Impasse no Orçamento agrava incerteza fiscal, diz presidente do BC
Negociações estão em andamento entre governo e Congresso para a saída do impasse
Duas coisas tiram hoje o sono do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: a vacinação no Brasil, que vai ditar o ritmo de abertura da economia, e o risco de descontrole das contas públicas. Os dois fatores estão no radar do BC para a definição dos próximos passos da taxa Selic, os juros básicos do Brasil, que depois de cair para o patamar histórico de 2% ao ano subiram para 2,75% para conter o avanço da inflação. Agora é o Orçamento que pode aumentar o risco fiscal e atrapalhar a condução da política de juros. A lei orçamentária foi aprovada pelo Congresso com despesas subestimadas e pode se tornar inexequível.
Negociações estão em andamento entre governo e Congresso para a saída do impasse. “Se o Orçamento passar a percepção de que ele é inexequível, é um fator que vai preocupar o BC”, diz. Na conversa com o Estadão, Campos Neto defende o liberalismo como “solução para o País” e diz que nunca houve um convite para substituir o ministro Paulo Guedes, uma especulação que circula no mercado de tempos em tempos.
O sr. já disse que o descontrole fiscal é o que lhe tira o sono, depois da ampliação das vacinas. O Orçamento federal com “maquiagem” agravou a insônia?
Eu demonstrei preocupação com os dois pontos. A vacinação é o que faz a economia abrir. Para o BC, é relevante ter uma estimativa de abertura da economia para traçar o nosso cenário. O segundo ponto é o fiscal (os gastos públicos). Olhando as curvas de juros do mercado, há um prêmio muito grande relacionado à incerteza fiscal (os investidores cobram mais caro para financiar o governo porque colocam em dúvida a sustentabilidade das contas públicas). Qualquer incerteza em relação ao Orçamento agrava a incerteza fiscal. Entendo que o Orçamento ainda não está fechado e estou acompanhando para ver qual é a informação que vai sair da negociação para usarmos nos nossos cenários.
Por que é importante esse olhar para a política fiscal?
É muito importante que a gente passe uma mensagem de credibilidade em relação a uma convergência fiscal à frente. Tivemos um desvio ocasionado pela pandemia, mas é muito importante mostrar uma consolidação fiscal. Quando olhamos a reação do mercado e dos agentes econômicos às notícias fiscais, é uma preocupação que está no topo da lista, é o que tem sido responsável por fazer o risco do Brasil ser elevado, diferenciando o País do resto dos países. Hoje somos o País mais endividado do mundo emergente.
O Orçamento de 2021 acrescentou um ingrediente a mais nesse risco?
Se o Orçamento passar, a percepção de que ele é inexequível ou precise fazer algum tipo de suplementação de crédito para que atinja os números é um fator que vai preocupar o BC. É um fator que vai alterar o prêmio de risco fiscal que está embutido nas variáveis macroeconômicas e isso atrapalha a condução da política monetária (a calibragem da taxa básica de juros para o controle da inflação).
O BC surpreendeu ao elevar os juros com uma dose mais forte que o esperado, e o dólar não baixou como se esperava. Por quê?
O BC não faz nenhuma política de juros olhando para o câmbio. O que importa é como o movimento do câmbio afeta a inflação. O movimento dos juros foi feito com os cenários que nós tínhamos. Na parte do crescimento tínhamos boas notícias. O resultado do quarto trimestre tinha sido melhor que o esperado. Em janeiro, já tínhamos um número fechado, que é surpreendente levando em consideração que havia efeito menor do auxílio emergencial. Fevereiro, pelos dados preliminares, está parecendo melhor. Já março, abril e uma parte de maio, entendemos que vai ter uma queda da atividade pelo agravamento da pandemia. Na parte inflacionária, o que tentamos comunicar é que tivemos um aumento grande da expectativa de inflação em relação a 2021. Grande parte se dá por fatores temporários, mas entendemos que teve uma contaminação da inflação através das cadeias (produtivas).
Críticos apontam que o BC deixou os juros baixos demais e acabou deixando o dólar e inflação escaparem…
É normal esse tipo de crítica. Vemos sempre opiniões muito distintas. Quando a gente estava lá rodando com previsão de crescimento bem negativa e existia expectativa de inflação de até 1,5%, teve uma crítica muito grande de que o BC deveria ter reduzido muito mais os juros. Agora que há um recrudescimento da inflação, existe uma crítica de que os juros não sobem mais rápido. Nossa missão é sempre conduzir as reuniões com argumentos técnicos e tentar ser o mais transparente possível. Lembrando que o nosso processo de transparência tem aumentado.
Como o BC se viu diante de uma encruzilhada de ter tido de subir os juros num cenário de retração da atividade?
Nossa meta primordial é a inflação. Na nossa linguagem deixamos claro que essa alta não vai influenciar fortemente o crescimento de 2022. O BC controla os juros curtos (a taxa Selic), mas tem um conjunto de outras variáveis que não estão no controle do BC, como a curva longa de juros, o câmbio e outras condições. É importante conduzir a política com credibilidade. É o que maximiza, ao longo do tempo, o processo onde a inflação seja menos volátil, mais estável e baixa.
Em Brasília têm ocorrido muitos ruídos políticos que se misturam com a economia. Isso traz insegurança e pressiona o dólar e a inflação?
É mais difícil mapear os ruídos políticos. Como somos um órgão técnico, o que nós usamos é informação que é passível de ser quantificada no nosso dia a dia e o impacto na política monetária e na visão do futuro. O ruído político faz parte. É difícil comentar, porque não participo dessas decisões. Mas estamos sempre atentos a como isso impacta o prêmio de risco e as expectativas.
O presidente Jair Bolsonaro sempre manifesta preocupação com a alta de preços. Qual é sua relação com o presidente em relação a esse tema tão sensível?
Tenho sempre dito que tenho liberdade total para trabalhar, tem umas conversas onde eu apresento os cenários. Inflação é uma preocupação de qualquer presidente em qualquer lugar do mundo. Ainda mais no mundo emergente, onde a inflação de alimentos corrói muito o poder aquisitivo da população de mais baixa renda. Mas a formulação e apresentação dos cenários é feita sempre com intuito de esclarecer e levar uma visão técnica do BC. É sempre assim que temos atuado.
O sr. tem saído a campo nas conversas com lideranças políticas na defesa de medidas. No dia da votação da PEC emergencial foi a uma reunião na casa do presidente da Câmara, Arthur Lira. Essa postura recebe críticas e também apoio. Como vê os críticos de que há politização no BC?
Quando eu cheguei ao governo, perguntei ao meu antecessor (Ilan Goldfajn) como era o relacionamento com o mundo político. Ele disse: “Olha, nós temos uma agenda, fazemos reuniões periódicas para explicar. Grande parte dela tem de passar no Congresso”. Existe uma relação para explicar os projetos. E continuamos atuando da mesma forma. Faz parte.
O ministro Paulo Guedes diz sempre que o sr. é 100% fiel a ele. Mas toda vez que ele está na fritura, a primeira notícia que aparece é que o sr. é candidato a ficar na vaga dele. Como vê essas especulações?
Gastamos muito tempo falando de pessoas e pouco tempo falando de ideias. Eu prefiro sempre falar de ideias. Têm pessoas que estão mais alinhadas com as minhas ideias. Eu diria que o ministro Paulo Guedes é 100% alinhado com as ideias. Obviamente é impossível achar dois economistas que pensam exatamente igual sobre tudo, mas, de uma forma geral, temos um grande alinhamento de ideias. E todo debate que eu faço, não só com o ministro, mas com todos os outros, é no campo das ideias. Eu acredito nesse movimento, que foi iniciado, que é o dos liberais. A saída para o Brasil é menos pública e mais privada. Tem uma frase de um economista chileno que gosto muito, que é: “O Brasil gastou muitos anos tentando achar soluções públicas para os problemas privados”. Mas precisamos é achar soluções privadas para os problemas públicos.
O sr. não respondeu à pergunta sobre substituir Guedes.
Nunca houve convite. Eu tenho uma agenda no BC a seguir. Tenho uma missão no BC a cumprir.
A política liberal do governo não ficou enfraquecida depois dos episódios de intervenção na Petrobrás, no Banco do Brasil?
Prefiro falar sobre as coisas que estão ao meu alcance. No BC, sempre tivemos total liberdade de atuação. Independência total. Existe entendimento de que é um órgão técnico. Sempre temos debate aberto com a sociedade e com o governo. Acredito que o liberalismo é a solução, porque o Estado brasileiro está intoxicado pelo seu tamanho. Precisamos ganhar eficiência diminuindo o seu tamanho, e não aumentando. Existiram tentativas feitas no passado de ganhar eficiência através de aumento, e não deu certo.
Não há um retrocesso na agenda liberal?
Vejo um grande processo de negociação que acontece em todo sistema político, em toda democracia, onde tem interesses distintos. E onde nós do governo, da equipe econômica, tentamos demonstrar, porque acreditamos que as nossas ideias fazem sentido. Essa é a saída para o País. Agora, eu sou responsável pelo BC. O BC faz política monetária, cambial, faz a parte de crédito. A nossa agenda do BC vai no sentido de uma agenda liberal, que é criar competição bancária, fazer uma agenda de sustentabilidade. A nossa agenda está toda ligada ao pensamento liberal. Ao invés de comentar sobre as outras, eu comento sobre a minha. O que eu posso trazer como contribuição dentro do cargo que ocupo. Ela tem demonstrado ser de competição, de inclusão, de aumento de educação financeira.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.