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    China tem a pior escassez de energia em dez anos e prejudica países vulneráveis

    O problema, que pode durar meses, impacta a recuperação econômica do país e pesa sobre o comércio global

    Laura He, CNN Business

    A China está passando por uma grande crise de energia. O clima extremo, a maior demanda por eletricidade e os limites estritos no uso de carvão estão desferindo um golpe triplo na rede elétrica do país. É um problema que pode durar meses, prejudicando a recuperação econômica do país e pesando sobre o comércio global.

    Várias províncias chinesas disseram que estão enfrentando uma crise de energia nas últimas semanas. Entre elas estão alguns dos motores mais importantes do país para o crescimento econômico.

    A província de Guangdong – um centro industrial responsável por US$ 1,7 trilhão (cerca de R$ 8,4 trilhões), ou mais de 10%, da produção econômica anual da China e por uma grande parcela de seu comércio exterior – raciona energia há mais de um mês. As restrições obrigaram empresas em toda a província a fecharem alguns dias por semana. Algumas autoridades locais estão alertando que o racionamento de energia pode durar até o final do ano.

    Não é só em Guangdong: pelo menos nove províncias disseram que estão lidando com questões semelhantes, incluindo Yunnan, Guangxi e o centro industrial de Zhejiang, forçando as autoridades regionais a anunciarem cortes de energia em uma área do tamanho do Reino Unido, Alemanha, França e Japão juntos.

    A crise de energia até contribuiu para uma desaceleração no crescimento da atividade fabril na China em junho, como reconheceu o Escritório Nacional de Estatísticas do país na quarta-feira (30).

    É a pior escassez de energia na China desde 2011, quando secas e a alta nos preços do carvão levaram 17 províncias ou regiões a restringir o uso de eletricidade. As usinas elétricas relutam em produzir muita eletricidade quando o carvão que queimam está com preço elevado: como o governo federal controla o custo da energia, os produtores não podem simplesmente aumentar seus preços.

    Desta vez, o boom pós-pandêmico de commodities e o clima severo estão mais uma vez forçando as termoelétricas a reduzir a produção, ao mesmo tempo em que prejudicam as hidroelétricas. Mas há uma diferença importante: a China também está lutando para atingir a meta do presidente Xi Jinping de alcançar a neutralidade de carbono no país até 2060. Esse horizonte ambicioso para o maior consumidor de carvão do mundo levou as minas de carvão do país a produzir menos, resultando em preços mais altos, de acordo com Yao Pei, estrategista-chefe da corretora chinesa Soochow Securities.

    Um golpe duplo

    A escassez representa um golpe duplo que pode tirar a frágil recuperação da China do curso, ao mesmo tempo que traz mais problemas para as cadeias de abastecimento globais que já estão sofrendo com o problema.

    “O racionamento de energia inevitavelmente prejudicará a economia”, disse Yan Qin, analista-chefe de carbono da Refinitiv.

    A falta de eletricidade pode reduzir a produção em praticamente todos as áreas da economia, incluindo os setores fundamentais de construção e indústria. Essas empresas usaram quase 70% da eletricidade da China no ano passado, de acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas, e têm sido as principais impulsionadoras da recuperação em 2021.

    A Chengde New Material, de Guangdong, uma das maiores produtoras de aço inoxidável do país, revelou aos clientes no final do mês passado que fecharia as operações dois dias por semana até que a energia não precisasse mais ser racionada. A empresa espera que os volumes de produção caiam 20%, ou até 10 mil toneladas de aço por mês.

    “As empresas não estão felizes com isso”, comentou Klaus Zenkel, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia no Sul da China. Zenkel disse que até 80 das empresas associadas à Câmara podem ter sido afetadas pelas ordens do governo de suspender as operações por alguns dias por semana. Disse ainda que os fabricantes para o mercado interno também foram forçados a escalonar a produção. Algumas empresas até começaram a alugar geradores a diesel caros para manter os negócios funcionando, segundo o presidente.

    O racionamento de energia na principal província produtora de metal de Yunnan causou até um declínio no fornecimento de alguns tipos de metais, incluindo alumínio e estanho, de acordo com dados do governo e pesquisas independentes.

    Os cortes de produção e a perspectiva de prazos de entrega perdidos em toda a China também arriscam esticar uma já apertada cadeia de abastecimento global. Sozinha, a província de Guangdong é um centro fabril que responde por um quarto do comércio total da China, incluindo roupas, brinquedos e eletrônicos.

    “A falta de energia pode aumentar os atrasos nos embarques sentidos em todo o mundo”, afirmou Henning Gloystein, diretor de energia, clima e recursos do Eurasia Group.

    Para aumentar a pressão, Guangdong teve seus portos de contêineres, já incrivelmente lotados, fechados por um surto de Covid-19. O acúmulo de embarques pode levar meses para ser resolvido e levar à escassez durante a temporada de compras de fim de ano. Isso deixa pouco espaço para problemas adicionais, como cortes na eletricidade.

    “A falta de energia pode levar a um rearranjo do cronograma de trabalho para os fabricantes locais, prejudicando o prazo de entrega e, portanto, o resto das cadeias de abastecimento”, explicou Lara Dong, diretora sênior de energia e energias renováveis na Grande China da IHS Markit.

    Alta demanda e clima extremo

    Os especialistas atribuem a escala da crise de energia a uma série de questões, desde a alta demanda de energia até as condições climáticas extremas.

    O plano de recuperação econômica do governo federal, baseado na infraestrutura, consome muito carbono, de acordo com Lauri Myllyvirta, analista-chefe do Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo. Nos primeiros cinco meses do ano, o consumo de energia no sul da China excedeu os níveis pré-pandemia, O aumento foi de 21% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com a China Southern Power Grid, uma grande operadora da rede elétrica estatal.

    O carvão ainda está envolvido na geração de cerca de 60% da energia do país. Mas o governo teme que esse número aumente ainda mais e por isso tem tentado reduzir o consumo de carvão ao tentar atingir sua meta de se tornar neutro em carbono até 2060.

    As limitações no uso de carvão, porém, coincidiram com uma sede de eletricidade causada pelo rejuvenescimento econômico, junto com condições meteorológicas extremas. A tensão entre a demanda e a oferta só cresce.

    O tempo excepcionalmente quente em algumas áreas levou a um aumento na demanda de energia, já que as pessoas usam mais ar-condicionado e refrigeração.

    Ao mesmo tempo, há uma grande pressão sobre a produção de eletricidade. Fontes de energia renováveis, como a hidrelétrica, foram prejudicadas pela seca. O principal centro hidrelétrico da província de Yunnan, por exemplo, teve problemas para reter a água de que precisa em seus reservatórios, de acordo com Myllyvirta.

    Uma verificação de segurança em todo o país antes do 100º aniversário do Partido Comunista na quinta feira (1º) levou a suspensões massivas de minas de carvão em toda a China, exacerbando as tensões no fornecimento de carvão.

    A inspeção do governo aconteceu após o aumento recente de incidentes fatais na extração do carvão, em alguns casos devido à atividade de mineração ilícita. Para “criar um ambiente harmonioso” antes do aniversário do partido, muitas minas de carvão foram fechadas para inspeções, de acordo com governos locais ou firmas estatais.

    “A estabilidade política é a principal prioridade de agora até o final de julho”, disse Qin.

    A China também tem lutado para sustentar a oferta no exterior. O carvão é muito caro para importar, de acordo com Gloystein do Eurasia Group, que disse que os preços mais do que dobraram no ano passado.

    Gloystein também destacou que as tensões comerciais com a Austrália – que em 2019 foi responsável por quase 60% das importações de carvão mineral da China – criaram tensão. O governo chinês impôs barreiras comerciais ao carvão australiano no ano passado depois que o governo australiano pediu uma investigação independente sobre as origens da Covid-19.

    Desde então, a China importou mais carvão da Indonésia e da África do Sul para compensar o déficit, mas isso não preencheu a lacuna.

    “Algumas concessionárias de energia chinesas sofreram falta de combustível para suas usinas”, contou Gloystein, acrescentando que é difícil conseguir suprimento extra em curto prazo de lugares como a Indonésia.

    A escassez pode continuar

    Os cortes na eletricidade devem continuar pelo menos nos próximos meses, especialmente porque a demanda permanece alta nos meses quentes de verão. Qin, da Refinitiv, disse que ainda há “riscos significativos” de que o sul e o centro da China terão de continuar racionando energia, especialmente se o clima estiver mais quente do que o normal.

    O governo também tem outras opções. Gloystein sugeriu que a China poderia remover as barreiras contra o carvão australiano, embora “isso possa fazer com que a China pareça fraca”.

    E, no fim das contas, as autoridades podem ter que pensar em ceder em algumas metas climáticas. Ele sugeriu que Pequim poderia “reativar” as usinas que foram fechadas no início deste ano para conter o excesso de poluição.

    Qin disse que a falta de energia provavelmente continuará sendo um problema “bastante frequente” por pelo menos um tempo. A China parece empenhada em controlar a energia suja e está tentando aumentar o uso de fontes renováveis e reduzir o uso de combustíveis fósseis.

    “A questão principal do fornecimento de energia da China é saber como atender às crescentes necessidades de eletrificação e meta de descarbonização”, disse o analista de carbono Qin. Ele acrescentou que, embora a China esteja desenvolvendo muitas fontes renováveis, elas ainda não são tão estáveis quanto aquelas que usam combustíveis fósseis.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui.)