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    Com bancos ‘temendo’ calotes, fintechs avançam em mercado de empréstimo

    Cautela dos grandes bancos em emprestar dinheiro no meio da crise ajuda a explicar sucesso das startups durante a pandemia

    Sede da Lendico, em São Paulo: a startup já emprestou mais de R$ 500 milhões
    Sede da Lendico, em São Paulo: a startup já emprestou mais de R$ 500 milhões Foto: Lendico/Divulgação

    Leonardo Guimarães,

    do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Com a crise financeira causada pela pandemia de Covid-19, tomar crédito com os grandes bancos ficou mais difícil. O medo da inadimplência fez com que as análises ficarem ainda mais criteriosas, afinal, ninguém quer tomar um calote em plena pandemia.

    Nesse cenário, as startups que oferecem soluções de crédito se tornaram uma alternativa menos burocrática e mais barata. Com soluções que vão de empréstimo com garantia em imóveis ao crédito com taxas de juros mais altas, mas sem garantia alguma, as empresas desse segmento estão crescendo, mas precisam ter cuidado redobrado com seu maior vilão: a inadimplência. 

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    A IOUU é uma dessas startups que vivem um bom momento. No primeiro semestre, a demanda por crédito disparou 287% em relação ao mesmo período do ano passado. A CashMe, do grupo Cyrela, que tem uma carteira de R$ 500 milhões em empréstimos, vê oportunidade para muito crescimento ainda neste ano e quer alcançar uma carteira de R$ 800 milhões. 

    A Creditas, que pode se tornar o próximo unicórnio brasileiro, triplicou de tamanho em 2019 e espera repetir o desempenho de 200% de crescimento neste ano e em 2021. 

    As fintechs que conseguiram crescer (ou pelo se manter no mercado) durante a crise agora têm diante de si um cenário que promete um momento de alívio. É o que mostra o índice da Boa Vista que mede a demanda por crédito ao consumidor. Em junho, houve crescimento de 6,8% nos pedidos de empréstimos em relação a maio. 

    As startups de crédito que passaram pelo que parece ser o pior momento da crise estão otimistas e projetam crescimento no segundo semestre. “Esse mercado está em processo de adaptação aos novos tempos. As startups se adaptam de forma rápida e vemos agora um período de florescimento de muitas soluções de crédito”, afirma Newton Campos, coordenador do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da FGV. 

    Boas soluções e pé atrás dos bancos

    A explicação para o bom momento das startups de crédito começa com os grande bancos, que não querem assumir riscos ao ver no horizonte o aumento do desemprego. “A pandemia gerou um aumento na demanda por crédito e a realidade é que o dinheiro dos grandes bancos muitas vezes não chega até quem precisa”, diz Renato Mendes, professor do Insper e cofundador da Organica. 

    Depois da visão geral, uma análise mais detalhada sobre as soluções das empresas que estão crescendo ajuda a entender o motivo da remada contra a maré. As fintechs conseguiram criar modelos ágeis e que – de formas diferentes – criam uma proteção contra a inadimplência. 

    A CashMe, do Grupo Cyrela, encontrou no empréstimo com garantia em imóveis uma forma eficiente de se defender dos calotes. Afinal, o tomador não quer perder sua casa na praia (ou até mesmo a que ele reside atualmente) por não ter pago um empréstimo. A startup atende quem quer comprar um outro imóvel e dá ao cliente até 75% do valor da transação, emprestando, em média R$ 600 mil para esse tipo de tomador. No crédito para incorporadoras, o ticket médio é de R$ 6 milhões.

    Para se dar bem durante a crise e projetar aumento de R$ 300 milhões na carteira em 2020, a Cashme tem outro trabalho: o de educar o consumidor, já que o empréstimo com garantia em imóvel (home equity) não é tão comum no Brasil como em países desenvolvidos.

    “Existia uma certa barreira cultural de alguns brasileiros de dar o imóvel em garantia e temos quebrado isso aos poucos”, afirma Paulo Gonçalves, cofundador da Cashme.

    Com uma garantia poderosa, a empresa de Gonçalves pode cobrar juros mais baixos, que começam em 0,99% ao mês (mais a inflação do período). A experiência do Grupo Cyrela com o mercado imobiliário é outro diferencial da startup e permite que a empresa faça avaliações assertivas dos imóveis usados como garantia e seja rápida na resposta ao cliente – o retorno pode vir em até 48 horas. 

    Tudo isso faz com a CashMe escape dos calotes e tenha uma taxa de inadimplência de 0,9% depois de 90 dias da data de vencimento das parcelas. “Tivemos muitos pedidos de renegociação e ajudamos os clientes dando carência de um a três meses. Muitos que receberam carência em maio e junho já voltaram a pagar”, explica o cofundador da empresa. 

    Para Renato Mendes, três motivos fazem das startups empresas mais eficientes na concessão de crédito: são menos burocráticas e conseguem mais agilidade; entregam condições favoráveis aos tomadores em termos de taxas e prazos; e oferecem uma experiência melhor ao usuário, que vai da navegação no site à linguagem. 

    Se o risco que a CahsMe assume é atenuado pela garantia em imóveis, a Lendico, por outro lado, empresta dinheiro sem garantia alguma. A fintech é uma das pioneiras nesse mercado e possui uma carteira de empréstimos de R$ 500 milhões atualmente – e já atendeu mais de 60 mil clientes. 

    Segundo Marcelo Ramalho, CEO da Lendico, o segredo da empresa está na análise de crédito. Ele diz que a startup é criteriosa na concessão de crédito e que faz avaliações levando em consideração dados de birôs de crédito, negativações e nível de comprometimento de renda. O processo acontece 100% online – da análise ao depósito em conta. 

    “Temos uma visão positiva do atual momento do mercado. Nossos planos de crescimento são ambiciosos em 2021: pretendemos dobrar de tamanho a partir de investimentos em novos produtos”, conta Ramalho. 

    E a inadimplência? 

    Olhar para os números de endividamento durante a crise faz ligar o sinal de alerta das empresas que lucram emprestando dinheiro. Um terço (33%) das famílias brasileiras tem alguém de sua residência com dívidas em atraso – é o que mostrou a Sondagem do Consumidor de junho, do Ibre/FGV. 

    Dados do Banco Central mostram que a população com carteira de crédito ativa atingiu 85 milhões de tomadores em dezembro de 2019. Desse total, 5,4% – ou 4,6 milhões – de tomadores estavam em situação de endividamento de risco, ou seja, devem às instituições financeiras mais do que podem pagar.

    Certamente a resistência dessas empresas iniciantes contra a inadimplência não chega ao nível dos grandes bancos, que têm recursos de sobra para se manter caso não recebam a devolução do dinheiro que emprestaram. No entanto, apesar de soluções bem executadas, a inadimplência continua sendo o grande fantasma do segmento. 

    Newton Campos explica que as startups têm níveis de maturidade diferentes, mas, em geral, são pouco sustentáveis. “As pessoas que estão contando com essas empresas devem tomar cuidado”, aconselha. 

    Fintechs como a CashMe têm “gordura para queimar” por ter o amparo de uma grande empresa – a Cyrela, no caso. Porém, a maioria das startups do segmento não pode se dar o luxo de ter resultados ruins e ainda assim continuar no mercado. 

    Além disso, Mendes, da Organica, explica que essas empresas são mais vulneráveis por tomar mais riscos, o que, ainda que tenham soluções bem fundamentadas, coloca as fintechs de crédito em uma posição perigosa.

    Home equity vai movimentar o mercado

    Empresas que apostam na popularização do empréstimo com garantia em imóvel devem se dar bem a longo prazo. É o que dizem especialistas. Segundo Newton Campos, da FGV, este é o tipo de empréstimo que mais deve crescer nos próximos anos. 

    Há um enorme potencial de crescimento desse mercado por ter sido pouco explorado pelos grandes bancos. As taxas de juros baixas são extremamente atrativas para o consumidor e são a grande arma para seduzir o cliente que tem medo de tomar esse tipo de empréstimo. 

    Para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o crédito com garantia em imóveis tem muito potencial de crescimento. Na semana passada, o BC anunciou a possibilidade de uso de imóvel como garantia de mais de um empréstimo, com potencial de liberação de R$ 60 bilhões em crédito.

    À medida que a desconfiança dos consumidores diminui e o home equity cresce, os investidores começam a olhar para esse segmento com atenção.

    Os bancos tradicionais são potenciais compradores de startups que criaram boas soluções em home equity. Para essas empresas, que não fizeram investimentos significativos nesse tipo de produto, vale a pena adquirir e integrar à sua operação companhias que já têm experiência na área e que levarão sua base de clientes. 

    “As aquisições deveriam ser o caminho para esses grandes bancos. Google e Facebook operam assim para não morrer. Se esses bancos tiverem uma boa relação com o ambiente de fintechs podem participar dessas aquisições mais rapidamente”, afirma Newton Campos.

    Pedro Waengertner, co-fundador da ACE Startups, diz que o setor ainda tem muito espaço para crescimento e que os bancos devem sair às compras em um futuro próximo. Ele explica que as grandes empresas e investidores estão de olho em dois aspectos: distribuição e resiliência dos negócios.

    “Quando vemos que uma startup está conseguindo chegar numa base de PMEs, que é pulverizada e difícil de acionar, ela tem bastante valor para o mercado. Ao mesmo tempo, olhamos para o financiamento desse crédito e como as startups vão suportar a demanda”, afirma.

    Ou seja, podemos ver, em um futuro próximo, os bancos indo às compras para não perderem espaço no mercado num cenário positivo para as startups de crédito. Enquanto isso não acontece, essas empresas vão crescendo com soluções ágeis e produtos vantajosos para quem toma dinheiro emprestado.

    Um dos exemplos de empresas que estão indo às compras é a Creditas (que também surgiu apostando em crédito com garantia de imóveis ou automóveis). Após receber um aporte de US$ 231 milhões do fundo japonês Softbank no ano passado, a empresa comandada pelo espanhol Sergio Furio decidiu ir às compras e até mesmo abrir mercados. Uma das startups escolhidas foi a Creditoo, especializada em crédito consignado – uma prática muito comum no serviço público, mas ainda pouco difundida no setor privado.

    Basicamente, a Creditas consegue receber pelos empréstimos diretamente na folha de pagamento do tomador. Isso reduz (e muito) a chance dela receber um calote. Não por acaso, esse se tornou um dos principais mercados que a empresa está indo atrás. E isso faz bastante sentido: dos cerca de R$ 400 bilhões concedidos nessa modalidade no Brasil, apenas 5% vem da iniciativa privada.

    No início de 2020, a Creditas firmou uma parceria com a empresa de tecnologia Totvs, que fornece software de gestão para empresas. A ideia é que as companhias que são clientes da Totvs consigam oferecer esse crédito consignado com taxas que começam em 1,29% e vão até 3,49% ao mês. Em um momento de redução de jornadas – e de salários – pode ser uma boa saída para os funcionários.

    Ainda mais em um cenário de tanta incerteza. Em entrevista recente ao CNN Business, Furio afirmou que “A crise ainda não começou e estamos em uma situação de disrupção. Ninguém ainda sabe como vai ser o dia de amanhã.” E mesmo com uma inadimplência de cerca de 2%, segundo o executivo, quanto mais seguro for o empréstimo, melhor. 

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