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    As ‘lições’ da ex-bilionária Kylie Jenner para marcas que apostam em influencers

    Para minimizar ruídos de uma crise de imagem como a sofrida pela descendente da família Kardashian, empresas devem agir com rapidez, transparência e verdade

    Luís Lima, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Descendente da família Kardashian, Kylie Jenner, de 22 anos, se envolveu em uma crise de imagem na semana passada, ao ter sua fortuna contestada pela Forbes. Após a revista norte-americana identificar uma série de inconsistências em demonstrações financeiras, a influencer perdeu o título de bilionária, que havia conquistado em março de 2019.

    A notícia respingou na Coty, empresa de maquiagens que adquiriu participação majoritária na Kylie Cosmetics, no ano passado: na sexta-feira (29), quando o fato veio à tona, as ações da companhia caíram 13%, a US$ 3,63, ampliando as perdas anuais para 68%, na Bolsa de Nova York.

    O caso acende um alerta sobre os cuidados que empresas e marcas devem ter antes de se associarem a um influenciador ou influenciadora, e como gestionar crises, quando essas parcerias já foram firmadas. No caso de Jenner, ainda que a agora milionária tenha se manifestado publicamente, negando as acusações da revista, as quais considera “imprecisas”, o estrago já havia sido feito, tanto para muitos de seus quase 180 milhões de seguidores, como para parte dos investidores, que tiveram a confiança abalada.

    Para minimizar danos em crises desta magnitude, marcas e empresas devem agir com transparência, verdade e rapidez, atestam especialistas consultados pelo CNN Brasil Business. Em meio à pandemia do novo coronavírus, com mais usuários conectados às redes sociais, a tarefa de se posicionar de forma assertiva se torna ainda mais imperativa.

    Um diagnóstico de possíveis riscos deve integrar o mapeamento prévio, que também avalia o número de seguidores, engajamento e o alinhamento de ideias e valores entre marca e influenciador.

    “Empresas e marcas deviam entender os riscos de associar suas marcas em um mundo tão conectado. A associação com uma personalidade, quando ocorrem problemas podem ser causar danos fortes às marcas com uma velocidade incrível. Deve-se ter um plano de contingência em caso de indícios de crise, e, rapidamente, agir”, diz Eduardo Tomiya, especialistas de marcas.

    A chamada “margem de risco” é o raio-x que calcula o quanto influenciador já se envolveu em temas contraditórios; a capacidade real de engajamento de seus dos seguidores; e, por fim, o quão conturbada é sua vida — ou seja, quão exposto está ao noticiário de fofocas, por exemplo.

    “Esses indicadores nos ajudam a entender o quanto empresas querem se envolver com determinada pessoa ou não (…) Não existe certo e errado, ou juízo de valor, tudo depende da estratégia” explica Tiago Lara, vice-presidente de planejamento estratégico da Leo Burnett Tailor Made

    Empresas como a Spark, especializada em marketing de influência, usam até ferramentas de inteligência artificial para tentar antever possíveis turbulências. “O uso do big data junto ao olhar humano permite a visão de um influenciador em diversos pontos”, diz Raphael Pinho, sócio-diretor da empresa, ao comentar a ferramenta chamada de disaster check (verificação de desastre, em tradução livre), que puxa a ficha de personalidades para elaborar uma estratégia de publicidade o mais sofisticada possível.

    Segundo os publicitários, a relação entre empresas e marcas e influenciadores faz mais sentido dentro de uma estratégia maior, de um pacote de ativações, ou postagens, diluídas em um plano de engajamento até dois anos — com o prejuízo de desgaste à imagem do influenciador que pesa a mão em postagens avulsas. Em estratégias mais duradouras, o influenciador se torna uma espécie de “embaixador” da marca, com postagens regulares, como no caso da cantora Anitta e seu time de parceiras, que integra Samsung, Claro, Cheetos e Skol Beats. 

    “Quando se faz uma escolha criteriosa e com verdadeira sinergia de valores e princípios, os riscos são minimizados. Além disso, é sempre recomendado a elaboração de cartilhas e guidelines, bem como manter um contato próximo, da marca com seus embaixadores”, diz Marcia Esteves, CEO da Lew’LaraTBWA. 

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    Para as empresas, os objetivos, acrescentam, são diversos, e transcendem muitas vezes o impulso de vendas, incluindo, muitas vezes, o aumento de valor agregado de determinadas atribuições pelas quais um influenciador é conhecido, ou mesmo o reforço de campanhas em mídias tradicionais. Entre exemplos bem sucedidos, citam o case da influencer de moda Vivi Guedes, perfil fictício da atriz Paolla Oliveira, que “roubou” seu papel em um anúncio da Fiat, à época da novela “A Dona do Pedaço”, da TV Globo.

    Ainda que feita a lição de casa, alertam, riscos são inevitáveis. Isso porque, no limite, a mídia em questão são as próprias pessoas, que têm acidentes de percurso em sua reputação, invariavelmente.

    Caso recente no Brasil, foi o da influenciadora fitness Gabriela Pugliesi, que deu uma festa durante a quarentena da Covid-19, e recebeu uma enxurrada de críticas, além de sofrer a suspensão de contratos de marcas como Hope, Rappi, Kopenhagen, entre outras.

    Para “dar um tempo”, a influenciadora decidiu desativar sua conta no Instagram, que tinha cerca de 4,5 milhões de seguidores. A suspensão de contratos pode ter causado um prejuízo de até R$ 3 milhões a ela, segundo estimativa da agência Brunch, feita a pedido da Forbes.

    Mercado profissional 

    Para marcas e empresas, o retorno do investimento em influenciadores é cirurgicamente mensurável, atestam os publicitários. Algumas métricas são a quantidade de acessos de links específicos anunciados em vídeos do Youtube ou stories, como são chamados os vídeos de 15 segundos postados no Instagram; ou quantas vezes um código promocional, que geralmente leva o nome do influenciador, ou QR code foi usado por seguidores expostos a determinada publicidade.

    Um segundo passo é verificar o quanto dos acessos se converteram em vendas — se esse é um dos objetivos da ação.

    “Em termos de retorno de investimento, se comparamos com mídias tradicionais, como TV e rádio, pode ser muito mais rentável, com vendas imediatas e perfeitamente metrificáveis”, diz Marcos Hiller, sócio da True Stories e professor da ESPM. “Os influenciadores têm se profissionalizado cada vez mais com diagnósticos precisos de engajamento. Do outro lado, agências de publicidade, as intermediadoras, têm softwares que atendem aos mais diversos objetivos das empresas”, acrescenta.

    Com a profissionalização deste mercado nos últimos anos, e um cardápio vasto de influenciadores, algumas classificações são adotadas. Em termos de número de usuários, há os ‘nanoinfluenciadores’, com até 10 mil seguidores; os ‘micro’, entre 10 mil e 150 mil, e os ‘macro’, a partir de 150 mil.

    Os valores dos cachês oscilam desde permutas, no caso dos pequenos, até um teto de R$ 300 mil por postagem fixa de uma celebridade de alto calibre. Lá fora, esses valores extrapolam a casa dos milhões de dólares ou euros, em casos de personalidades globais, com o jogador português Cristiano Ronaldo, algo raro no Brasil.

    Nas redes sociais, as estratégias de publicidade costumam envolver mais de uma dessas categorias, já que um grande influenciador pode ser usado para chamar a atenção de produto ou serviço, e outros micros, com maior capacidade de engajamento, reforçam a ação entre o seu público fiel.

    Já a contratação acontece por distintas maneiras, com a intermediação de agências de publicidade, tradicionais ou ninchadas, ou diretamente pelo núcleo de comunicação da empresa anunciante. Em momentos de lançamento de produtos ou serviços, os trabalhos das agências ganham protagonismo. 

    Mudanças na pandemia 

    Ainda que a regra seja a clareza quando o assunto é publicidade, uma mudança catalisada pela pandemia foi motivar anúncios mais “naturais” e “autênticos” entre influenciadores. Estudo recente da Socialbakers mostra que no primeiro trimestre de 2020, houve 3.640 postagens de influenciadores com a hashtag #ad e #publi no Brasil, queda de 42% sobre o mesmo período do ano passado.

    Em março, o número de influenciadores em escala global que usaram a hashtag #ad foi de 11.341, o menor desde agosto de 2019 — o que também sinaliza um esfriamento do mercado publicitário, mesmo em meio a anúncios mais baratos.  

    “Durante a pandemia, vimos o quão importante a mídia social se tornou e como é um local ideal para os consumidores descobrirem conteúdos. As pessoas estão gastando mais tempo nas redes sociais consumindo conteúdo, e, ao mesmo tempo, as marcas são forçadas a manter seus orçamentos em resposta à incerteza econômica”, afirmou, em comunicado, Yuval Ben-Itzhak, CEO da Socialbakers.

    Sem poder sair de casa, os brasileiros estão mais críticos e consumindo mais notícias: 81% afirmam que a freqüência aumentou depois da pandemia, segundo pesquisa da MindMiners, encomendada pela Leo Burnett Tailor Made. Os principais canais para acompanhamento de informações são a TV aberta, sites de notícias e redes sociais — que são vistas como “pouco confiáveis”, o que reforça a responsabilidade de influenciadores e empresas ao tratar do tema.

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    Em outra pesquisa do mesmo instituto, 60% dos respondentes afirmam ter aumentado as atividades nas redes sociais. Entre as emoções mapeadas, predominam sentimentos negativos: o emoji mais relacionado é o que aponta angústia, a música mais lembrada foi “O dia em que o mundo parou”, de Raul Seixas, e a cor mais associada ao momento atual foi a cinza, como representação dos sentimentos de resignação e incerteza.

    Em meio a uma sociedade mais sensível, crítica e informada, o silêncio, muitas vezes, é encarado como um posicionamento, com prejuízos potenciais aos “isentos”, que ficam no meio do caminho. “Quando uma marca se associa a um influenciador, tem que ver a crença, a visão de mundo, e questões atuais, como isolamento e cuidados sanitários”, exemplifica Pinho, da Spark. Quanto mais alinhados os perfis, acrescenta, maior chance de sinergia e, portanto, de sucesso. 

    Futuro 

    Entre as tendências deste mercado, há um fortalecimento dos chamadas plataformas de criadores, com discurso e linha editorial bem definidos, e que reúnem coletivos artísticos como Batekoo, de negros LGBTs, Obvious, que trata de felicidade feminina, e KondZilla, de funk, eTastemade, de receitas.

    “É uma forma de ter relação com um público que engaja, ter uma personalização, mas sem depender, necessariamente de uma pessoa, mas de uma rede”,  diz Pedro Tourinho, fundador da Soko, e que trabalha com artistas de peso, como Anitta e Bruno Gagliasso.

    Em meio à chamada “cultura do cancelamento”, os publicitários definem o consumidor atual como mais exigente e engajado, inclusive em causas identitárias, que ganham palco e voz nas redes sociais. Na esteira do movimento #BlackLivesMatter, que teve como estopim a morte nos EUA do negro George Floyd, por um policial branco, os usuários esperam um posicionamento contundente tanto das marcas, como de influenciadores — sobretudo os que têm trajetória de militância por direitos da população preta.

    “Nestes últimos meses, a ficha não só caiu, mas despencou. (…) Vivemos um momento de grande reality check (checagem da realidade, em tradução livre), com pessoas buscando sentido e conexão com a realidade, em falas e atitudes. Quem não tem um pé na realidade, está fora do mercado”, atesta Tourinho.