Em uma década, bolsa perdeu para poupança e inflação e foi o pior investimento
De 2011 a 2020, Ibovespa subiu 71,7%, e inflação, 74%. Ouro foi o campeão da década, com valorização de 285%
Na década em que o Brasil viveu duas das piores recessões de sua história e que os juros chegaram a mais de 14%, a bolsa de valores teve poucas chances de sucesso em relação a seus pares, mesmo com recuperações fortes que ensaiou nos últimos anos. Foi ela o investimento menos rentável da década compreendida entre 2011 e 2020, de acordo com dados levantados pela consultoria Economatica.
Com alta total acumulada de 71,7%, o Ibovespa, índice de referência da bolsa brasileira, perdeu até para a poupança, a penúltima colocada da lista, com aumento de 80,2% no período. O rendimento médio das ações foi insuficiente, inclusive, para bater a inflação, que também foi alta durante a maior parte desses anos: o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrou a década com avanço acumulado de 74%.
O CDI, principal indexador da renda fixa, rendeu o dobro da bolsa: sua alta foi de 138%, o suficiente para mais que dobrar o valor investido. O CDI é uma taxa do sistema bancário que anda colada à Selic, os juros básico do país.
Hoje, tanto Selic quanto CDI estão em suas mínimas históricas, remunerando apenas 2% ao ano e também perdendo continuamente para a inflação. Em 2015 e 2016, porém, tinham subido tanto que chegaram a pagar mais de 14%.
Década das incertezas
Na ponta oposta, a melhor aplicação desses 10 anos foi o ouro, que subiu 285,4%, ou seja, seu valor quase quadruplicou. Quem tivesse, por exemplo, aplicado R$ 10.000 em ouro em 1º de janeiro de 2011 chegaria a 31 de dezembro de 2020 com R$ 38.537 na conta. No caso da bolsa, o mesmo dinheiro teria alcançado R$ 17.399.
O ouro é um tradicional investimento de proteção, muito mais lembrado em períodos de enorme incerteza, como em guerras, e tinha passado décadas em segundo plano.
De meados dos anos 2010 para frente, porém, voltou com força para os holofotes e engatou altas fenomenais conforme crescia a insegurança em relação à estabilidade econômica e política global. A pandemia apenas acentuou essa corrida por portos seguros e, só em 2020, a alta do metal foi de 55%.
O mesmo raciocínio explica os dois melhores investimentos que aparecem na sequência para a década: o dólar, com alta de 211,9%, e o euro, que subiu 186,3% ante o real. São moedas seguras para as quais os grandes investidores correm de volta em tempos de incerteza, enquanto deixam ativos mais arriscados, como ações e moedas de países emergentes, para depois.
Recessões seguidas no mundo após a crise financeira de 2008 e 2009, crescimento lento com juros negativos nas economias mais ricas do mundo e, ao fim, uma epidemia de proporções globais que paralisou o planeta em 2020, são alguns do episódios que marcaram a década.
No Brasil, o período assistiu à profunda recessão de 2015 e 2016, quando o PIB caiu cerca de 7% em dois anos, além de uma alta turbulência política tanto antes quanto depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Como resultado, o Ibovespa passou metade da década em uma espiral de quedas. Do começo de 2011 até janeiro de 2016, seu pior momento, a perda foi de 41%. Nos quatro anos dali para frente, por outro lado, engatou um novo ciclo de crescimento e subiu 194% até o fim de 2020, mesmo tendo passado pelo choque da pandemia no meio.
Bolsa não vale a pena?
O retrato desolador para as ações nos anos de 2010 significa que deixar o dinheiro nelas não compensa o risco que trazem? Não exatamente. Na opinião de analistas, inclusive, as chances de que nos anos 20 ocorra o contrário – a bolsa, finalmente, ganhar da renda fixa – são bem grandes.
“Sabemos que os juros não vão ficar nesses 2% para sempre, mas sabemos também que não devem voltar mais para o patamar de 8%, 9% ou mesmo de dois dígitos que tinham antes”, disse o economista Carlos Heitor Campani, professor de finanças do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ).
“O Brasil tem um potencial de crescimento e um consumo reprimido enormes, e, depois de uma década turbulenta, o mercado está otimista. Em investimentos, o que aconteceu no passado não é base para dizer o que pode acontecer no futuro.”