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    Atípica, geada em maio teve impacto pequeno em plantações, dizem especialistas

    Setor ainda deve ficar atento a possíveis efeitos de falta de chuva, além de proximidade do inverno

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business

    em São Paulo

    A onda de frio que atingiu boa parte do Brasil nas primeiras semanas de maio levou a temperatura a novos recordes, produziu geada e até neve em algumas regiões. Entretanto, segundo especialistas, o efeito na agricultura brasileira acabou sendo menor que o esperado.

    A notícia é positiva para o setor, que há menos de um ano sofreu com os fortes impactos de uma sequência de geadas entre julho e agosto que destruiu muitas plantações, mas não significa que não é preciso ficar alerta.

    Mesmo com impactos pontuais, a onda de frio de maio foi atípica para o mês, e indicou novamente a necessidade do agronegócio se preparar para eventos climáticos cada vez mais comuns.

    Além disso, novas geadas devem ocorrer nas próximas semanas. O maior risco atualmente para a agricultura, porém, é a falta de chuvas, afirmam especialistas ao CNN Brasil Business.

    Expectativa e realidade

    Felippe Serigati, professor da FGV-EESP, afirma que ainda não há como saber exatamente qual foi o impacto da geada em maio. Mas já foi possível determinar que o fenômeno foi menos intenso que o projetado inicialmente.

    O motivo, segundo ele, é que as geadas tradicionalmente não ocorrem em maio, antes do inverno e quando as temperaturas ainda estão um pouco maiores. Com isso, mesmo no cenário atípico, a força da geada acabou sendo menor.

    “Deve ter tido algum impacto, mas localizado, alguns produtores podem ter tido problemas, mas não representam o todo”, diz.

    Guilherme Bellotti de Melo, gerente da consultoria agro do Itaú BBA, avalia que o estrago não foi grande, em especial se comparado às três geadas consecutivas entre julho e agosto de 2021, que afetaram tanto culturas anuais quanto perenes.

    Foi exatamente o medo de uma reprodução do quadro do ano passado que fez com que os preços de produtos com grande presença no Brasil, como o café, tivessem altas nas negociações de contratos na bolsa de Chicago.

    Encerrado o período de geada, porém, a constatação de um impacto menor já levou a uma redução desses preços, por mais que eles ainda estejam em patamares elevados por outros fatores, como a guerra na Ucrânia.

    Melo considera que, mesmo com perdas de produtividade, o cenário para o setor ainda é “bastante positivo”, graças aos bons níveis de produção e aos preços elevados dos alimentos, ajudando na receita.

    Serigati ressalta, porém, que os danos da geada não costumam ser observados logo de cara, e que o impacto acaba sendo mais de longo prazo, conforme a produtividade da planta afetada vai reduzindo.

    Ou seja, ainda não há como saber a extensão total da geada neste ano. Mesmo assim, ele diz que “tinha um pânico, que não era infundado, mas que não se confirmou”.

    Outros riscos

    Para Melo, mas preocupante que a geada, é o fato de o Brasil estar no segundo ano consecutivo com os efeitos do fenômeno climático La Niña, com algumas projeções apontando o seu fim apenas no início de fevereiro de 2023.

    “É um período atrelado a precipitações menores no Sul e Sudeste, impactando tanto o desenvolvimento das safras de inverno dependendo de quanto deixar de chover, como o trigo, quanto a recuperação de culturas perenes do ano passado”, afirma.

    Ele avalia que o mês de abril já foi mais seco que o normal, e que, caso as chuvas não sejam muito intensas, a recuperação de culturas como laranja e cana-de-açúcar das geadas de 2021 pode ficar prejudicada.

    Falta de chuvas em partes do Brasil representa risco para o agronegócio / Diego Vara/Reuters

    Isso não significa, porém, que o impacto englobaria tudo que é produzido pela agricultura brasileira. Cada produto, ou cultura, possui um ciclo diferente de plantação e colheita, além da divisão em duas safras, a de verão, iniciada em outubro, e de inverno, em março.

    Principal cultura de exportação do Brasil, a soja da safra de verão de 2022 já foi plantada e colhida, mas os efeitos do clima mais seco podem prejudicar a de 2023. O consultor afirma que é importante, principalmente, ficar atento a culturas mais ligadas à safra de inverno, em especial trigo, cana e laranja.

    Serigati diz que a geada mais fraca de maio “não significa que as pessoas estão tranquilas”. Ele ressalta que nessa semana já há alerta de nova geada, e que ela deve ocorrer em um tempo seco, diferente da anterior, mas com expectativa de intensidade fraca.

    A preocupação maior do professor, porém, também é a falta de chuvas. “Estamos precisando de chuva em algumas regiões produtoras, no geral o clima está bastante seco”.

    Ele cita áreas de Minas Gerais, Rondônia e Mato Grosso como as de maior atenção, com potencial para prejudicar safras do trigo e do milho. Nesse sentido, o alerta deve ficar algumas semanas no Centro-Oeste, com expectativa de bons níveis de chuva no Sul.

    Apesar do cenário, o professor reforça que a expectativa de safra recorde para este ano está mantida, e que seria necessário “muita coisa dar errado para isso cair, até porque boa parte já foi produzida, em especial, soja”.

    Por isso, Serigati diz que não há como descartar a possibilidade de alta de preços de alguns produtos caso haja impacto nas lavouras da safra de inverno, que será colhida entre junho e julho.

    Sinal de alerta?

    O analista do Itaú BBA vê o “susto” do mês de maio como um sinal de alerta para a agricultura brasileira em relação ao período de inverno, em especial considerando o que ocorreu em 2021.

    “Esses eventos extremos estão acontecendo com frequência maior, e certamente os produtores, players da cadeia, precisam estar preparados para choques como esse, porque a probidade parece maior”, avalia.

    Já Serigati não considera que a geada seria um alerta ou indicador do que poderá ocorrer nos próximos meses, em especial pensando na próxima safra de verão, já que o cenário ainda está muito incerto e podem ocorrer mudanças nas previsões.

    Entretanto, ele também ressalta que eventos climáticos mais extremos estão ficando mais comuns. “Isso influencia para quebrar safra, encarece produção, o prêmio do seguro fica mais caro”.

    Para ele, o setor está atento ao novo cenário, mas também precisa lidar com outros choques, como o de alta nos custos de produção, abastecimento de fertilizantes e variação cambial. Como ações soladas costumam aliviar esses problemas, mas não os climáticos, o foco pode acabar ficando distante da questão ambiental.

    Melo afirma que o mais importante é estar preparado para o incomum. “Os últimos anos têm ensinando a pensar no risco de forma holística, agora vem de todos os lados, não só de preços, mas também de ruptura de cadeias, desglobalização, pandemia, eventos climáticos”.