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    Crise energética deve aliviar em 2022, mas espaço para queda em contas é pequeno

    Dependência de chuvas persiste, e gastos em 2021 ainda devem refletir nas tarifas de luz

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    O Brasil passou em 2021 pela pior crise hídrica em mais de 90 anos, que resultou em outra crise, a energética. Com os baixos níveis dos reservatórios de hidrelétricas, o país se viu forçado a utilizar usinas termelétricas para evitar o risco de apagões ou racionamento.

    A consequência veio na conta de luz, com a criação de uma nova tarifa, a de escassez hídrica, para lidar com os custos. Por sua vez, a alta nas contas teve um efeito em cadeia, afetando tanto consumidores quanto produtores, e contribuindo para a elevação da inflação.

    Segundo especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, o cenário para 2022 é, a princípio, melhor do que o desse ano, com a projeção de uma temporada de chuvas dentro da média. Entretanto, as hidrelétricas ainda entrarão no ano fragilizadas, com reservatórios abaixo do nível ideal.

    Ao mesmo tempo, as termelétricas ainda em operação devem ajudar a encher os reservatórios, mas os custos com ela, e os de contratação de energia em vigor a partir de 2022, deixam pouco espaço para reduções na conta de luz.

    Na verdade, a expectativa ainda é que elas subam no próximo ano. A TR Soluções, empresa do setor, estima um aumento médio de 19%. O governo, porém, deve tentar retardar essas altas e buscar cortar as contas dentro do possível.

    Ações em 2021

    Para Virginia Parente, professora do IEE-USP, o cenário energético brasileiro melhorou na comparação com a crise de 2001 pensando na capacidade de transmissão de energia pelo sistema, mas que ainda não se chegou em um nível ideal, o que gera uma desigualdade nas contas de luz entre regiões com produção boa e as com geração ruim.

    Diogo Lisbona, professor da FGV, lembra que entre agosto e outubro chegou-se a cogitar a hipótese de apagões e racionamento de energia. Ele diz que “o governo demorou pra reagir, evitou fazer racionamentos que não fossem voluntários, mas no fim o país não precisou”.

    O cenário não foi tão drástico, segundo o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, por dois motivos. Primeiro, as chuvas em outubro vieram acima da média, ajudando a manter ou elevar levemente o volume dos reservatórios no Sudeste e Centro-Oeste, principal região geradora de energia e a mais afetada pela seca.

    Além disso, a expectativa de retomada intensa da economia não se cumpriu, com a inflação e os juros em alta. Como consequência, a demanda por energia foi menor.

    “O governo tomou algumas medidas, como acionamento de térmicas, tentou estabelecer um plano que estimulasse uma redução de consumo de energia na indústria e residências via prêmios, importação de energia via Uruguai e Argentina. Tudo para evitar racionamento”, diz.

    Por mais que as medidas tenham sido efetivas, elas cobraram, e ainda devem cobrar, o seu preço. As térmicas movidas a gás têm um custo bem maior que as hidrelétricas, o que encarece as contas. Além disso, Lisbona cita a realização de um leilão de contratação de energia para os anos de 2022 a 2025 a preços elevados, o que também repercutirá nas contas.

    Com isso, ele afirma que o governo “lidou com a crise com medidas de impacto tarifário duradouro para os próximos anos”.

    Já Parente afirma que, pensando na atuação durante a crise, as medidas foram “bem administradas”, mas algumas poderiam ter sido tomadas antes, já em 2020, quando as previsões do período intenso de seca surgiram, de modo a aliviar a intensidade da crise em 2021.

    Uma delas seria ter implementado mais cedo o programa de redução voluntária da demanda (RVD), com incentivos financeiros para quem consumisse menos energia.

    “O período pré-crise tinha uma série de medidas de modernização que estavam em curso mas andaram pouco Faltou incorporar atributos das fontes, entender as vantagens e os riscos das fontes, em especial as novas renováveis e as hidrelétricas fio d’água”, diz.

    Expectativas para 2022

    Diogo Lisbona acredita que o cenário em 2022 ainda é delicado, com um armazenamento nos principais reservatórios “ainda em níveis de crises passadas, como a de 2014”. Ele afirma ser um cenário mais “confortável” que o previsto inicialmente em agosto, mas ainda complexo, dependente da hidrologia.

    O Operador Nacional do Sistema (ONS) já afirmou que, baseado nas previsões de chuva no período úmido e níveis de reservatórios atualmente, a expectativa é que não ocorram apagões ou racionamentos em 2022.

    Entretanto, o professor afirma que “nunca se decreta racionamento no período úmido, espera terminar para ter clareza e tomar a decisão. Com a geração termelétrica, deve chegar em uma situação um pouco mais confortável que em 2021, mas não significa que não dependa de hidrologia e que esse cenário menos crítico não venha sem custos”.

    Segundo Adriano Pires, é importante lembrar que essas previsões podem não se concretizar. “Da mesma maneira que outubro foi melhor que o previsto, nada garante que dezembro, janeiro, ferevereiro e março terão um nível de chuva alto. Mas o nível dos reservatórios terminou em novembro por volta de 20%, bem mais do que o esperado no começo do ano. Não é também um nível confortável”.

    Nesse sentido, ele afirma que o primeiro desafio é saber como estarão os níveis dos reservatórios em abril de 2022, e se o fenômeno La Niña pode reduzir o volume de chuvas. Caso as temperaturas subam muito no verão, o consumo de energia pode aumentar, o que seria outro problema.

    “Mesmo que chova, em abril, o nível não será confortável para desligar muias térmicas. Vão ter que continuar ligadas, e até deveriam continuar no período úmido para encher os reservatórios”, diz.

    Caso as chuvas previstas não venham, 2022 seria tão ruim quanto 2021, ou até pior. Ao mesmo tempo, as previsões atuais de estagnação econômica, com baixa atividade, favorecem o quadro, já que o consumo de energia tende a se manter, ou até cair.

    Parente afirma que 2022 “dificilmente vai ser tão ruim quanto o que passou do ponto de vista climático”. Um problema, porém, é o encarecimento mundial dos combustíveis fósseis, o que deve aumentar ainda mais os custos com as termelétricas.

    Para ela, “não vamos estar sujeitos a um problema de quantidade de energia, mas vamos estar sujeitos a problemas de preço”.

    Conta de luz menor?

    Exatamente pelos gastos com termelétricas, que não foram cobertos inteiramente pela bandeira escassez hídrica, e a contratação de energia a níveis altos, a perspectiva não é de queda nas contas de luz. Além disso, deve ocorrer reajuste das taxas baseado na inflação, que está em um patamar elevado.

    “A bandeira tarifária antes era um adicional relativamente pequeno. Hoje é significativo, e deve permanecer até abril. Pode ter pressão política para que ela não perdure após abril, mas ainda tem déficit na conta. Retirar a bandeira gera um alívio ao consumidor, mas a curto e médio prazo não há cenário de redução, mas sim pressão nas tarifas”, diz Lisbona.

    A professora da USP vê um cenário de perda do sinal de preço quando a oferta se restabelecer com o preenchimento dos reservatórios. “Vamos pagar nesse período a conta do período anterior, porque postergarmos, as contas não vão refletir o que ocorre em 2022, mas sim o que ocorreu em 2021. Foi um alívio na crise, mas os ônus virão no futuro”.

    Ela afirma que a realização de empréstimos pelo governo para baixar as contas de luz terão que ser pagos em algum momento. Entretanto, o governo já espera realizar novos empréstimos para conter as altas nas contas em 2022.

    Pires afirma que ainda espera uma conta de luz alta, pressionando a inflação. “O governo vai usar uma criatividade para reduzir os aumentos tarifários. 2021 teve gasto de muito dinheiro para evitar racionamento”, diz.

    Para ele, as altas que seriam necessárias em 2022, de até 22%, não seriam bem-vistas em um ano eleitoral. Uma alternativa para reduzir esse aumento, já prevista, é usar parte do dinheiro com a capitalização da Eletrobras, além de uma parte da dívida de Itaipu e uma redução do PIS/Cofins para o setor.

    Perspectivas para os próximos anos

    Virgina Parente afirma que a principal lição que a crise de 2021 deveria deixar é a necessidade de repensar o papel das hidrelétricas na geração de energia. Hoje, elas são as grandes geradoras, responsáveis por mais de 60% do total produzido.

    Ela defende que essas usinas assumam um papel de “bateria do sistema”, ou seja, que o uso delas seja reduzido em períodos normais para preservar seus níveis, e então sejam usadas em casos de emergência. Em resumo, o contrário do que ocorre hoje.

    “As hidrelétricas precisam parar para abrir espaço para as energias intermitentes, mesmo perdendo receita. Hoje não são premiadas para isso, e aí desincentiva essa mudança”, diz.

    Esse processo também envolveria um ganho de espaço das novas energias renováveis, a eólica e a solar. As duas avançaram em 2021 como alternativas às hidrelétricas e térmicas, mas a professora espera um 2022 mais desafiador com o fim de alguns benefícios tarifários.

    Segundo ela, embora a necessidade continue crescendo, os novos aportes para as renováveis dependem dos custos dessas fontes e da questão dos incentivos, e a retirada deles. “Várias delas contam com componentes importados, então os custos são dolarizados. É um cenário um pouco mais desfavorável”.

    O diretor do CBIE diz que ainda é problemático que a matriz elétrica brasileira seja refém do clima, seja por causa das hidrelétricas ou pela eólica e solar. Apesar disso, ele espera uma expansão das duas últimas nos próximos anos.

    “Cada energia tem um atributo diferente. Não adianta gerar com eólica e solar porque gera energia mas não potência. O consumo tem momentos de pico, e para atender os picos precisa de energia térmica, que é a com mais confiabilidade”, afirma.

    Uma aposta de Lisbona de expansão para os próximos anos é a chamada geração distribuída, em que os geradores ficam próximos dos consumidores, reduzindo custos de transmissão.

    Ele afirma que o governo tem contratado mais energias renováveis em leilões, e que há espaço para elas. “Faz sentido apostar nelas e tem sinal econômico e político para isso”.

    Entretanto, a contratação de termelétricas ainda é maior, com um espaço significativo, e que deve se manter por mais tempo com a sinalização de reserva de termelétricas com a privatização da Eletrobras. Para Lisbona, isso “limita uma expansão que poderia ser mais renovável ainda”.

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