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    Avanço de commodities na exportação representa perda de espaço da indústria

    Produtos industriais sem ligação com commodities são menos de 30% das exportações totais do Brasil

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    O Índice de Comércio Exterior (Icomex) da FGV de setembro trouxe dois cenários diferentes. De um lado, as exportações de commodities atingiram o maior nível da série histórica, quase 70% de tudo que foi enviado para fora do país era desse tipo de produto.

    Mas isso também significa que a indústria de transformação atingiu o menor nível, refletindo uma perda de espaço que tem ocorrido nas últimas décadas.

    Além disso, soja, petróleo e minério de ferro respondem por mais de 40% das exportações, o que significa que mesmo produtos ligados a commodities com maior valor agregado, que passam por alguma indústria, perderam espaço. É o caso do suco de laranja, açúcar e ferro-gusa.

    André Rebelo, diretor executivo de economia e estratégia da Fiesp, afirma que, hoje, 37% das exportações de commodities são, na verdade, de bens semi-manufaturados. Ou seja, a commodity passa por algum tipo de indústria, agregando mais valor. É o caso da celulose, fumo, couro, calçados e uma parte do minério de ferro.

    Segundo ele, a indústria ligada a esse setor, muitas vezes chamadas de agroindústria mas que também envolve a mineração, ganhou espaço a partir dos anos 2000, às custas da indústria que produz bens manufaturados.

    Abertura comercial e variações cambiais

    Para Rebelo, o avanço da indústria ligada às commodities e a perda de espaço do segmento de transformação ocorreu principalmente entre 2006 e 2015. “Foi um período de forte valorização cambial, e próximo de outros períodos de valorização”, diz.

    A valorização cambial ocorreu em um momento em que os custos de produção se intensificaram e os salários subiram, o que incentivou um direcionamento para bens de origem agrícola ou mineral ou acabamento de produtos com insumos importados. Somou-se a isso a proximidade de preços entre produtos importados e nacionais, prejudicando a indústria local.

    Os dados da Fiesp mostram que, antes de 2005, 50% do valor de um produto era agregado localmente. Hoje, é 30% do total. O câmbio valorizado acabou levando ao que Rebelo chama de “substituição de insumos”, do local para o estrangeiro.

    “Se for pensar em coerência, o câmbio desvalorizado, como o de agora, teria o efeito contrário, mas ainda não é o suficiente. Só o câmbio basta para estragar, mas não para reaver o espaço perdido”, afirma.

    O diretor aponta uma defasagem tecnológica na indústria, que também é prejudicada por uma piora do ambiente macroeconômico. A desvalorização do real ocorreu em um contexto de crise, ou seja, com demanda baixa e recessão. Segundo ele, a indústria “nunca recuperou o patamar de 2014”.

    Variações cambiais ligam-se com as mudanças na indústria brasileira / REUTERS/Gary Cameron

    Dante Mendes Aldrighi, professor da FEA-USP, afirma que o pico da participação da indústria manufatureira no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro ocorreu na década de 1980. Desde então, ela tem caído, assim como a de geração de emprego.

    “O debate que está ocorrendo é se o Brasil passa por uma desindustrialização, já que o setor de serviços representa mais de 70% do emprego no país hoje”, diz.

    Segundo o professor, a perda de espaço da indústria e ganho do setor de serviços é um processo comum nos países ricos. “Mas será que essa desindustrialização não é prematura, precoce? Ela ocorre antes do Brasil ser uma economia mais rica?”.

    Ele afirma que os empregos no setor de serviços ainda não envolvem uma qualificação elevada, e ligam-se ao trabalho informal e bicos, com baixa remuneração.

    Para Aldrighi, “o nível de vida não subiu a ponto desse setor ter peso maior, a quantidade de trabalhadores com remuneração e qualificação baixas ainda é muito alta, o que prejudica o crescimento econômico”.

    Um outro aspecto importante na perda de espaço da indústria brasileira foi a competição com outras indústrias quando houve uma abertura comercial na década de 1990, com redução de impostos sobre importações. Muitas não conseguiram realizar os investimentos necessários para competir, em especial em tecnologia, e fecharam as portas.

    A partir dessa década, a China entrou com mais força no mercado de manufatura, junto com outros países asiáticos, que se tornaram rivais do Brasil. “De maneira geral, a entrada da China nessa área foi um choque mundial, repercutiu em vários países, incluindo o Brasil, com queda no emprego pela manufatura, redução do setor”, diz.

    Ao mesmo tempo, é a China a grande consumidora das commodities que o Brasil exporta atualmente, incluindo os semi-manufaturados. “No caso brasileiro, a expansão da parcela das exportações de commodities e bens ligados a elas aumentou, com uma retração da indústria manufatureira desde a década de 1990”.

    O professor considera que a indústria brasileira não foi capaz de responder a esse cenário por meio da inovação, o que levou a uma estagnação da produtividade, algo contrastante em relação ao resto do mundo.

    “O setor de commodities ter mais espaço é bom, mas é importante ter uma estrutura produtiva mais diversificada, evitar toda essa dependência de produtos primários e semi-manufaturados”, afirma.

    As consequências

    Para Luciano Nakabashi, professor da FEA-RP-USP, o principal ponto negativo da expansão da indústria ligada à agropecuária e à mineração é que elas geram produtos de pouco valor agregado e, em geral, menos empregos e com salários menores que a indústria de transformação.

    “Por outro lado, há pouca competividade da indústria, temos uma indústria historicamente construída como grande, que gerava bem mais produtos que hoje e emprego também, e com esse processo de reabertura, fomentando menos a indústria com abandono da ideia de substituição de importação, a indústria perdeu participação”, diz.

    A substituição de importação foi uma política industrial que surgiu no fim da primeira metade do século 20. A ideia seria fomentar a indústria local para produzir o que era importado, reduzindo déficits comerciais, beneficiando a economia e gerando mais empregos.

    Com isso, um aspecto chave da substituição de importação seria investir na indústria de manufaturados, e na tecnologia que ela demanda.

    “Podemos considerar que os poucos países que se desenvolveram nos últimos 40, 50 anos, fizeram com base na industrialização, um crescimento da indústria manufatureira, Japão e Coreia do Sul são os grandes exemplos”, afirma Dante Aldrighi.

    Segundo o professor, esse processo ocorre pois a indústria atrai trabalhadores de setores com produtividade menor, e tem uma produtividade maior, o que por si só já ajuda a elevar o crescimento econômico.

    A manufatura também favorece o que o professor chama de “demanda para trás e para frente”, ou seja, o crescimento dela beneficia tanto seus fornecedores quanto os vendedores da produção.

    “Além disso, a indústria manufatureira tem a característica de que seus avanços tecnológicos se disseminam pela sociedade, ou seja, favorecem outros setores. Se o país exporta manufaturas, também precisa estar alinhado com as boas práticas tecnológicas mundiais, o que incentiva a inovação”, diz.

    Ele afirma, porém, que esse cenário depende da situação econômica de um país. Atualmente, o Brasil enfrenta uma série de incertezas que, para o professor, “geram um ambiente desfavorável ao desenvolvimento econômico”.

    O cenário de perda de espaço da indústria, com fechamentos, se mistura a uma falta de estratégia de inovação e uma alta taxa de importação, em especial de maquinário, o que limitaria os benefícios que o setor pode trazer.

    Mas isso não significa que a indústria ligada às commodities não traz benefício para a sociedade. O diretor-executivo da Fiesp afirma que, em geral, a principal vantagem do segmento é a alta rentabilidade, além de gerar recursos para o crescimento da economia.

    “Mas a gente precisava de política industrial para adensar essas cadeias, fazer máquinas de extração de petróleo, de minério, processar a soja. Exportar mais produtos com mais valor agregado, mais trabalho agregado, e gerando mais renda e emprego”, diz.

    Oportunidades

    André Rebelo afirma que a principal oportunidade que a indústria tem hoje é a de melhorar a capacidade de processar os bens mais básicos que são produzidos em grande quantidade.

    “É preciso também investir na indústria que é consumida por esses bens mais básicos, incorporando tecnologia. As fazendas hoje são quase fábricas a céu aberto, tem muita tecnologia, e precisamos desenvolver esses segmentos”, diz.

    Farmer standing in a rice field with a tablet.
    Desenvolvimento e expansão da indústria ligada às commodities, com novas tecnologias, é oportunidade para o Brasil / jcomp/Freepik

    Mesmo com a perda de espaço da indústria, ele vê hoje uma “avenida aberta para adensar segmentos”. Entretanto, ele afirma que para isso é necessário estímulos aos setores, além de melhorar as condições de concorrência com o mercado internacional.

    Já Nakabashi, é possível aumentar a produção e a exportação da agroindústria e importar o que não é produzido ou de áreas em que o país não é competitivo. Os dois movimentos ajudariam a aliviar a questão cambial.

    “A estratégia de substituição de importação não deu certo, a indústria tem que se especializar no que já tem competitividade”, afirma.

    Segundo o professor, hoje o setor industrial é mais impactado pelo chamado “custo Brasil” do que pela questão cambial em si. O termo se refere a deficiências de infraestrutura, falta de mão de obra qualificada, carga tributária complexa e elevada e falta de estabilidade nas regras para a economia.

    “O que eu acho que falta no caso brasileiro é criar condições para que outros setores floresçam, mais importante que isenções, gastos tributários, é criar condições para favorecer o empreendedorismo de forma geral”, afirma Aldrighi.

    Entre as medidas, o professor cita uma tributação favorável, melhoria nas redes de fornecimento, um preço de energia elétrica mais acessível e investir em educação e treinamentos para qualificar mais a mão de obra.

    Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), afirma que é necessário investir na indústria, e na inovação e modernização, até para beneficiar o agronegócio.

    “Temos a possibilidade de ser um rico país do agronegócio, que é o agro processado, produzido com valor agregado dentro do Brasil. Alimentos disruptivos, novos alimentos baseados em reprodução celular, em proteínas vegetais, a partir de novas plantas”, diz.

    Isso depende, porém, do que ele caracteriza de “link com a indústria”: “a agricultura tem um limite de crescimento que é a industrialização, sem a industrialização necessária, passa o desenvolvimento para outros países. Sem um caminho para o retorno do desenvolvimento industrial, a agricultura brasileira não vai se desenvolver”.

    Já Rebelo afirma que existem produtos simples que o Brasil não produz, em especial por falta de maquinário, mas também por um incentivo tributário que favorece a importação.

    “O esforço de quem está no governo vai para as coisas emergentes, e temos muita coisa emergente, fica difícil cuidar desse ponto. Temos reformas, pandemia, uma estrutura fiscal para reconstruir, e a energia vai para isso, com pouco progresso na agenda de redução de custo brasil, para as distorções que impedem o crescimento do setor”.

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