Juros reais retornam para patamar de 2016; entenda
Título atrelado à inflação se tornou mais atrativo para investidores em meio a temores de recessão global
Os “juros reais” dos títulos NTN-B —cuja rentabilidade é atrelada à inflação oficial— atingiram os maiores valores desde 2016, em um movimento que envolve tanto os títulos de vencimento mais curtos, como o de 2024, quanto os mais longos, como de 2050 e 2055.
Em 2017, o rendimento acima de 6% foi atingido apenas em um dia, mas, em 2016, ficou constantemente acima dessa faixa. Em 2022, são mais de 10 dias nessa situação, o que não foi visto em momentos mais conturbados, como durante a pandemia de Covid-19 ou em 2018, durante as eleições.
Os juros dos títulos refletem o que os investidores estão dispostos a receber de prêmio por ter “emprestado” dinheiro ao governo. Quanto maiores os juros dos contratos mais longos, maior é a percepção de risco do mercado. Os juros dos contratos mais longos também refletem o que o mercado espera da Selic, juro básico da economia.
A sigla NTN-B se refere a uma Nota do Tesouro Nacional classe B, um título de dívida emitido pelo governo para obter dinheiro de credores.
No caso da NTN-B, os juros pagos aos investidores são formados pela união do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) referente ao período de investimento e por uma taxa adicional.
Ou seja, a ideia é que o investimento sempre supere a inflação do período, e por isso a taxa é chamada de juros reais.
As NTN-B são oferecidas tendo como base diferentes anos de vencimento. No dia 11 de julho, a de vencimento para 2024 atingiu juros reais de 6,84%, maior valor desde 8 de março de 2016. É o maior nível desde 16 de março, quando registrou 6,99%.
Já a com vencimento para 2050, que já era negociado em 2016, registrou 6,34%, maior número desde 25 de abril de 2016, enquanto a de 2055 – que passou a ser oferecida a partir de 2020 – subiu para 6,34%, o maior valor registrado até então.
As causas para a alta
A composição desses juros reais leva em conta a taxa Selic, a previsão de inflação para o período investido, considerando o vencimento, e também um “prêmio de risco”, um valor adicional pago para atrair investidores e compensar percepções de risco de não pagamento dos rendimentos.
Em geral, as altas envolvem uma variação em um desses componentes, ou em todos. Em 2016, por exemplo, o cenário de crise econômica, descontrole de gastos e incertezas políticas com um processo de impeachment fizeram os juros reais atingirem mais de 7%.
Em 2018, os juros rondaram a faixa dos 6%, mas sem atingi-la, devido às eleições presidenciais. Já em 2020, os primeiros meses da pandemia quase fizeram os juros reais atingirem os 6%.
A diferença para 2022, na visão de Damont Carvalho, gestor de fundo macro da Claritas, é uma combinação de fatores. “A taxa reflete a expectativa de reformas estruturantes no país, credibilidade do Banco Central, credibilidade das âncoras fiscais e inflação corrente”, afirma.
Ele lembra que o estabelecimento do teto de gastos como âncora fiscal ajudou a reduzir a visão dos investidores de um descontrole de gastos e passou a imagem de que o Brasil seria um bom pagador a longo prazo, reduzindo riscos e permitindo que os juros caíssem.
Já em 2018 e 2019, Maurício Valadares, gestor de renda fixa da Af Invest, atribui as quedas a um “otimismo com o ministro Paulo Guedes e a expectativa de reformas estruturantes, como a da Previdência que foi feita”.
Somado a esse ambiente, a Selic entrou em um ciclo de queda a partir de 2019 e atingiu baixas históricas, como a de 2% em 2020 e 2021.
A partir de 2021, porém, o cenário começou a mudar, devido especialmente ao quadro inflacionário no Brasil e no mundo e a consequente alta de juros. Desde 2021, a Selic saltou de 2% para mais de 13%, e os gastos públicos também aumentaram.
“Por ser um país em desenvolvimento e que passou por crises fortes nos últimos anos, além de ter uma relação de dívida/PIB alta, os investidores demandam um pouco de prêmio, para o Brasil conseguir esse dinheiro emprestado, e isso reflete nos juros serem maiores”, diz.
Valadares destaca que, a partir de junho deste ano, a questão fiscal no Brasil se tornou o fator mais importante para explicar a alta nos juros reais.
“Quanto mais piora essa retórica de dívida, mais aumenta a taxa real. Quando surgiu a PEC dos Benefícios, essa taxa aumentou, porque o mercado entendeu que a credibilidade das regras fiscais caiu muito”, disse.
Carvalho avalia que o temor no mercado é que os benefícios atrelados à PEC serão mantidos seja qual for o vencedor da eleição, representando um aumento definitivo de gastos e aumentando a dívida, e portanto o chamado risco-país.
Segundo Valadares, “quando o mercado questiona a sustentabilidade da dinâmica de dívida, pede mais prêmio de risco, então a taxa da NTN-B aumenta e a de câmbio deprecia”.
Há, ainda, o quadro global. A alta de juros ao redor do mundo e as chances maiores de uma recessão generalizada exigem juros maiores para atrair investidores que, do contrário, tendem a migrar para mercados mais seguros, caso dos Estados Unidos, cujos rendimentos em títulos podem ser menores, mas estão em alta acompanhando os juros e são mais seguros.
A combinação da deterioração do quadro fiscal, trazendo mais riscos, de uma Selic alta, de um quadro global incerto e de expectativas mais pessimistas quanto à inflação nos próximos anos acabou criando as condições para os juros voltarem aos níveis de 2016.
O economista considera que “passar dos 6% é ruim para o país, uma sinalização fraca, de mais debilidade, e dá mais risco ao cenário”.
É hora de investir?
Para Carvalho, é difícil dizer até onde os juros reais dos títulos NTN-B devem ir, ou se eles podem cair.
“Saber isso demanda um cenário mais claro das propostas econômicas dos candidatos na eleição, agenda em relação a reformas e, mais importante, qual será a nova âncora fiscal, dado que hoje há a defesa de que o teto de gastos tem que cair, mas precisamos de uma âncora”, diz.
Já Valadares afirma que a tendência dos juros depende do governo “fazer o dever de casa das contas públicas”, mas que, nas últimas semanas, ele deu “passos para trás” nesse quesito.
Por isso, ele acredita que o momento representa uma boa oportunidade para investir nas NTN-B já que os juros podem subir ainda mais com o período eleitoral, mas “não para investir um percentual muito alto do patrimônio”.
“O investidor tem remuneração melhor, mas há riscos. O Brasil está bem longe de dar calote, mas a probabilidade aumentou nos últimos 3 meses”, ressalta.
Carvalho afirma que, em termos de risco, os títulos do Tesouro são um dos tipos de investimento menos arriscados, e hoje a renda fixa está “muito atraente” devido à taxa Selic alta.
O investimento em títulos de vencimento de médio e longo prazo, avalia, envolve “acreditar na solvência e credibilidade do país, demanda acreditar em âncoras fiscais, que o Brasil continuará sendo um bom pagador”.
Além dessa confiança, qualquer investimento demanda entender também o próprio perfil do investidor, o quão disposto ele está a tolerar riscos e volatilidade e o que pretende fazer com a quantia investida.
Dentre os riscos ligados às NTN-B, Valadares cita a questão fiscal e a política monetária, que podem afetar os rendimentos e manter uma alta volatilidade nos juros reais.
Para ele, existem títulos mais seguros e menos voláteis para investidores mais receosos, como os atrelados à Selic – LTFs e LTNs – ou os CDBs. Entretanto, “se tem mais aceitação a risco e quer se proteger mais de inflação, agora é uma boa oportunidade”.