Especialistas apontam risco de recessão técnica em resultado do PIB do 3º tri
Mercado projeta resultado negativo, mas, ainda que seja positivo, a variação seria pequena, o que leva a um cenário também de estagflação
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil referente ao terceiro trimestre será divulgado na quinta-feira (2), e a expectativa do mercado é que o país entre na chamada “recessão técnica”.
O termo se refere à situação em que o PIB — a soma de todas as riquezas produzidas no país — de dois trimestres seguidos é negativo. O PIB do primeiro trimestre de 2021 cresceu 1,2%, mas o do segundo recuou 0,1%. Com isso, um resultado negativo englobando julho, agosto e setembro colocaria o Brasil nesse cenário.
Para os especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, mesmo que o resultado do PIB seja positivo, a variação seria pequena, o que mostraria, na verdade, um cenário de estagnação da economia.
A ausência de crescimento econômico em um cenário de inflação alta — o avanço acumulado em 12 meses até outubro é de 10,67% — caracteriza a chamada estagflação.
A perspectiva atual é de que o resultado desta semana vai corroborar para esse fenômeno, menos grave que quadros recessivos como o da década de 1990 ou de 2016, mas ainda negativo pensando na recuperação da economia pós-pandemia.
O caminho do PIB
A expectativa do mercado é que o PIB do terceiro trimestre seja negativo, algo corroborado pelo resultado do IBC-Br, considerado uma prévia do indicador. O valor exato da queda, porém, ainda não é consensual.
Claudio Considera, pesquisador associado do Ibre-FGV, afirma que espera uma queda de 0,1% do PIB na comparação com o trimestre anterior. “A economia perdeu fôlego no período recente, em especial o setor de serviços, que tinha um desempenho de melhora e começou a falhar precocemente”.
Já Sérgio Valle, sócio da MB Associados, aposta em um recuo de 0,3%. “É uma ideia de estagnação porque a queda do PIB seria pequena se ocorrer, em torno de zero. É mais estagnação do que recessão”.
Há aqueles, ainda, que apostam em um resultado positivo, mesmo que pequeno. É o caso de Yihao Lin, economista da Genial Investimentos, que espera uma alta de 0,1%.
Em todos os casos, porém, há a visão de que a economia brasileira dá sinais de desaceleração, e até de estagnação. Vale considera que o cenário é diferente dos momentos de recessão, com quedas mais expressivas do PIB, mas que há uma “falta de estímulo de crescimento” que deve perdurar também no quarto trimestre.
Considera diz que o resultado fraco do PIB, seja ele positivo ou negativo, está associado principalmente a uma perda do poder de consumo da população. Essa perda, por sua vez, é consequência da alta da inflação, acompanhada de uma queda da renda das famílias no período.
A aceleração da inflação está ligada a uma série de fatores, entre eles a desvalorização cambial, a alta dos combustíveis, os custos de energia mais elevados e uma certa demanda maior com a reabertura da economia.
O agronegócio demandará atenção na quinta-feira, segundo Vale, devido aos potenciais impactos negativos da seca registrada no período. O setor mais afetado, porém, é o de serviços, que corresponde a cerca de 73% do PIB.
O setor recuou em setembro, mas Lin afirma que ainda houve um certo avanço nos meses anteriores, o que sustenta as chances de o PIB trimestral ser levemente positivo.
Para Considera, “é importante olhar o consumo das famílias pensando em serviços porque hoje os impulsos na economia são pelo consumo. Os investimentos não estão conseguindo alavancar a economia”.
Vale afirma que o afastamento de investimentos, ou o represamento dele, liga-se às instabilidades políticas e fiscais atuais. “O governo gerou uma incerteza ante gastos públicos, a taxa de câmbio subindo mais e você mistura isso com incerteza da eleição. O investimento fica travado”. O quadro não tem, para Vale, uma perspectiva de solução.
Considera afirma que o cenário para o quarto trimestre para 2022 ainda é negativo, pois há a perspectiva da continuidade da instabilidade política, e consequentemente fiscal, assim como a maior parte dos efeitos das altas recentes na taxa básica de juros, a taxa Selic, pelo Banco Central.
“O Banco Central enfrenta um dilema: ter que aumentar a taxa devido à inflação, mas aí derrubar ainda mais a economia”, diz.
Desempenho do Brasil
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a afirmar em um evento em novembro que o Brasil teve um crescimento econômico “acima da média” global, mas, segundo Vale, no ano passado, o país caiu mais que a média mundial
“Foi cerca de 4% ante 3% de média. Esse ano o mundo deve crescer 6% e o Brasil uns 4%. O mundo vai crescer uns 5% ano que vem e o Brasil menos de 1%. São três anos com resultado pior, o que mostra a dificuldade da pandemia e de ter uma retomada mais consciente”, diz Vale.
Considera também afirma que “o desempenho do Brasil está pior que no resto do mundo”, algo ligado a fatores políticos, fiscais e pela demora na vacinação.
Segundo o economista da Genial Investimentos, um aspecto positivo é a evolução do mercado de trabalho, com um certo nível de recuperação do emprego, em especial no setor de serviços, o que mostra que o Brasil não estaria exatamente em um quadro de recessão.
“Com o setor de serviços impulsionando o crescimento nos próximos meses com a reabertura e um retorno ao patamar pré-pandemia, não vejo um cenário recessivo, mas sim de desaceleração”, diz.
Mas, para Considera, o cenário de estagflação no Brasil é claro. “São 15 milhões de desempregados, inflação de dois dígitos e um PIB capengando. Já viemos de resultados de PIB ruins, e com a pandemia piorou”.
“O que é preocupante é que em 2020 houve uma recessão forte. A estagnação agora talvez perdure para 2022, então, a pandemia tem essa estagnação que pode durar três anos, porque a pandemia ainda estará presente, vide a variante Ômicron, que deve trazer turbulências mundo afora, disrupções nos países desenvolvidos”, diz Vale.
Dependendo do referencial, porém, o Brasil pode estar não apenas em uma estagflação, mas ainda em uma recessão. “A recessão foi datada no primeiro trimestre de 2020 pelo Codace [Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV] e ele não datou a saída até agora”, afirma Considera.
“Quando olha a questão da recessão, você considera emprego, inflação, uma série de coisas, e até agora não se falou de saída de recessão, não importa ter dois números negativos trimestrais seguidos agora ou não, porque a economia está estagnada”.