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    Para mercado, ter controle fiscal é caminho para permitir melhora social

    Mercado financeiro entrou em curto-circuito após discurso feito pelo presidente eleito Lula em que questionou regras fiscais e pediu maior preocupação com questões sociais

    Juliana Eliasdo CNN Brasil Business , em São Paulo

    Ter uma política econômica responsável com o controle dos gastos e da dívida pública não só não conflita com investimentos sociais, como também é condição preponderante para que o bem estar da população possa melhorar de fato.

    Se os investidores, analistas e economistas do mercado financeiro pudessem dar diretamente uma resposta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o resumo seria este.

    Na quinta-feira (10), um discurso feito pelo petista em que questionou a severidade das políticas de cortes de gastos fez os principais indicadores do mercado financeiro brasileiro terem o pior dia do ano.

    A bolsa de valores encerrou a sessão em queda de mais de 3%, na maior retração diária desde setembro de 2021, e o dólar voltou para os R$ 5,40 – embora ambos tenham ensaiado uma recuperação nesta sexta-feira.

    “Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social do país?”, questionou Lula.

    “Não existe esta dicotomia, ela é uma falácia”, responde o sócio e economista-chefe da gestora Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas.

    “Pelo contrário, você só consegue garantir políticas públicas e ter programas para as pessoas que mais precisam se houver uma estabilidade macroeconômica”, disse ao CNN Brasil Business.

    Mais gasto, mais inflação

    A lógica por trás desse raciocínio foi explicada nesta sexta-feira pelo atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que entrou na acalorada discussão em uma palestra nesta manhã.

    “Se não tiver equilíbrio fiscal, a gente volta para um mundo de incerteza onde a expectativa de inflação sobe, você desorganiza o setor produtivo no sentido de investimento, e no final quem sofre mais com isso é a população que você quer ajudar, porque você machuca a geração de emprego.”, disse ele.

    O raciocínio é que, se um governo com uma dívida já alta, como a do Brasil, segue gastando mais do que arrecada e sem dar sinais de alguma racionalidade nesses gastos, a conta cobrada por seus credores – o mercado financeiro – começa a subir e uma hora chega.

    “Se não há sinal de redução ou estabilização da dívida pública, haverá uma depreciação cambial, o que traz inflação, que acomete justamente os mais vulneráveis e exige juros mais altos como resposta”, explica a economista da Tendências Consultoria Juliana Damasceno.

    “E que empresa ou que pessoa vai querer investir em capacidade produtiva se pode investir em um título que paga muito mais?”

    Revisão de gastos desnecessários

    De acordo com os economistas consultados pelo CNN Brasil Business, a solução passa não por paralisar os programas sociais, nem por despender dinheiro indiscriminadamente para mantê-los, mas, sim, por reorganizar e redirecionar os gastos enormes e pouco eficientes que tem hoje o Estado brasileiro.

    “A questão social é premente e necessária, e nenhuma economista, mesmo liberal, vai contra isso; a diferença está em como acomodar esse gasto dentro da nossa estrutura atual”, disse Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados e comentarista de economia da CNN.

    “Os mais liberais gostariam de ver uma reestruturação dos gastos públicos para incorporar o gasto social, enquanto a esquerda quer adicionar esses gastos, o que geraria mais crescimento e renda e, com isso, resolveria as coisas. O problema é que, como aconteceu no passado, talvez essa receita e esse crescimento não venham na intensidade desejada”, continuou.

    Como exemplo de despesas que poderiam ser melhoradas para que sobrassem mais recursos para programas sociais, Vale menciona os bilhões de reais que o governo deixa de arrecadar anualmente com políticas de subsídios a empresas e também a necessidade de uma reforma administrativa, que deveria redesenhar o funcionalismo público e continua parada no Congresso.

    Damasceno, da Tendências, lembra também da desoneração na folha de pagamento das empresas de diversos setores, que segue sendo renovada sem ser revista. “Diversos estudos já mostraram que é uma política que não cumpriu seu papel de aumentar formalização”, disse a economista.

    Barros, da Ryo Asset, acrescenta também que uma revisão do próprio arcabouço de programas sociais, uma rede desorganizada de benefícios, de acordo com ele, em muitos casos sobrepostos e pouco eficientes, já geraria economias que permitiriam gastar mais e melhor com quem realmente precisa.

    Ele menciona o abono salarial, uma espécie de 14º salário pago pelo governo aos empregados registrados que ganham até dois salários mínimos, enquanto trabalhadores informais não têm benefícios, e o próprio Auxílio Brasil, que atualmente paga os mesmos valores para todas as famílias, independentemente do tamanho.

    Simulações feitas por ele estimam que a economia com uma espécie de pente fino nesses programas chegaria a R$ 190 bilhões ao longo de dez anos. Se acrescentadas outras medidas mais amplas, como a reforma administrativa, os gastos hoje em excesso e a serem cortados poderiam chegar a R$ 700 bilhões em uma década.

    “Claramente, não é um problema de falta de recursos, mas, sim, de má focalização”, disse Barros. “Nós gastamos muito com políticas mau desenhadas e, apesar de gastar muitos recursos, ainda não conseguimos chegar a quem realmente precisa.”

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