O que significa para a Rússia dar calote em sua dívida externa
Situação russa se agrava à medida que seu isolamento, vindo de sanções sem precedentes impostas pelas potências ocidentais, só cresce
A Rússia está caminhando para um default em seus pagamentos de dívida externa, ameaçando mergulhar sua economia ainda mais na crise.
A inadimplência é um território obscuro na economia global, e a situação da Rússia é complicada por seu crescente isolamento sob as sanções sem precedentes impostas pelas potências ocidentais.
Para aqueles de nós que dormiram durante a aula de Introdução à Macroeconomia na faculdade, vamos descompactar exatamente o que queremos dizer quando falamos sobre esse histórico (e ainda potencial) calote russo.
Primeiro de tudo: o que é “default”?
Para simplificar, os governos, assim como as pessoas comuns, contraem empréstimos para financiar grandes projetos, e esses empréstimos devem ser pagos em um cronograma. Um “default” acontece quando um mutuário não pode pagar os juros ou o principal de sua dívida no vencimento.
Os governos emprestam dinheiro emitindo títulos. Investidores, tanto no país quanto no exterior, compram esses títulos, efetivamente emprestando dinheiro ao governo com a promessa de ser pago de volta com juros.
A falta de pagamento resulta em um “default”, ou, em bom português, inadimplência ou calote. Isso pode ter consequências terríveis, e é por isso que os governos normalmente fazem tudo o que podem para evitá-los.
A Rússia não deu calote nas obrigações da dívida externa desde a revolução bolchevique de 1917.
Por que a Rússia não pode pagar suas contas?
Para esclarecer, a Rússia tem o dinheiro. Ela só não pode acessá-lo.
Desde 2014, última vez em que o Ocidente sancionou a Rússia pela anexação da Crimeia, o Kremlin acumulou cerca de US$ 640 bilhões em reservas estrangeiras. Cerca de metade desses fundos estão agora congelados sob sanções ocidentais impostas após a invasão da Ucrânia.
Como resultado, Moscou disse que planeja pagar credores de “países hostis” em rublos em vez de dólares ou euros até que as sanções sejam suspensas, disse o ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, no início desta semana.
Mas as agências não-governamentais que determinam a qualidade de crédito provavelmente considerarão tais pagamentos como causa de inadimplência. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia no mês passado, todas as três principais empresas de classificação de risco – Fitch, S&P e Moody’s – rebaixaram a dívida russa de grau de investimento para o que é conhecido como “lixo” (que é exatamente tão ruim quanto parece).
O que aconteceu com o primeiro pagamento da dívida da Rússia?
Na última quarta-feira (16), uma conta de US$ 117 milhões venceu. Isso representa o pagamento total de juros que deve sobre dois títulos denominados em dólares americanos.
Não ficou claro se um pagamento foi feito, embora o Tesouro dos EUA tenha dito que permitiria que a transação fosse concluída.
Por exemplo: nem saberemos se a Rússia fez algum pagamento até que os investidores confirmem que receberam os fundos. O ministro das Finanças da Rússia disse na quarta-feira que Moscou pagou sua conta e que cabe às autoridades americanas decidir se ela será aceita.
(Anteriormente, o ministro das Finanças havia dito que o pagamento seria feito em rublos em vez de dólares, o que violaria os termos do reembolso e desencadearia um calote de qualquer maneira.)
Investidores que falaram anonimamente com a Reuters e o The Wall Street Journal na quarta disseram que ainda não viram os fundos chegarem.
“A coisa sobre os defaults é que eles nunca são claros, e isso não é exceção”, disse Guido Chamorro, gerente de portfólio de mercados emergentes, à Reuters.
Também turvando a situação, há um período de carência de 30 dias para os dois títulos, o que significa que a Rússia tecnicamente não entraria em default por mais um mês. Muita coisa pode acontecer nesse tempo.
O que acontece se a Rússia entrar em default?
“Um calote é um desastre para a Rússia”, disse Timothy Ash, estrategista soberano sênior da BlueBay Asset Management.
O ataque do país à Ucrânia o deixou com poucos amigos na comunidade internacional, e um calote provavelmente cortaria o acesso ao financiamento estrangeiro por anos.
A economia da Rússia já está sangrando. Desde o início da guerra, o rublo caiu para mínimas recordes, a receita crítica está diminuindo à medida que os comerciantes de petróleo evitam o petróleo russo, dezenas de corporações internacionais suspenderam as operações e as sanções congelaram mais de US$ 300 bilhões em reservas em moeda estrangeira.
A dor de um default será sentida em grande parte na Rússia.
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, disse que é improvável que uma crise financeira além das fronteiras russas se desenvolva “por enquanto”, dizendo que a exposição dos bancos ocidentais “não é sistemicamente relevante”.
Para quem tem flashbacks da crise da dívida soberana europeia de 2010, agora é um bom momento para respirar fundo. O risco sistêmico parece ser baixo.
Mas um default também viria em um momento de grande incerteza nos mercados globais. Analistas da Capital Economics alertaram que, se uma instituição financeira estiver particularmente exposta à dívida russa, isso poderá desencadear um contágio mais amplo. Isso significa que não saberemos realmente o quão ruim isso é até que aconteça.
— Julia Horowitz e Charles Riley, da CNN Business, contribuíram com reportagens.