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    PEC não é solução e crédito extraordinário pode pagar auxílio, diz economista

    Especialistas criticam o uso excessivo de emendas à Constituição nos últimos anos para que governo possa gastar mais

    Juliana Eliasdo CNN Brasil Business , em São Paulo

    Fazer mais uma emenda à Constituição, por meio da PEC do Estouro, para driblar o teto de gastos e conseguir permissão para gastar mais não é o caminho ideal para solucionar a falta de dinheiro para manter o Auxílio Brasil ou um novo Bolsa Família em 2023, de acordo com economistas consultados pelo CNN Brasil Business.

    Isto porque a sucessão de PECs aprovadas nos últimos dois anos para gerar verba extra ao governo acabou desgastando a ferramenta. Foi o caso, por exemplo, da PEC Emergencial, da PEC dos Precatórios e da PEC dos Benefícios, apelidada de “Kamikaze”, todas elas promulgadas nos 16 meses entre março de 2021 e julho de 2022.

    Em artigo recente sobre o tema, o economista José Roberto Afonso, considerado um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), defende que, no lugar de mais uma Proposta de Emenda à Constituição, como articula a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seja feito o uso de crédito extraordinário para levantar o dinheiro necessário para pagar o Bolsa Família no ano que vem.

    Os créditos extraordinários, afirma, são uma ferramenta já prevista na lei – inclusive no próprio teto de gastos -, não exige mudança na Constituição e é o suficiente para sanar em caráter de urgência a deficiência de verba do atual projeto para o Orçamento do ano que vem.

    “Não há nada mais urgente no Brasil que combater a fome e a miséria que assolam dezenas de milhões de brasileiros”, afirmou Afonso em artigo sobre o tema, intitulado “Renda básica pode ser financiada por crédito extraordinário”.

    “Sem precisar mudar a Constituição, é perfeitamente viável ao novo governo federal, se quiser, atender essa prioridade se valendo das regras fiscais já em vigor”, completa.

    O artigo é assinado por Afonso, que é professor da Universidade de Lisboa e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em conjunto com a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane Pinto e o analista do Senado para orçamento público Leonardo Ribeiro.

    Previsto no teto

    O teto de gastos, incluído na Constituição, também por PEC, em 2016, permite que as despesas do governo cresçam apenas o mesmo que a inflação. A própria regra prevê, entretanto, os créditos extraordinários como uma das poucas exceções liberadas de cumprir o limite.

    O governo pode recorrer a esses créditos apenas para situações consideradas “imprevisíveis” e “urgentes” – o que, para Afonso e seus colegas, é o caso atual.

    “Os indicadores sociais observados após a pandemia sustentam a urgência”, dizem, “e não há maior fator de imprevisibilidade do que a inexistência de previsão de recursos no projeto de lei orçamentária para 2023 para manter o valor hoje pago às famílias em situação de grave vulnerabilidade social”.

    Auxílio a R$ 400

    O projeto para o Orçamento de 2023 apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro reservou a verba necessária para bancar um Auxílio Brasil de apenas R$ 400 – atualmente, o benefício é pago temporariamente no valor de R$ 600, graças à PEC Kamikaze de julho.

    Tanto Bolsonaro quanto Lula prometeram, porém, —e economistas de dentro e de fora do mercado financeiro concordam—, que o valor deve ser mantido em R$ 600 também de 2023 em diante.

    Para dar conta disso, Lula apresentou a PEC do Estouro, em debate com parlamentares, em que pede quase R$ 200 bilhões a mais e fora do teto de gastos para poder arcar com este e outros programas sociais. O futuro presidente também já adiantou que quer rebatizar o programa de volta para “Bolsa Família”.

    Excesso de PECs

    “Alterar a Constituição praticamente uma vez por semestre não traz segurança fiscal alguma, além de prejudicar a qualidade do ciclo orçamentário brasileiro, na medida em que se torna quase impossível planejar o médio prazo”, disse ao CNN Business Élida, uma das coautoras do artigo e também professora da Fundação Getulio Vargas (FGV).

    “Nos últimos 20 meses, já houve três emendas constitucionais que se revelaram insuficientes e ainda mais inseguras para atender à finalidade de resguardar auxílio alimentar aos vulneráveis”, acrescentou.

    A economista e professora do Insper Juliana Inhasz também critica o uso de uma PEC, tipo de projeto que altera a Constituição e exige um alto número de votos favoráveis para ser aprovado no Congresso, embora acredite ser difícil a saída pelos créditos extraordinários. “Não me parece o caso de despesas imprevisíveis”, diz.

    “Usar a PEC para financiar os gastos extras em 2023 é um caminho complexo”, afirmou ela.

    “O governo consegue receita para atingir seu objetivo, mas a um custo elevado. Vai acabar gerando aumento expressivo de dívida pública e vai precisar convencer um Congresso que não lhe é tão favorável a aprovar a proposta, sob a pena de ter que fazer inúmeras concessões e divisões do recurso com esse mesmo Congresso.”

    De acordo com a economista-chefe da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, embora o mercado financeiro já estivesse disposto a aceitar alguma exceção ao teto de gastos para fazer ajustes nas políticas sociais do Orçamento de 2023, o ideal seria, nos anos seguintes, fazer cortes em outras frentes para poder acomodar os programas de renda de volta dentro do limite de gasto permitido.

    “Do ponto de vista de política fiscal, o ideal seria a rediscussão dos gastos, para ver as prioridades e para ver onde realocar isso”, disse. “Nosso orçamento não é pequeno, ele prevê R$ 1,8 trilhão em despesas para o ano que vem, mas tem uma parte dos gastos que não está bem endereçada.”

    Projeções feitas por ela indicam que, se mantido um gasto de R$ 200 bilhões fora do teto de gasto durante todo o mandato de Lula, e sem contrapartida de corte ou nova fonte de receita em outra frente, a dívida pública, que hoje está em 77% do PIB, pode chegar a algo entre 95% e 110% até 2026. “Nunca chegamos a tanto”, disse Pinheiro.