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    Por que investidores, CEOs e ex-ministros cobram resposta ambiental do governo?

    Em três semanas, governo recebeu três cartas de representantes econômicos alertando para a necessidade de maior controle ambiental e de políticas sustentáveis

    Vista aérea de zona com atividade agrícola em Alta Floresta, no Pará
    Vista aérea de zona com atividade agrícola em Alta Floresta, no Pará Foto: Nacho Doce/Reuters (20.abr.2013)

    Juliana Elias,

    do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A política ambiental tem sido um ponto especialmente polêmico do governo Jair Bolsonaro, iniciado em janeiro de 2019. Dados de aumento expressivo do desmatamento e imagens de queimadas na Amazônia, em meio a políticas de afrouxamento das regulamentações e da fiscalização, rodaram o mundo e despertaram críticas dentro e fora do país. 

    As preocupações foram, aos poucos, batendo na porta da economia, e as respostas pareceram ter se organizado e vindo todas de uma vez. Em um espaço de pouco mais de três semanas desde junho, três grande cartas abertas foram apresentadas ao governo manifestando a preocupação com os ruídos na imagem ambiental do país.

    Cada uma delas veio de uma frente diferente e relevante do planejamento econômico: a primeira foi do mercado financeiro, a segunda de grandes empresários e a terceira de realizadores de políticas públicas.

    Os movimentos não estão ligados entre si – eles não se conversaram diretamente para elaborar seus pleitos ou fazer as divulgações. Mas o fato de todos terem vindo a púbico praticamente ao mesmo tempo não é uma total coincidência. 

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    No entendimento de organizadores com quem o CNN Business conversou, as manifestações fazem parte de uma discussão pelo equilíbrio econômico, social e ambiental que foi acelerada no mundo com a pandemia de coronavírus.

    Foi nos últimos meses, por exemplo, que a Comissão Europeia desenhou as diretrizes do que chamou de “Green Deal”, ou a versão verde do “New Deal”, o plano de investimentos que salvou os Estados Unidos da grande recessão de 1929. 

    No Brasil, os documentos organizam ideias dispersas que já vinham aparecendo desde o ano passado, 
    como outras cartas publicadas por associações empresariais ou as repreensões vindas de países europeus em meio às tratativas para um acordo comercial entre o bloco e o Mercosul.

    “É uma ideia que está no mundo inteiro, não só aqui”, disse, ao CNN Business, Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-ministro do Meio Ambiente. “No debate pós-pandemia, seja na Europa, Estados Unidos, China, o grande tema é esse: não voltar apenas à economia tradicional do passado, o ‘business as usual’, mas aproveitar a oportunidade para inovar com uma economia sustentável.”

    Ricupero integra o grupo de 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central que apresentou na manhã desta terça-feira (14) uma carta aberta sugerindo um plano de recuperação pós-pandemia para o país baseada em uma economia sustentável e de baixo carbono.

    Os signatários vêm dos governos de José Sarney, Itamar Franco, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer – ou seja, todos os anteriores desde a democratização de 1985. A iniciativa tem o apoio do Instituto Clima e Sociedade e do instituto O Mundo Que Queremos

    Investidores estrangeiros e CEOs

    A primeira grande manifestação tinha vindo em 22 de junho, quando um grupo de fundos de investimentos internacionais apresentou uma carta pública a autoridades brasileiras questionando a desregulamentação ambiental e o aumento do desmatamento no país, e pedindo um posicionamento do governo brasileiro como garantia para a continuidade de seus investimentos. 

    No total, 34 instituições financeiras sediadas na Europa e no Japão assinaram a carta. Juntas, elas administram US$ 4,6 trilhões espalhados em aplicações por todo o mundo, ou próximo de R$ 24 trilhões. É o equivalente a três vezes o PIB do Brasil (R$ 7,3 trilhões em 2019).

    Em 7 de julho, foi a vez de vir a público outra carta, assinada pelos executivos de 37 grandes empresas e mais quatro entidades setoriais, direcionada ao Conselho Nacional da Amazônia Legal, órgão do governo hoje presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Os CEOs de empresas como Alcoa, Eletrobras, Klabin, Natura, Santander e Vale são alguns dos que assinam o documento.

    O texto reforça o comprometimento das signatárias com a responsabilidade ambiental em seus negócios e pede, entre outras coisas, combate ao desmatamento, inserção das comunidades locais das políticas públicas e pacotes de incentivo à recuperação econômica pós-Covid19 que respeitam soluções de baixo carbono.

    “Fica mais claro que não é um viés de ONGs, que não se trata de uma agenda de governo, mas de Estado”, disse Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), entidade que também assinou a carta junto aos empresários e que reúne boa parte das companhias da lista.

    “Todos esses movimentos tem um viés financeiro muito importante. Eles mostram que existe uma questão ambiental importante, que a imagem do Brasil está sendo arranhada e também a imagem dos negócios do Brasil”, completou. 

    “Como instituições financeiras, nós vemos o desmatamento e seus impactos para a biodiversidade e as mudanças climáticas com um risco sistêmico, o que traz um risco negativo para os retornos de longo prazo”, explicou, por e-mail, Jan Erik Saugestad, presidente da gestora de fundos norueguesa Storebrand, que está coordenando os diálogos entre o grupo de fundos estrangeiros e o governo brasileiro. 

    Entre as preocupações citadas pelo grupo em relação ao país estão o aumento do desmatamento, as imagens que mostraram o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sugerindo “passar a boiada” da desregulamentação do setor e propostas do governo como a que permite mineração em terras indígenas (PL 191/2020) ou a medida que flexibilizava a ocupação de florestas públicas (MP 910).

    “Nós queremos continuar investindo no Brasil e nas boas companhias brasileiras”, disse Saugestad, “mas, mais cedo ou mais tarde, isso será muito arriscado caso não enxerguemos mudanças e ambições claras no sentido de combater o desmatamento.”

    Reação do governo e expectativas positivas

    O governo passou a se mexer rápido depois da publicidade das mensagens. O general Mourão e ministros tiveram uma série de três reuniões em dois dias, na quinta (9) e na sexta-feira (10) passadas, com os empresários e investidores estrangeiros autores das cartas.

    Para os participantes, mesmo que ainda vagas e iniciais, as ideias apresentadas mostraram um comprometimento positivo do governo.

    Entre as propostas apontadas por Mourão, está a criação de metas semestrais para redução do desmatamento, uso maior das Forças Armadas na fiscalização da região neste ano e maior restrição à parte regulamentada das queimadas que já era permitida

    “O setor empresarial foi lá de maneira construtiva, para falar sobre os seus negócios e sobre a importância de uma agenda ambiental, e o presidente do Conselho da Amazônia [Mourão] deu o sinal de que entendeu a mensagem e quer fazer algo a respeito, também de forma construtiva”, disse Marina Grossi, do CEBDS. 

    “Marca um começo”, disse Saugestad, do fundo norueguês. “Gostamos da resposta inicial e do diálogo com os representantes brasileiros e contamos com sua continuidade e seus resultados.”

    Procurados, o Conselho da Amazônia e a Vice-Presidência da República, que responde pelo grupo, não retornaram até o fechamento desta reportagem. 

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