Inflação alta com desaceleração econômica deixa BC em encruzilhada com juros
Banco Central decidiu por manter a taxa Selic em 2% ao ano, mas deu indicações de que pode voltar a subi-la em algum momento
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu mais uma vez por manter a taxa Selic, juros básicos da economia, em 2% ao ano, o que significa que o colegiado optou por manter o superestímulo à economia que esses juros representam, mesmo com a inflação avançando rápido nos último meses. Trata-se da taxa de juros mais baixa da história e que, quando descontada a inflação, já está negativa há meses.
Em seu comunicado, porém, o Copom derrubou o chamado “forward guidance”, ou prescrição futura, um guia adicional para as decisões que pode ser usado em situações atípicas pelos bancos centrais. O BC vinha se guiando por essa política extraordinária desde agosto.
A prescrição especial dizia que os juros só voltariam a subir caso as expectativas para a inflação futura deixassem de ficar tão baixas. O consenso é que, com esse direcionamento abandonado, fica maior e mais próxima a chance de o Banco Central voltar a elevar a Selic, mesmo que não agora.
O problema é que tanto a situação dos preços, que podem continuar a subir, quanto a realidade da economia, que vive em risco de freio constante enquanto a pandemia de coronavírus rondar o mundo, colocam o BC em uma situação bastante difícil. Para que a inflação não comece a fugir do controle, ele pode ter que subir os juros, mas, para que a economia não tenha um desestímulo adicional, ele teria que mantê-los mais baixos.
Tanto é que, embora houvesse consenso no mercado de que a Selic seria mantida a 2% agora, há muita névoa sobre o que pode acontecer nos próximos meses. Economistas consultados pelo CNN Brasil Business se dividem entre achar que o BC deve voltar a subir a Selic no fim do ano, que deve mantê-la nos mesmos 2% o ano todo e que já deveria aumentá-la desde já.
“De um lado há uma base bem desfavorável com pressões de inflação ao consumidor e no atacado. Do outro, uma rodada de revisões para baixo no crescimento deste ano, com a vacinação atrasada e a possibilidade de um primeiro semestre mais fraco do que o esperado”, disse o pesquisador sênior da área de economia aplicada da Fundação Getulio Vargas, Livio Ribeiro.
É uma situação que tem cara, cheiro e gosto de ‘estagflação’, mas é importante lembrar que esse descasamento entre inflação e atividade vem de uma situação completamente peculiar no Brasil e no mundo. É uma tarefa muito difícil para o BC, pois tanto subir quanto não subir os juros têm riscos.
Livio Ribeiro, FGV
Na visão de Ribeiro, o Banco Central deve voltar a elevar a Selic lentamente a partir dos últimos meses deste ano, terminando 2021 com os juros a 2,5% ou um pouco acima disso, a depender de como a economia se desenrole.
Inflação em alta
BC e mercado concordam que o choque de preços nos últimos meses é passageiro e a inflação, ao fim de 2021, tem tudo para terminar mais fraca. As expectativas de mercado (medidas pelo boletim semanal Focus) falam em inflação a 3,4% até dezembro. Nos cálculos do BC apresentados hoje, ela chega a 3,6%. Em ambos os casos é um resultado abaixo da meta de referência (de 3,75% em 2021) e também mais fraca do que a do ano passado, que ficou em 4,5% e foi a mais alta desde 2016.
O problema é que, antes de melhorar, ela ainda vai piorar. O preço dos alimentos continuam subindo de maneira generalizada, e outros itens, como energia elétrica e combustíveis, também estão tendo aumento.
Até metade do ano, os economistas acreditam que a inflação ainda sobe para perto dos 6% em 12 meses, complicando a situação do BC, cuja missão é mante-la na meta de 3,75% por meio principalmente da calibração da taxa de juros, a Selic.
Recuperação econômica fraca
“O Banco Central fez hoje alterações bem agressivas que apontam para uma elevação dos juros”, disse o economista-chefe Ativa Investimentos, Étore Sanchez, mencionando o comunicado do Copom. “Mas ainda achamos que a taxa será mantida em 2% até o ano que vem.”
Para ele, a recuperação da economia neste ano pode acabar mais fraca do que o imaginado pela maioria, o que reduz o consumo, acaba reduzindo também a pressão sobre os preços e pode deixar o caminho aberto para os juros mais baixos por mais tempo.
“Temos uma realidade no Brasil que vai se revelar muito trágica. Os estímulos fiscais [como o auxílio emergencial] vão acabar, o que vai arrefecer a atividade e pode levar a um desemprego elevadíssimo”, disse.
Já para o ex-diretor do BC e estrategista-chefe da WHG, Tony Volpon, os juros a 2%, hoje, já estão mais baixos do que poderiam.
“[A queda da taxa] era algo que as condições do momento apoiavam”, disse Volpon, em entrevista recente ao CNN Business. “Mas, hoje, temos uma retração econômica menor do que a visualizada, devido ao pacote fiscal anunciado em meio à crise, um dos maiores entre os emergentes, além de um impulso forte pelo qual a inflação passou, de maneira inesperada.”