“Megadividendos” da Petrobras refletem governança e alta no petróleo, dizem analistas
Totalizando quase R$ 88 bilhões, remuneração a acionistas foi a maior da história da empresa
O resultado financeiro da Petrobras acima das expectativas no segundo trimestre foi o principal fator que permitiu uma distribuição recorde de dividendos pela estatal, apesar de não ter sido o único, segundo especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business.
A petroleira anunciou na quinta-feira (28) que pagará R$ 87,7 bilhões em dividendos para seus acionistas em agosto e setembro, o maior valor da história da empresa. No mesmo dia, a companhia anunciou um lucro líquido R$ 54,3 bilhões de abril a junho, uma alta de 26,8% na comparação com o mesmo trimestre de 2021.
O valor no segundo trimestre já representa, sozinho, quase metade de todo o lucro em 2021. A expectativa dos investidores era de um resultado líquido de R$ 38 bilhões.
Especialistas apontam que o desempenho positivo da petroleira está ligado a fatores externos, como petróleo e dólar, mas também internos, com mudanças de governança iniciadas em 2016.
O impacto do petróleo
Os números trimestrais da Petrobras, considerando desde o lucro líquido até os dividendos e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação) viram “um pouco acima do esperado”, segundo Flavio Conde, analista de ações da Levante.
Ele avalia que os números foram “fortes”, e a maior responsável pelo resultado é a cotação do barril de petróleo. “A média do preço do barril no segundo trimestre foi de US$ 113, contra US$ 101 no primeiro. E a causa disso foi a guerra na Ucrânia, que elevou o preço em 12%”.
A alta no preço internacional levou a altas nos derivados do petróleo, como gasolina e diesel, pela Petrobras, já que a empresa acompanha as variações no exterior, assim como a cotação do dólar, que também subiu entre os dois trimestres do ano.
Segundo Conde, o preço médio dos derivados de petróleo no mercado interno, dividido por barril de óleo equivalente, foi de R$ 665 no segundo trimestre, um valor 22,3% maior que o do primeiro, de R$ 544.
“O custo da Petrobras no período teve pouca variação, e como aumentou o preço seguindo o mercado internacional, conseguiu aumentar a receita”, diz o analista.
A própria Petrobras afirma, em comunicado, que a alta na receita reflete “um volume de vendas de derivados e de petróleo e aos maiores preços de derivados e gás natural, em um contexto de retomada da demanda mundial por petróleo e derivados após o período crítico da pandemia da Covid-19 e oferta impactada pela guerra na Ucrânia”.
Ilan Arbetman, analista de Research da Ativa Investimentos, ressalta que, na área de exploração e produção de petróleo, os volumes da Petrobras no período foram levemente menores que no primeiro trimestre, e com custos ligeiramente maiores.
Entretanto, essas mudanças foram “compensadas pelo maior preço do petróleo, dando uma receita maior e uma margem sólida, de 73%”.
A empresa também foi beneficiada por um consumo maior de diesel, natural no segundo trimestre devido ao início do período de safra na agricultura, ajudando a aumentar as vendas.
Além do diesel, a Petrobras teve melhora nas suas margens de lucro envolvendo a gasolina e o querosene de aviação, mesmo com volumes mais baixos.
O uso elevado da sua capacidade no parque de refinarias, em cerca de 89% e maior que no primeiro trimestre, permitiu essas altas, refletindo em mais vendas e mais receita.
Mas a maior surpresa, na visão de Arbetman, veio na área de gás e energia. No último trimestre de 2021 e primeiro de 2022, as margens da empresa no segmento estavam negativas, puxadas pelos custos altos de importação de energia para suas operações.
“Já no segundo trimestre, a hidrologia ajudou, então precisou importar menos energia, dando uma margem positiva. É pequeno para o resultado, mas teve sua parcela de contribuição”, explica.
Para ele, o resultado operacional foi forte, e o lucro líquido poderia ter sido ainda maior se não fosse a questão cambial, com uma desvalorização do real no segundo trimestre.
Questões internas
Quando os “megadividendos” da Petrobras chegaram a ser anunciados antes do resultado trimestral, o valor fez parte do mercado questionar se a empresa não estaria queimando caixa para aumentar a remuneração aos acionistas, mas não foi esse o caso, afirma Arbetman.
“Os resultados mostraram que a distribuição era totalmente compatível com o resultado no trimestre, e as ações estão respondendo de acordo”, destaca.
Mas os R$ 87,7 bilhões em dividendos não refletem apenas o lucro de R$ 54 bilhões, diz Arbetman. Há, ainda, um valor de cerca de R$ 33 bilhões ligados à assinatura do Acordo de Coparticipação na exploração dos campos de Sépia e Atapu e à entrada referente à venda de ativos do programa de desinvestimentos da companhia.
Isso indica, segundo Flavio Conde, uma combinação de preços favoráveis, seguindo a política da empresa, e uma boa gestão nos últimos anos.
“Se tivesse continuado com a política de grandes investimentos, que deram errado, e preços internos menores que o internacional, teria uma companhia muito menos saudável, um resultado menor, lucro menor e dividendos menores ainda, com dívida maior. É uma combinação”, considera.
O analista afirma que as mudanças de gestão começaram em 2016, no governo do ex-presidente Michel Temer, envolvendo medidas como a nova política de preços e a Lei das Estatais, que orienta as empresas do governo a buscar a lucratividade.
“Eles começaram um superprograma de redução de endividamento, tinham essa obrigação para tornar a empresa financeiramente viável e saudável, então reduziram a participação em ativos não estratégicos, vendendo eles e focando na exploração e produção”, diz.
As vendas incluíram gasodutos, participações em empresas, refinarias e a BR Distribuidora, atual Vibra, todas com geração de receita para a Petrobras.
O resultado também foi uma queda no endividamento da empresa. Entre 2014 e 2016, o índice de dívida líquida sobre o Ebitda ajustado em 12 meses chegou a 5,6%, sendo que números acima de 3,5% geram “preocupação” no mercado.
No segundo trimestre, o índice ficou em 0,6%. “A dívida líquida nunca foi tão baixa, de US$ 34 bilhões. Entre 2014 e 2016 chegou a US$ 100 bilhões”, aponta Conde.
Ilan Arbetman explica que a redução no endividamento também permite que a política de dividendos da Petrobras entre em ação.
“Se o endividamento está abaixo de US$ 60 bilhões, a Petrobras pode realizar a distribuição de 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e o fluxo de caixa de investimento. O indicador nesse trimestre permitiu a forte distribuição de dividendos”, afirma.
O analista da Ativa destaca que mesmo com a distribuição, a Petrobras encerrou o trimestre com US$ 19 bilhões em caixa, levemente mais que no primeiro trimestre, com US$ 18 bilhões.
Na análise dele, o caixa segue “extremamente robusto”, e maior até que o de outras petrolíferas que atuam nos mesmos segmentos. Para Arbetman, esse valor não deve ser transformado em dividendos no curto prazo, já que é preciso haver uma reserva.
“A saúde financeira da companhia segue inabalada, e poderemos ver para frente mais distribuições fortes e conectadas com a geração de caixa operacional”, considera.
Já Conde afirma que a empresa está gerando um caixa “gigante”, fruto de uma combinação de petróleo elevado e real desvalorizado. Com uma dívida baixa e caixa forte, a Petrobras “faz bem de distribuir esses dividendos”.
“A empresa tinha perdido credibilidade no mercado nacional e internacional, e está recuperando”, avalia.
Para o analista da Levante, a empresa “faz bem em distribuir esses dividendos para os investidores que acreditaram nela e continuaram com ela. É importante recompensar quem acreditou na nova administração que começou com o Temer e sobreviveu aos vários presidentes no governo Bolsonaro”.
Ele acredita ainda que os números não tem a ver com possíveis pedidos do governo federal por uma antecipação de valores, mas sim com os resultados positivos, uma prática “normal” para empresas de capital aberto.
Arbetman considera que a Petrobras ainda poderá apresentar valores de dividendos tão positivos quanto o do segundo trimestre, mas para isso precisará continuar “fazendo o dever de casa”.
“Continuar adensando produção no pré-sal e cumprindo a política de paridade de preços, que tem sido alvo de contestação no meio político, já que é fundamental para a saúde da companhia”, diz.
Uma hidrologia favorável, acrescenta, também reduziria a necessidade de importação ee energia, ajudando a manter margens saudáveis no ano.
Já Conde ressalta que “quando o petróleo voltar a US$ 80 o barril, e em algum momento deve voltar, o resultado vai cair, e os dividendos cairão juntos, mas não dá para adivinhar quando isso vai acontecer”.
Saiba mais sobre o petróleo e como funciona a sua cotação
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O petróleo é considerado uma commodity. O termo se refere a recursos finitos que têm origem na natureza e são comercializados. No caso, o petróleo é usado principalmente como combustível, mas também dá origem a materiais como o plástico • REUTERS/Vasily Fedosenko
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O petróleo pode ser de vários tipos, dependendo principalmente do seu grau de impureza. Os dois principais, Brent e WTI, são leves (pouco impuros), e a diferença se dá pelo local de negociação: bolsa de Nova York no caso do Brent e bolsa de Londres no caso do WTI • Instagram/ Reprodução
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Os preços do petróleo seguem uma cotação internacional, e flutuam pela oferta e demanda. No Brasil, o preço de referência adotado pela Petrobras - maior produtora no país - é do Brent, seguindo a cotação internacional, em dólar • REUTERS
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Quando se fala da comercialização de petróleo, um fator importante é a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Com 13 membros, ela é responsável por quase 50% da produção mundial de petróleo, e portanto consegue regular a oferta - e preços - pelos fluxos de produção • Reuters/Dado Ruvic
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A partir de 2020, os preços do petróleo foram afetados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. A Opep+ (que inclui países aliados do grupo, como a Rússia) decidiu cortar a produção temporariamente devido à baixa demanda com lockdowns, e os preços caíram. A média em 2020 foi US$ 40, distante da de anos anteriores, entre US$ 60 e US$ 70 • REUTERS
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Em 2021, porém, o cenário mudou, com o avanço da vacinação, os países reabriram rapidamente, e a demanda por commodities decolou, incluindo pelo petróleo. A Opep+, porém, decidiu manter os níveis de produção de 2020, e a oferta baixa fez os preços saltaram, ultrapassando US$ 80 • REUTERS/Nick Oxford
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Já em 2022, a situação piorou. A guerra na Ucrânia, e as sanções ocidentais a um dos maiores produtores mundiais da commodity, a Rússia, fizeram os preços dispararem, ultrapassando os US$ 120. Atualmente, o barril varia entre US$ 100 e US$ 115 • 03/06/2022REUTERS/Angus Mordant
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A alta dos preços do petróleo, porém, trouxe consequências negativas para o Brasil. Como a Petrobras segue a cotação internacional e o dólar está valorizado ante o real, ela subiu o preço nas refinarias, o que levou a uma elevação da gasolina e outros combustíveis. Até o momento, o preço da gasolina já subiu 70% • REUTERS/Max Rossi
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A alta do petróleo não afetou só o Brasil. Países dependentes da commodity, como EUA, Índia e Reino Unido, também viram os preços dos combustíveis subirem, e têm tentado pressionar a Opep+ a retomar os níveis de produção pré-pandemia, o que tem ocorrido lentamente enquanto a organização aproveita para se recuperar das perdas em 2020 • Reuters
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