia.

    Há, ainda, a falta de reajuste no salário de funcionários públicos, apesar da pressão da categoria, com uma queda no número total de servidores, ajudando a reduzir os gastos.

    Entretanto, “não tem evento, reforma estrutural que preze pela eficiência do gasto”, o que faz a economista acreditar que, sem uma conjuntura favorável e essas medidas pontuais, os números atuais não devem se repetir.

    Damasceno afirma que a Tendências projeta um superávit primário pequeno neste ano, com um resultado nominal ainda deficitário devido aos gastos maiores com juros de dívida, refletindo a taxa Selic maior.

    Já a XP projeta um superávit de R$ 56 bilhões, que ainda deve ser revisto para cima. Na relação dívida/PIB, a projeção é de novas quedas no ano.

    Desafios

    Sbardelotto afirma que perspectiva para os próximos meses é de uma acomodação das contas públicas, impactadas pelo início de queda nas cotações das commodities, um movimento que deve continuar com a desaceleração de economias como os Estados Unidos e a China, mas ainda menos intenso devido ao patamar elevado do petróleo.

    “Para esse ano a expectativa ainda é bastante positiva porque essa descompressão de preços deve demorar, mas a partir do ano que vem, o resultado deve ceder”, projeta.

    Ele lembra ainda que a probabilidade do Auxílio Brasil ser mantido em R$ 600 no próximo ano é alta, e haverá demanda por mais investimentos e reajuste de salário de servidores, o que torna uma revisão do teto de gastos “inevitável”, o que tende a piorar as contas públicas.

    “Ano que vem deve voltar a ter déficit por conta dessas despesas adicionais. Por isso, a redução de dívida que esperamos esse ano deve se reverter, até subindo mais, por estar também com taxa de juros mais alta”, diz o economista.

    Uma alternativa para tentar manter parte desses resultados positivos, mesmo com um ambiente de desaceleração global, seria implementar reformas, em especial a tributária, para “conseguir ter um nível de crescimento mais alto, e com isso fazer a arrecadação crescer”.

    Rafaela Vitoria afirma, sobre 2023, que “apesar da melhora recente nas contas públicas, não há espaço para licença para gastar”.

    Juliana Damasceno afirma que, mesmo fechando 2022 com fluxos positivos, é importante “fazer o diagnóstico correto para não contratar uma crise futura”.

    “As despesas estão travadas, com o teto ainda conseguindo segurar, e uma receita forte. Se não consegue aproveitar esse momento para melhorar a solvência, quando vai fazer?”, questiona.

    Para 2023, ela avalia que a projeção de crescimento baixo do PIB implica em uma arrecadação menor, mas que o governo pode usar um aumento da carga tributária para compensar o movimento.

    Uma possível alteração do teto, afirma, também impactará nos resultados. “É impossível fazer caber o Auxílio de R$600 dentro do teto, vai ter que ser discutido, e essa relação vai responder à estratégia adotada, a nova regra fiscal, mas também à orientação do governo”.

    “Vai ser uma exceção pro Auxílio ou vai gastar mais em tudo? Qual a estratégia pra regra? E depende da percepção do mercado sobre essa orientação também”, explica.

    Nesse quadro, um ambiente de juros altos, PIB crescendo pouco e inflação baixa ajudará pouco as contas públicas.

    “A economia está voltando com força muito por causa de surpresas, em especial em serviços, mas puxada pelo setor de commodities, que estão em alta por um ciclo ligado à guerra. Não é porque está ligado à atividade que é conjuntural”, alerta.

    “A questão é o quanto o governo consegue continuar com essas condições diante da pressão no cenário social. Precisa reorganizar as contas públicas fazendo esforço de reajuste estrutural, tirando gastos desnecessários, de modo a garantir espaço para atender essa demanda por benefícios sociais”, defende Damasceno.

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