Geração Z terá diversas carreiras ao longo da vida e remuneração ‘personalizada’
Pesquisas de consultorias e especialistas em recursos humanos mostram que estilo de vida importa muito mais do que dinheiro para os 'nativos digitais'
Salários “personalizados”, jornadas flexíveis (e mais longas) e uma alta rotatividade no quadro de funcionários. Esse é o cenário que a recém-formada geração Z vai encontrar no mercado de trabalho de agora em diante, de acordo com pesquisas e especialistas consultados pelo CNN Brasil Business.
Num meio corporativo cada vez mais global e digitalizado, profundamente transformado pela pandemia de coronavírus, os “nativos digitais” devem encontrar o que procuram: múltiplas carreira ao longo da vida, remuneração flexível e um sistema de trabalho menos massificado, na medida do possível.
“Já enxergamos profissionais seguindo duas, até três carreiras ao longo da vida, inclusive de forma paralela. Eu vejo até pessoas procurando trabalhos em que a remuneração é secundária. A geração Z é muito preocupada com o propósito”, conta Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
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Não é exatamente uma escolha. Com economias cada vez mais defasadas pela crise, e diante da competitividade agressiva do mercado, esses jovens devem demorar a encontrar estabilidade no emprego ou mesmo um salário satisfatório. Para se sustentar, será preciso desenvolver a adaptabilidade.
A tendência já foi apontada no livro “The 100-Year Life”, de Andrew Scott e Lynda Gratton. Na obra, os dois professores da universidade britânica London Business School preveem que os trabalhadores pós-modernos devem ter de quatro a seis carreiras ao longo da vida. Mas não qualquer carreira, se depender desses recém-formados.
Um estudo recente da Universidade Estadual de Maringá (UEM) no Paraná, mostrou que a maioria dos alunos entrevistados tem o “estilo de vida” como o fator mais importante para planejar a vida profissional. A pesquisa parte dos princípios propostos por Edgar Schein, pai da teoria das “Âncoras de Carreira”.
“O teste aplicado é bem longo, com várias perguntas, e já esperávamos a maioria dos resultados que foram alcançados”, diz Amanda Mesquita, que realizou a pesquisa ao lado da colega Lilian de Oliveira e da professora orientadora Glaucia de Souza Munhoz.
Ela explica, inclusive como membro da geração Z, que fatores como saúde mental e mais tempo de lazer vão prevalecer ao dinheiro no momento da escolha profissional destes jovens. Esse fator pode, inclusive, fazer com que as empresas enfrentem um problema de atração de talentos — já que muitos deles vão querer “mudar o mundo” com as próprias mãos.
Mudar o mundo
“Surge o seguinte conflito: quando falamos em geração Z, o profissional não está preocupado em fazer parte de uma grande empresa. Talvez ele prefira começar seu próprio projeto, se tiver as condições para isso”, diz o presidente da ABRH.
Essa tendência também foi constatada por uma pesquisa da Adecco, com jovens entre 16 e 24 anos. “O que nos mostra o levantamento é que as pessoas que estão se formando vem com uma expectativa de carreira completamente diferente das anteriores. A geração Z quer que tudo aconteça de forma muito rápida e isso já está gerando impacto no mercado”, diz o CEO da consultoria de RH, André Vicente.
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Um dado que demonstra isso são os 27% de jovens profissionais que afirmaram não estar buscando uma vaga de trabalho neste momento. O executivo explica que essa massa se divide em três grupos, essencialmente: os querem empreender, os que seguem no meio acadêmico e outros que nem sequer precisaram procurar emprego, porque foram selecionados precocemente para programas de trainee e estágio.
Mas a primeira fatia deve marcar a entrada dessa geração no mercado. “Grande parte das startups que surgiram nos últimos anos foram criadas pela geração Z. São pessoas que não se identificam no mercado e procuram eles mesmos ‘fazer acontecer’. E tudo fortemente relacionado à tecnologia”, conta Vicente.
Como exemplos, ele cita empresas como Uber, Rappi e iFood, que usam plataformas e meios digitais para “solucionar problemas” da velha economia. “A esmagadora maioria tem foco no consumidor e está vinculada ao meio tecnológico”, diz o CEO.
Salário sob medida
Mas, para quem ainda precisa ou prefere buscar a segurança de um trabalho com carteira assinada, a remuneração deve mudar bastante. Um salário base achatado, com recompensas variáveis como a Participação de Lucros e Resultados (PLR), além de uma prateleira de benefícios à escolha devem ser cada vez mais comuns.
A ideia é que o pagamento de cada funcionário fique o mais “personalizado” possível. “Vai ser um pouco mais intangível essa remuneração. Muito do ‘pagamento’ será em forma de satisfação, qualidade de vida, crescimento em aspectos emocionais, sociais e afetivos. A última geração percebeu que essa ambição de ganhar muito dinheiro para consumo é um pouco frustrante”, diz Sardinha, da ABRH.
Um dos métodos já aplicados por empresas brasileiras é a “prateleira de benefícios”, em que o funcionário pode distribuir um determinado valor entre os tickets que mais lhe favorecem: creche para quem tem filhos, plano odontológico para quem precisa, terapia para quem valoriza saúde mental, e assim por diante.
Outras transformações pelas quais o mercado de trabalho vem passando, aceleradas pela pandemia, também devem permanecer.
“A geração Z valoriza muito e coloca no centro da discussão possibilidades como horários flexíveis, sistema de home office, alinhamento com o propósito da empresa. Tudo isso tem um peso muito grande na decisão do jovem, é algo super importante”, diz o CEO da Adecco.
Alta rotatividade
Entre as preocupações das empresas com relação ao quadro de funcionários, a atração e retenção de talentos têm ganhado cada vez mais atenção. Especialmente em setores como o de tecnologia, nos quais os profissionais de destaque são constantemente assediados com propostas atrativas.
Mas é preciso entender que isso será cada vez mais comum. E aceitar o fato de que os funcionários da geração Z não vieram para ficar. É o que explica o presidente da ABRH.
“Eu combato o conceito de retenção de talentos e engajamento. É um discurso defasado. As empresas precisam perceber que essa mobilidade vai fazer parte do processo e que talento nenhum quer ser retido. A questão é: como eu faço para extrair o melhor dos profissionais que eu tenho enquanto eles estiverem aqui?”, diz Sardinha.
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Uma das principais causas pelas quais as empresas se preocupam em manter os profissionais na casa é o custo financeiro e de aproveitamento em recomeçar um processo seletivo. Ultimamente, no entanto, o uso de inteligência artificial tem tornado esse processo mais ágil e menos oneroso, lembra o presidente da ABRH.
“Não tem como lutar contra. O prejuízo maior não é ter que contratar alguém novo. É ter um profissional dentro da empresa que não rende o que poderia porque os gestores ou a companhia não sabe extrair o melhor dele.”
Para o CEO da Adecco, uma forma de tentar controlar essa alta rotatividade é se certificar que o profissional está alinhado com os propósitos e valores da empresa, já que isso vai importar muito mais para a geração Z.
“O jovem não quer ir pra uma empresa de alimentação que não se preocupa com o meio ambiente ou uma empresa de RH que não tem uma visão humanizada do trabalho”, diz Vicente.
Outro ponto fundamental, na opinião do executivo, é demonstrar que é possível crescer dentro da companhia. “A geração Z entra no mercado de trabalho com muitas inseguranças. Dar a oportunidade de pluralidade e diversidade do ponto de vista de caminhos de carreira é super importante.”
Geração de temporários
As próprias empresas têm contribuído para esse cenário de alta rotatividade dos profissionais. De acordo com um levantamento da Robert Half com 300 líderes de grandes empresas, 41% disseram que vão aumentar o quadro de funcionários temporários, durante os próximos meses.
“Hoje, as empresas querem ter cada vez menos custo fixo. Elas querem tornar os gastos flexíveis, como se faz há anos na Europa. Entre as companhias europeias, cerca de 20% a 30% do quadro de funcionários é formado por trabalhadores temporários. Aqui no Brasil ainda estamos em torno de 5%”, diz André Vicente, CEO da Adecco.
Uma das razões para isso, explica o executivo, é a falta de atualização na legislação brasileira. Apesar da recente reforma trabalhista, a lei só prevê duas justificativas para contratos temporários: férias ou afastamento de algum profissional ou um volume excepcional de trabalho (por conta de um novo projeto ou época do ano).
O modelo tem sido bem aceito pela geração Z, talvez por falta de escolha. “Os candidatos mais novos têm um interesse maior em experiências, porque isso tem um grau de importância muito alto nas primeiras fases da carreira”, diz Vicente, da Adecco.
“Profissionais das gerações mais antigas dividem o mundo entre ‘empregados e desempregados’. Não era uma opção genuína ser um contratado temporário, um freelancer. Nessa nova geração, não, isso é aceito”, comenta o presidente da ABRH.