Saiba como uma “guerra quente” entre Rússia e Ucrânia pode afetar a economia
Para o Brasil, chegada às vias de fato de um conflito no leste europeu, abala atual "período de bonança" no mercado financeiro, favorecido pela migração dos investidores para commodities e juros altos
Quedas expressivas nas bolsas de valores, altas generalizadas do dólar e escassez de produtos que já estão na berlinda, como petróleo e grãos, são alguns dos efeitos relacionados por analistas consultados pelo CNN Brasil Business no cenário de guerra entre Rússia e Ucrânia.
A escalada nos últimos dias do conflito já vinham redesenhando as expectativas da comunidade internacional, e a leitura de que as ameaças do presidente russo, Vladimir Putin, de um ataque militar à Ucrânia poderiam evoluir para uma guerra se concretizou.
Os países entraram em choque nas primeiras horas da madrugada desta quinta-feira (24), após semanas de tensão. Uma operação militar nas regiões separatistas do leste ucraniano, explosões e sirenes foram ouvidas em várias cidades do país.
A rápida escalada das tensões já refletiram no mercado financeiro, com bolsas de valores despencando em diferentes países, aprofundando as quedas da véspera. Em Moscou, a bolsa suspendeu as negociações em todos os seus mercados nesta manhã por tempo indeterminado.
No mundo econômico, a simples tensão entre Rússia, Estados Unidos e potências europeias, uma troca de ameaças, embargos e tentativas de negociações que já se arrastam há meses, já foi o suficiente para fazer os primeiros estragos.
O preço do petróleo, do gás e de alimentos como trigo e milho, produtos dos quais Rússia e Ucrânia são fornecedores estratégicos, já estão em alta nos mercados internacionais, pressionando ainda mais os custos para o mundo inteiro.
As principais bolsas do mundo também estão sofrendo. Em Nova York, o S&P 500 cai 11% desde o começo do ano e a Nasdaq, de tecnologia, despenca 17%. O índice de referência das bolsas europeias Stoxx 600 retraiu 7% até aqui.
A chegada às vias de fato de um conflito militar, ainda mais na saída de uma pandemia que abateu o planeta, pode piorar este cenário.
Guerra fria
Segundo o economista-chefe da Órama, Alexandre Espirito Santo, até ontem, o mercado não havia “comprado de fato” uma ‘guerra quente’. Mas, com a guerra, “o nível de estresse será completamente outro.”
O chefe da área de research da Ativa Investimentos, Pedro Serra, atribui à tensão no leste europeu uma primeira leva de fuga das bolsas de valores em direção a ativos de menos risco e também a pressão sobre os preços do petróleo e dos grãos nas negociações internacionais.
“Já havia uma aversão ao risco acontecendo, com os investidores buscando um porto seguro, e também uma transferência dos receios para os mercados de commodities”, diz Serra.
A tendência é que esse movimento se acentue agora, apesar de ainda ser cedo para avaliar como a situação será encaminhada nos próximos dias pelos países envolvidos no conflito, na avaliação do economista-chefe do Modalmais, Álvaro Bandeira.
“Ainda tem muito desdobramento para acontecer, mas, por ora, é petróleo em alta, commodities em alta, fuga para porto seguro, que é o dólar, e mercados com desequilíbrio de curto prazo”, diz.
“O mercado é movido a expectativa, ele não espera acontecer e já antecipou muita coisa. Mas o pior cenário, de uma guerra entre países, não tem limite. Os impactos podem ser muito piores”, acrescenta Serra.
Para o Brasil, por exemplo, um conflito militar de fato dificulta a manutenção do atual clima de bonança. Na contramão do mundo, a bolsa brasileira está em rota de valorização e o dólar registra o menor valor em meses, sustentado por um forte fluxo de investimento estrangeiro, que resolveu aproveitar as fortes desvalorizações do ano passado.
“A bolsa pode voltar a cair e o dólar a subir”, diz Serra. “Nossa bolsa é formada em grande parte por empresas de commodities, que se beneficiam em um cenário de alta dos preços, mas não devem segurar o Ibovespa sozinhas se houver uma fuga massiva de capital.”
Mais inflação, mais juros e menos crescimento
Por trás da piora nas bolsas, está o vislumbre do estrago que uma guerra na região poderia fazer na economia global.
“As pressões sobre os [preços dos] combustíveis afetam o mundo inteiro. Piora ainda mais uma inflação que já está muito elevada”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. “Se tem mais inflação, será necessário subir mais os juros, e juros mais altos dificultam o crescimento lá na frente.”