O que o novo CEO deve fazer para mudar o rumo da Intel
A empresa de semicondutores, cujos produtos têm servido como cérebro de incontáveis computadores, perdeu nos últimos anos sua posição de líder indiscutível
Pat Gelsinger terá uma enorme tarefa pela frente ao assumir como CEO da Intel próximo mês.
A empresa de semicondutores, cujos produtos têm servido como o cérebro de incontáveis computadores e outras tecnologias importantes, perdeu nos últimos anos sua posição de líder indiscutível do setor. Entre os maiores desafios que a Intel enfrenta estão a competição sem precedentes de antigos parceiros, os grandes atrasos em seus chips de próxima geração, a partida dos melhores talentos e um acionista ativista batendo na porta.
Os especialistas dizem que a Intel precisa urgentemente de uma infusão de liderança renovada e uma nova e ousada estratégia de negócios.
Sempre quis que minha carreira ficasse onde a ação estivesse acontecendo — e para onde estão indo a disrupção e a máxima inovação?
Pat Gelsinger em entrevista ao presidente da Samsung, Young Sohn, em outubro
Os investidores estão contando com Gelsinger (ex-diretor de tecnologia da Intel e atual CEO da gigante de software VMWare, VMW) para trazer esse tipo de visão de volta à empresa. As ações da Intel saltaram 11% depois do anúncio da contratação na semana passada.
Mesmo com a alta, os concorrentes da Intel têm superado a empresa em Wall Street. Nos últimos dois anos, as ações da Intel subiram quase 26%, ante a alta de quase 169% do índice de semicondutores PHLX. Na mesma época, as ações da AMD e Nvidia avançaram 398% e 300%, respectivamente.
“São questões estruturais que levarão muitos anos para serem consertadas”, afirmou Hans Mosesmann, diretor-gerente da Rosenblatt Securities. “Ele tem um desafio monumental à frente.”
Entre outras preocupações, o preço das ações levou o investidor ativista Dan Loeb, da Third Point, a pressionar por mudanças na empresa no início deste mês.
O CEO que está saindo da Intel, Bob Swan, está entregando uma empresa que ainda está em uma situação financeira relativamente boa. Quando a Intel reportar os ganhos na semana que vem, os analistas de Wall Street esperam que ela registre uma receita anual de US$ 75,4 bilhões (cerca de R$ 408 bilhões) em 2020, quase 5% a mais do que no ano anterior.
No entanto, analistas pontuam que esse quadro pode não durar enquanto a Intel tenta projetar uma recuperação.
Investidores e clientes esperam que Gelsinger articule um plano para resolver os problemas de fabricação da Intel. Além disso, o novo CEO terá que traçar um caminho para novas áreas de crescimento, já que, segundo analistas, é improvável que a Intel algum dia recupere o domínio de mercado que antes desfrutava: o de PCs. Esse tipo de reviravolta pode não ser fácil para uma empresa de 52 anos e US$ 72 bilhões (cerca de R$ 389 bilhões) no setor de semicondutores, onde o desenvolvimento de um mapa de tecnologia robusto pode levar anos.
“Acho que, se eles não conseguirem voltar aos trilhos, a competição continuará mais forte do que nunca”, disse Alan Priestley, analista vice-presidente da consultoria global Gartner. “Portanto, a concorrência continuará ganhando participação às custas da Intel.”
Desafios de fabricação
A Intel é conhecida por fabricar seus próprios chips, uma distinção que era vista como uma vantagem competitiva até que a empresa abandonou seu cronograma típico de atualização de dois anos e começou a ficar atrás de seus rivais na produção dos microprocessadores mais avançados.
Nos últimos anos, a Intel lutou para passar de um chip de 14 nanômetros para o de 10 nanômetros. Em julho, a empresa anunciou que os chips de 7 nanômetros (originalmente previstos para chegar ao mercado no final de 2021) atrasariam em cerca de seis meses. Na semana passada, a Intel divulgou que fez um “grande progresso” na tecnologia de 7 nanômetros e fornecerá uma atualização no relatório de ganhos.
Enquanto isso, os rivais Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e Samsung continuaram desenvolvendo chips ainda menores e mais poderosos.
A TSMC produz chips para rivais da Intel, o que ajudou a AMD a roubar participação nos mercados cruciais de PC e data center. No início do ano, a TSMC anunciou planos para construir uma fábrica de US$ 12 bilhões (cerca de R$ 64 bilhões) no Arizona até 2024 para aumentar a produção de chips de 5 nanômetros. Ela também está em processo de desenvolvimento de processadores de 3 nanômetros, segundo os executivos revelaram durante a divulgação de resultados na semana passada.
Gelsinger terá que decidir se terceirizará a produção de alguns chips avançados para um concorrente, provavelmente a TSMC, algo que o CEO de saída, Swan, sugeriu que a empresa poderia fazer. Analistas dizem que seria surpreendente se a Intel desmembrasse completamente suas fundições, como a AMD fez há cerca de uma década, mas terceirizar parte da produção poderia ajudá-la a preencher lacunas em sua linha de produtos enquanto corrige os problemas de fabricação.
“Eles precisam descobrir se podem colocar sua tecnologia de volta nos trilhos ou simplesmente desistir e fazer o que todo mundo faz e comprar da TSMC ou de outras fundições”, disse Wayne Lam, diretor sênior de pesquisa da CCS Insight. “O quanto você pode ficar para trás antes de dizer, ‘Ok, não vale a pena tentar alcançá-la?’.”
Os investidores estavam esperando por uma atualização sobre os planos da Intel relacionados à possível terceirização durante a divulgação dos resultados, mas a empresa agora pode esperar para anunciar uma estratégia até que Gelsinger esteja no comando. Qualquer seja sua decisão, é improvável que haja uma resolução rápida.
“Quaisquer correções de fabricação (como terceirização parcial para a TSMC) provavelmente não produzirão resultados até o final de 2022 ou 2023”, ou para ajudar a melhorar as margens nos próximos dois anos, escreveram analistas do Bank of America em relatório na terça-feira (19).
Mudando a concorrência
Ao mesmo tempo, a Intel deve enfrentar um cenário competitivo em constante mudança.
Além da ameaça que a AMD representa para seu negócio de PCs, a Intel também está perdendo negócios com a Apple. A fabricante do iPhone lançou em novembro três novos Macs usando seu próprio microprocessador personalizado fabricado pela TSMC. A Apple diz que o novo chip M1 trará melhorias de desempenho em comparação com os chips Intel que usava anteriormente, incluindo velocidades mais rápidas e maior duração da bateria.
“A Apple fez algumas coisas interessantes em termos de design do núcleo e arquitetura de memória para aumentar seu desempenho… [e conseguiu] fazer isso sozinha”, disse Priestley, da consultoria Gartner. “O desafio de usar componentes padrão de um fornecedor como a Intel é você pegar o que a Intel fornece ou, se quiser algo específico, esperar e interceptar em seus ciclos de desenvolvimento”.
A Intel disse ao CNN Business no início deste mês que a decisão da Apple a libera para “descobrir como podemos sair e competir com esses produtos [da Apple]”. A Intel disse que se concentrará em oferecer as melhores experiências no Windows, Chrome e Linux, enquanto compete com os produtos Mac.
Em uma reunião de equipe na semana passada, Gelsinger disse aos funcionários da Intel que a empresa tem que “entregar produtos melhores” para PCs do que qualquer coisa “que uma empresa de estilo de vida em Cupertino” faça, uma provável referência à Apple, de acordo com uma reportagem do site The Oregonian.
Além de perder um cliente, a tecnologia dos novos chips da Apple pode ter implicações mais amplas para a Intel. Enquanto os microprocessadores da Intel (e AMD) são baseados em uma arquitetura x86, a Apple projetou seus novos chips M1 baseados em uma tecnologia licenciada da ARM, que a Apple vem usando em dispositivos móveis há anos.
Embora já existam alguns laptops baseados em ARM no mercado, os novos Macs da Apple podem ser um problema para a Intel se os chips baseados em ARM acabarem se tornando um sucesso também nos PCs.
A mudança provavelmente encorajará alguns outros fabricantes de PCs a explorar a construção de mais produtos baseados em ARM para “fornecer recursos semelhantes no ecossistema Windows ao que a Apple está oferecendo no ecossistema Mac OS”, disse Priestley. No entanto, ele acrescentou que pode levar algum tempo para os desenvolvedores de software acompanharem a mudança para o ARM, o que pode ser uma barreira para a Intel, especialmente no setor empresarial.
“É preciso ser capaz de oferecer novas soluções independentes para reter esses clientes, em vez de mandá-los embora”, pontuou Loeb, do fundo de hedge Third Point, sobre a Apple (AAPL), bem como outros gigantes da tecnologia como o Google (GOOGL) e Amazon (AMZN), em sua carta à Intel no início deste mês.
Há também o desafio de que microprocessadores (CPUs), historicamente o forte da Intel, estão cada vez mais dividindo o palco com outros componentes – como unidades de processamento gráfico projetadas para aplicações de IA em data centers, nos quais a Nvidia (NVDA) investiu pesadamente – em termos de sua importância para os ecossistemas de computação.
“É preciso consertar o roadmap da CPU em um mundo que está tornando a CPU menos relevante”, disse Mosesmann, da Rosenblatt Securities. “Todo mundo está investindo em outras áreas. É preciso inovar nessas outras áreas também”.
Ele adicionou: “A Intel é uma empresa diferente daqui para frente e teremos que descobrir onde está sua competência principal”.
Alguns especialistas estão esperançosos de que a experiência de Gelsinger na gestão de empresas que dependem da tecnologia Intel fornecerá informações importantes sobre o que os clientes desejam e precisam.
“Na VMware, Pat era um cliente da Intel. Ele sabe o que as empresas estão procurando, quais aplicativos precisam de mais processamento, sabe exatamente onde estão as oportunidades no nível de hardware”, detalhou Ambuj Kumar, CEO da empresa de software em nuvem Fortanix, cliente da Intel. “Espero que ele possa liderar o desenvolvimento de produtos da Intel nessa direção.”
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).