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    Mudança no “piso” seria mais positiva que no teto de gastos, dizem especialistas

    Governo federal estaria discutindo reformar regra que limita gastos públicos, vista como âncora fiscal pelo mercado

    Teto de gastos foi aprovado em 2016, com o objetivo de reduzir a dívida pública
    Teto de gastos foi aprovado em 2016, com o objetivo de reduzir a dívida pública Marcello Casal Jr/Agência Brasil

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    Em meio a discussões no governo federal sobre possíveis mudanças no teto de gastos, especialistas afirmam ao CNN Brasil Business que uma alteração no “piso”, as despesas obrigatórias, seria mais positiva e correta, afastando efeitos negativos de reformar a regra para despesas públicas.

    Segundo a analista de economia da CNN Priscila Yazbek, a discussão entre técnicos do Ministério da Economia tem girado justamente em torno de mudar o piso, não o teto de gastos.

    Uma mudança na composição interna dos gastos públicos, com maior flexibilidade e reduzindo a quantidade de gastos obrigatórios, seria a ideia mais correta, segundo Sergio Vale, especialista CNN e economista-chefe da MB Associados.

    “Hoje a maior parte do gasto é obrigatório e, com o teto, sobra pouco para outros gastos, os gastos discricionários, e o governo fica cada vez mais com menos liberdade”, avalia Vale.

    Atualmente, cerca de 95% do Orçamento do governo é composto por gastos obrigatórios, ligados principalmente à previdência e ao pagamento de salários para servidores.

    Em geral, esses gastos possuem aumento anual e são mais difíceis de serem cortados, e o governo é obrigado por lei a atendê-los integralmente. Com isso, os 5% restante acabam sendo o grande alvo de cortes para garantir o cumprimento do teto.

    Com a flexibilização, o governo teria mais facilidade de adequar os gastos ao teto. Mas a mudança, por mais que seja correta, não seria simples, afirma o professor da FGV Samuel Pessoa.

    Por estarem previstos na Constituição, as características dos gastos obrigatórios precisariam ser alteradas por meio de “mudanças constitucionais importantes”.

    Pessoa considera que qualquer medida para redução de gastos seria bem-vinda pelo mercado, que “se preocupa com prêmio de risco da dívida, e fica feliz quando juros baixam”.

    Mas além de mudar o tipo do gasto, o professor acredita ser importante alterar também a qualidade do gasto público, ainda ruim.

    “As instituições não ornam bem com orçamento impositivo, a parte discricionária do orçamento deveria ser autorizada, o Tesouro e o executivo é que deveriam ter mais prerrogativas sobre esse gasto”, diz.

    Já o ex-diretor do Banco Central e especialista CNN Alexandre Schwartsman afirma que mexer no piso dos gastos seria melhor que no teto, mas que é difícil colocar uma reforma do tipo em prática.

    “Isso demanda mudar a obrigação, a Constituição, e demanda uma reforma difícil. Seria preciso aprofundar a Reforma da Previdência, fazer a administrativa, mexer em vinculações do Orçamento”, explica.

    Ele lembra que discussões sobre a redução dos gastos obrigatórios ocorrem há anos, mas que sempre faltam detalhes sobre como ela ocorreria, ou para onde o orçamento liberado poderia ser destinado, já que ele “poderia servir a outros fins que não o bem-estar da população”.

    Schwartsman acredita que a proposta não deve avançar, com alternativas voltadas a mudar o teto de gastos tendo mais força no meio político.

    Uma dessas propostas envolveria estabelecer um regime de meta de dívida e, se o governo estiver próximo a ele ou cumpri-lo, dar um espaço de reajuste além da inflação para aumentar os gastos.

    Já se o governo estivesse longe da meta, a regra original do teto valeria, com o reajuste sendo apenas pela inflação.

    “Mas isso tudo morre porque, na hora do vamos ver, quando essa regra colide com o interesse político e eleitoral, quem perde é ela. Nós vimos isso em 2022. Antes também tínhamos regra de superávit primários, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sempre acabam sendo contornadas”, diz o economista.

    Pessoa também acredita que uma mudança no teto deve acabar sendo mais provável que nos gastos, com ideias como um reajuste pela inflação mais uma proporção do crescimento do PIB, ou um subteto para investimentos.

    Entretanto, ele defende que essa discussão só seja feita se, antes, o governo conseguir elevar a carga tributária, garantindo um aumento de receita que permite gastar mais.

    Ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo também considera que reduzir a quantidade de gastos obrigatórios seria mais positivo do que alterar o teto, já que “daria liberdade para o governo realocar despesas. Atualmente, é difícil gerenciar um país tendo mais de 90% das despesas obrigatórias”.

    Mesmo assim, ele avalia que a hipótese aventada de estabelecer um regime de meta de dívida que permitira reajustar o teto acima da inflação não seria ruim e poderia funcionar, mantendo um controle dos gastos públicos e dando mais espaço ao governo, mas que ainda é preciso entender os detalhes de um projeto do tipo. “No fim, o que não podemos ter é uma dívida grande”.

    “O mercado quer ver um país sustentável, e para isso precisa ter uma segurança de que a dívida não se tornará impagável, e para isso é necessário ter um arcabouço razoável”, afirma.

    Perspectivas

    Implementado em 2016, o chamado teto de gastos estabelece um limite no Orçamento do governo, sendo reajustado anualmente pela inflação do ano anterior. Em teoria, ele precisaria ser rediscutido apenas em 2026, quando sua vigência legal expiraria.

    Entretanto, as discussões acabaram sendo adiantadas, com mais força em meio à proximidade das eleições.

    Schwartsman ressalta que “nenhum governo gosta de ter limite aos seus gastos, porque ocasionalmente pode colidir com interesses político-eleitorais, e tivemos exatamente isso agora em 2022 com a eleição, e o governo aumentando gastos para melhorar as chances eleitorais”.

    Nesse sentido, regras como a do teto buscam evitar que o ciclo político afete as contas públicas, contendo um aumento “praticamente ininterrupto” de gastos que o Brasil vinha enfrentando.

    “Com o teto, é possível trabalhar com juros mais baixos, e o mercado ganha dinheiro quando isso acontece, portanto gosta disso. A questão é sempre como controlar o gasto”, afirma.

    Figueiredo lembra que, apesar de ser possível discutir se o teto de gastos é a melhor ferramenta de controle orçamentário ou não, ele é atualmente “a última âncora que existe” para a política fiscal.

    “A vantagem dele é que existe a noção que o setor público gasta muito, e segurar o gasto é melhor que ficar aumentando a carga tributária para não ter déficit”, diz.

    Na visão do economista, os candidatos com mais chances de ganhar a eleição para a Presidência já se colocaram como contrários ao teto, mas “a questão é que precisa ter um arcabouço que seja crível e tenha uma razoabilidade para que, ao longo do tempo, a dívida/PIB possa cair, e hoje ela está muito alta”.

    Pessoa, da FGV, destaca que o teto de gastos foi uma “solução possível para o conflito distributivo brasileiro”, que ganhou destaque no último trimestre de 2013.

    “Ficou claro que a gente tinha um Estado que não conseguia se financiar de forma não inflacionária. O reconhecimento desse fato gerou uma piora do risco-país, a gente acabou perdendo grau de investimento em 2015 e estávamos sem horizonte, o que tínhamos era inflação crescente, como na Argentina”, explica.

    Com a criação do teto, foi possível resolver o dilema dos gastos públicos crescerem mais que a economia sem o Congresso aumentar a arrecadação por aumento da carga tributária.

    Nesse sentido, ele acredita que a lei cumpriu o seu objetivo, mesmo com a aprovação de medidas pelo governo nos últimos anos que permitiram realizar gastos fora do teto.

    “O gasto primário da União em proporção do PIB será menor do que em 2018. Esse ano vai ser a 1ª vez desde a redemocratização que um governo em fim de mandato deixa de legado um gasto em proporção do PIB menor do que recebeu do antecessor”, ressalta.

    Além da relação entre gastos e PIB menor, Pessoa destaca que o período pós-teto teve prêmios de risco e juros menores, o que é benéfico para a economia.

    Ele destaca que, após o teto, investimentos em infraestruturas foram especialmente reduzidos, mas não acredita que a culpa seja da medida.

    “É uma economia política, os congressistas gastam R$ 25 bilhões, R$ 30 bilhões com emendas do orçamento secreto, que poderiam ser gastos com obras de infraestrutura. Não é culpa do teto, é da economia política”, defende.

    O professor destaca que, mesmo fragilizado, o teto “organizou as contas públicas e reduziu prêmio de risco. Se ele estivesse mais pressionado, estaria com juros ainda maiores e a economia mais desorganizada”.