Combustível caro? Um dos vilões é o imposto alto sobre tudo o que consumimos
Cerca de 50% da arrecadação do Brasil vem da taxação de bens e produtos, contra 23% nos países desenvolvidos
Nas últimas semanas, o preço média do litro gasolina nos postos do país passou dos R$ 5 pela primeira vez na história, e já há estabelecimentos onde se paga mais de R$ 6, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Com o diesel não é diferente: os caminhoneiros estão, pela primeira vez, pagando mais de R$ 4 pelo litro do combustível.
Os aumentos desde o começo do ano já são de 15% -e devem ficar maiores, já que, nas refinarias, o reajuste já passa dos 40%, puxado por dólar e petróleo caros no mundo.
A escalada rápida em pouco mais de dois meses deflagrou uma sucessão de crises. Os caminhoneiros, espremidos pelos custos, ameaçaram novas greves. O governo, por sua vez, saiu correndo em busca de soluções, algumas de repercussão desastrosa: trocou o presidente da Petrobras, anunciou mudanças na forma de cobrar o ICMS e criou uma conta extra para o Tesouro Nacional ao cortar temporariamente uma parte dos impostos sobre o diesel.
O preço dos combustíveis vendidos nas refinarias brasileiras acompanha o valor do barril de petróleo nos mercados internacionais e o dólar, de maneira que as oscilações dessas duas variáveis têm peso grande no preço final que o consumidor paga aqui.
Esta, porém, é apenas uma parte do problema. A outra, na visão de muitos, está nos impostos, e os cortes temporários sobre o diesel ou as mudanças de metodologia propostas no ICMS não mudam o cerne o problema.
A carga tributária não só é alta, como é extremamente regressiva do Brasil, com a maior parte dos impostos jogada sobre os bens e serviços que consumimos. Isso resulta nos produtos caros que conhecemos, e que pesam especialmente mais no orçamento das famílias mais pobres.
Os preços hoje são altos porque o padrão da tributação brasileira é no consumo. Tudo o que compramos tem uma carga violenta de impostos. Em última instância, a discussão é se deveríamos tributar mais o consumo ou mais a renda.
Walter de Vitto, sócio e analista da Tendência Consultoria para energia
No preço final que o consumidor paga pela gasolina, por exemplo, tem mais imposto do que combustível: 44%, em média, é imposto, enquanto a gasolina em si, saída da refinaria, representa 30%, de acordo com dados de setembro da ANP. No diesel, que abastece os fretes do país e tem mais incentivos, os impostos são 23% e, o combustível, 48% do preço final na bomba.
Sobre os combustíveis, especificamente, a questão é mais delicada por conta da poluição que eles geram. Em países da Europa, por exemplo, os impostos sobre eles são ainda maiores do que no Brasil. De toda maneira, os preços caros para o nível de renda brasileiro revelam o peso desta carga sobre este e outros produtos.
Muito imposto no consumo, pouco na renda
“O Brasil tem uma carga tributária elevada se comparado a outros países com o mesmo nível de desenvolvimento”, diz o diretor adjunto de políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marco Cavalcanti.
“Mas há uma problema também quanto à estrutura dessa carga. O peso dos tributos sobre bens e serviços é maior que o de outros países, e isso é ruim, porque essa tributação indireta acaba caindo desproporcionalmente sobre as famílias mais pobres.”
A carga tributária do Brasil representa, hoje, cerca de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), muito pouco abaixo da média da OCDE, o grupo que reúne os países desenvolvidos. Entre eles, a carga média é de 36% do PIB. Nos países da América Latina, essa média é de 23%.
A distribuição, porém, é completamente diferente: no Brasil, 50% de tudo o que é arrecadado vem de impostos aplicados sobre bens e serviços, como o ICMS, PIS, Cofins, IPI e ISS. Na OCDE, essa frente é 23% do bolo, menos da metade que a fatia brasileira.
Por outro lado, os impostos aplicados sobre a renda e patrimônio, que são progressivos e atingem mais diretamente os mais ricos, colaboram com 22% da arrecadação brasileira, enquanto na OCDE é de onde vêm 40% dos recursos.
O sistema tributário justo tem que ser progressivo, como é o Imposto de Renda, em que a alíquota aumenta conforme a renda do contribuinte. No consumo não dá para fazer isso. Todos pagam o mesmo imposto sobre um produto e, quanto maior a renda, menor o peso desse imposto.
Cesar Roxo, vice-presidente de estudos tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip)
Imposto baixo
A Anfip e outras entidades que representam os profissionais do Fisco no país defendem uma redistribuição dessa carga, de maneira a tirar um pouco do peso sobre os bens e serviços e calibrá-lo sobre a renda e o patrimônio.
O imposto sobre heranças, por exemplo, tem no Brasil uma das cobranças mais baixas do mundo, com alíquota máxima de 8%. “No Reino Unido é 36%, nos Estados Unidos é 40%, no Japão é 55% e na Bélgica chega a 80%”, diz Roxo. “Na África do Sul é 25%.” Os números referem-se à cobrança máxima praticada em cada país (elas ficam maiores conforme o tamanho da herança).
O pesquisador da Anfip também menciona o Imposto de Renda, que, no Brasil, aplica a cobrança máxima de 27,5% sobre qualquer pessoas que ganhe mais de R$ 4.665. Em outros países, não só há mais faixas acima desse valor, para tributar os supersalários, como elas pagam bem mais: nos Estados Unidos, os mais ricos pagam até 37% de IR e, na Alemanha, até 45%. No Chile, a alíquota máxima é de 40%.
IPVA (que, no Brasil, deixa iates e jatinhos de fora), lucros e dividendos (isentos no país) e o imposto sobre propriedade rural são outros que, de acordo com Roxo, são mais suaves aqui que em outros países.
Cavalcanti, do Ipea, cita também benefícios como as deduções do IR dadas a serviços privados como de saúde e educação e os diversos subsídios distribuídos a empresas de diferentes setores, que tiram centenas de bilhões de reais todo ano da arrecadação da Receita Federal.
“Você pode cortar a tributação sobre consumo e reduzir a carga tributária total, mas muitas políticas públicas deixariam de ser feitas; deve ser uma escolha da sociedade”, disse Roxo, da Anfip. “A alternativa é reduzir em uma base e aumentar em outra, e aumentar sobre a renda e o patrimônio para reduzir sobre o consumo seria mais justo.”