Governo retira Covid-19 da lista de doenças do trabalho. Saiba os seus direitos
Presença do coronavírus na lista facilitaria concessão de benefícios obrigatórios para o caso de doenças contraída na empresa
Em um espaço de um dia, o Ministério da Saúde incluiu e depois retirou o coronavírus da lista de doenças ocupacionais, a chamada Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT).
A retirada inspira insegurança nos trabalhadores e dá um alívio inicial para as empresas, mas ela não muda os direitos dos empregados que contraiam o vírus no trabalho.
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O que a presença da Covid-19 nesta lista de doenças do trabalho mudaria é a maior facilidade de o funcionário ter esses direitos reconhecidos na Justiça, no caso de uma ação contra a empresa, e, principalmente, pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), na hora de decidir o auxílio-doença a ser pago ao beneficiário que está afastado.
A pessoa tem mais direitos quando o afastamento acontece por doença ou acidente de trabalho, e o fato de a enfermidade estar previamente listada pelo Ministério da Saúde como doença ocupacional aumenta as chances de ser entendida como tal.
Mesmo com a retirada, entretanto, o INSS segue podendo acatar ou não, a cada caso, a infecção por Covid-19 como tendo acontecido no ambiente de trabalho.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que a inclusão do coronavírus nesta lista ainda está sob avaliação e uma nova decisão a respeito pode ser publicada em breve.
“A portaria foi revogada pois a pasta recebeu contribuições técnicas sugerindo ajustes”, disse o ministério, por meio de nota. “Essas sugestões serão analisadas pela pasta e demais órgãos envolvidos antes da republicação do texto.”
O CNN Business conversou com advogados trabalhistas para explicar o que muda – ou deixa de mudar – com a retirada do coronavírus da lista de doenças vinculadas ao trabalho. Veja a seguir algumas perguntas e respostas.
O que é Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho?
A LDRT é um rol de doenças elencadas pelo Ministério da Saúde, entendidas pela autoridade como de forte relação com as condições de determinados ambientes de trabalho.
A lista é usada como referência pelo INSS na concessão dos auxílios pagos aos empregados que ficam afastados do trabalho por licença médica por mais de 15 dias. Caso a doença ou acidente que gerou o afastamento tenha surgido por conta do trabalho, o benefício é diferente e os direitos são maiores.
O tipo de benefício – se por doença comum ou do trabalho – é decidido por meio de perícia do INSS. O fato de a doença fazer parte da lista pré-definida do ministério como relacionada ao trabalho aumenta as chances de o INSS entendê-la assim. A aprovação, entretanto, não se torna automática.
“Uma vez que a doença esteja nessa lista, passa a ser tendência que o INSS a reconheça como doença de trabalho, e aí passa a caber à empresa comprovar que não é o caso”, disse Mariana Bicudo, responsável ela área trabalhista da Franco Advogados.
“A empresa que teria que provar que tomou as medidas necessárias e que não teria como o funcionário ter contraído coronavírus lá dentro.”
Urticária (comum a ambientes frios, como frigoríficos), leucemia (para os que trabalham expostos a substâncias químicas) e lesões como tendinite, comuns à digitação, são algumas das centenas de doenças que estão nessa lista, revista periodicamente pelo Ministério da Saúde.
Quais são os direitos extra de quem é afastado por doença do trabalho?
Todo empregado que, por qualquer doença ou acidente, tenha que se afastar do trabalho por um período superior a 15 dias, tem o contrato com a empresa temporariamente suspenso.
Ele fica sem o salário e os benefícios do emprego a partir desse momento, e entra automaticamente no INSS, que, uma vez comprovada a incapacidade de trabalhar, passa a pagar um benefício previdenciário a ele.
Quando a doença ou acidente que leva ao afastamento é entendido pelo INSS como relacionada ao trabalho, o beneficiário tem direitos extras.
As diferenças principais são que a empresa fica obrigada a continuar depositando o FGTS na conta do trabalhador (o que, nos afastamentos comuns, fica suspenso) e que o funcionário ganha a garantia de estabilidade no emprego por um ano depois de acabar sua licença e retornar ao trabalho.
Eu perco esses direitos agora que a Covid-19 saiu da lista?
Não, os direitos continuam os mesmos. O que muda é que, com a Covid-19 na lista, ficaria maior a propensão de o INSS conceder o auxílio para ela como doença relacionada ao trabalho.
Em qualquer dos casos – com o coronavírus estando ou não na lista de doenças ocupacionais – o empregado pode sempre entrar com uma ação na Justiça para pedir o reconhecimento do vínculo de sua infecção com o trabalho.
Isso pode ser feito para pedir danos morais pelos efeitos da doença, por exemplo, para reinvidicar o direito ao pagamento do FGTS e de estabilidade no emprego em caso de afastamento, e também em caso de falecimento da pessoa – neste caso, as indenizações devidas podem ser cobradas pelos famliares.
A decisão, entretanto, vai depender do entendimento do juiz e pode variar caso a caso.
A empresa pode recorrer da decisão do INSS?
Sim. Uma vez que o INSS entenda que o trabalhador contraiu a doença em ambiente de trabalho e conceda o afastamento especial, a empresa pode contestar a decisão junto ao órgão e tentar reverter a decisão.
Ela pode fazer isso tanto com a infecção estando ou não estando na lista pré-estabelecida de doenças ocupacionais, mas estar na lista é um estímulo às decisões com este viés.
Caso o INSS não acate a reclamação, a empresa também pode recorrer à Justiça para reverter a decisão.
Quem seriam os beneficiados pela inclusão da Covid-19 na lista de doenças do trabalho?
A mudança atingiria trabalhadores com carteira assinada e que fiquem mais de 15 dias afastados do emprego por conta da infecção por coronavírus. É este o período a partir do qual o contrato de trabalho é temporariamente suspenso e os pagamentos do empregado passam para o INSS.
São, em geral, os pacientes que evoluem para quadros mais graves da doença e os que necessitam de internação.
As chances de eles terem a infecção reconhecida como contraída no ambiente de trabalho e, portanto, de terem a estabilidade garantida na volta e seguirem recebendo FGTS durante o tempo afastados seriam maiores.
O que argumentam as empresas?
O temor dos empregadores é de passarem a ser responsabilizados em larga escala por uma doença que está alastrada e é difícil de ser rastreada.
“A inserção da Covid-19 na lista do Ministério da Saúde a torna uma doença presumidamente do trabalho, o que é é antagônico à realidade de uma doença endêmica”, disse o advogado trabalhista Leonardo Jubilut, da Jubilut Advogados.
“E sendo uma pandemia, é óbvio e notório que ela pode ser adquirida em qualquer lugar.”
O que dizem os defensores?
Para os defensores da inclusão do coronavírus na lista de doenças do trabalho, pesa o fato de que sua presença nesta lista não torna o reconhecimento obrigatório, ao mesmo tempo em que dá mais proteção em especial às profissões onde a exposição é alta, como no caso das áreas de saúde.
“A inclusão da Covid-19 na LDRT traria mais segurança ao recebimento do benefício previdenciário devido pelo trabalhador segurado”, disse o advogado especializado em direito do trabalho Ricardo Calcini.
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