Após cinco anos, Selic deve voltar aos dois dígitos nesta semana, prevê mercado
Copom realiza nesta semana uma reunião sobre a taxa básica de juros, e projeções são de alta de 1,5 ponto percentual
O Comitê de Política Monetária (Copom) começa nesta terça-feira (1º) a primeira reunião do ano para decidir sobre a taxa básica de juros da economia, a Selic. No mercado, a expectativa é praticamente consensual de uma alta de 1,5 ponto percentual, o que levaria os juros a 10,75% ao ano.
Caso o movimento se concretize, será a primeira vez que a Selic volta à casa dos dois dígitos desde 2017, conforme a autarquia tenta combater uma inflação que fechou 2021 em 10,06%, muto acima do teto da meta do ano passado, de 5,25%.
Ao mesmo tempo, será a oitava alta seguida feita pelo Copom, com a taxa de juros se distanciando cada vez mais do patamar historicamente baixo de 2%, que vigorou entre agosto de 2020 e janeiro de 2021.
Para analistas consultados pelo CNN Brasil Business, os riscos fiscais, uma persistência do processo inflacionário e incertezas externas alimentam a projeção de alta para 10,75%, ao mesmo tempo em que o cenário aponta para a continuidade do processo de elevação por mais algumas reuniões.
Causas
O CNN Brasil Business consultou 11 casas de análises, bancos e associações – Itaú, Banco UBS, Toro Investimentos, Genial Investimentos, BTG Pactual, MB Associados, XP Investimentos, Ativa, ABBC, Suno Research e LCA. Todas projetam uma alta para 10,75%.
Os agentes de mercado consultados pelo Banco Central no Relatório Focus também convergem para essa projeção, e esperam que a Selic termine 2022 em 11,75% segundo o documento desta segunda-feira (31).
O próprio Copom antecipou, no comunicado emitido após a última reunião, em 8 de dezembro, uma alta “na mesma magnitude”, após elevar a Selic em 1,5 ponto percentual. E tanto o comitê quanto o mercado citam causas semelhantes para esse cenário.
Em relatório, os economistas do BTG Pactual afirmaram que, na falta de novidades significativas na comunicação do Banco Central desde a última reunião do Copom, “permanece a mensagem dura emitida em dezembro”.
Para o Banco UBS, o Copom “provavelmente apontará para a inflação atual e as expectativas deterioradas como as principais razões para que sua projeção do IPCA continue acima do alvo oficial, e por isso a necessidade de uma política contracionista”.
Gustavo Sung, economista da Suno Research, afirma que o principal fator de risco que tem influenciado no comportamento do Banco Central é o quadro fiscal do Brasil. Já no segundo semestre de 2021, a visão do mercado de que o governo federal estaria disposto a desrespeitar o teto de gastos trouxe efeitos negativos para a economia, como a alta do dólar, e suas consequências para a inflação.
“A piora da trajetória da dívida e do risco fiscal geram incertezas, eleva o prêmio de risco, pressiona o câmbio e, consequentemente, os preços e os juros”, diz.
É uma análise semelhante à de Yihao Lin, economista da Genial Investimentos, que cita ainda novos riscos ao arcabouço fiscal: a incerteza sobre o reajuste salarial de servidores e o anúncio do governo de quer congelar impostos sobre combustíveis, com a chamada PEC dos combustíveis.
“Ela acaba reduzindo a arrecadação do governo, e tendo um impacto direto nas contas públicas. Então é mais uma ameaça, e o Copom continuará enfatizando esse risco fiscal elevado”, afirma.
O economista também avalia que o comitê deve considerar um cenário de inflação que ainda não desacelerou como o previsto, algo evidenciado pelo resultado do IPCA-15, que indicou um grau “elevado” de disseminação da inflação na economia.
Novos riscos
Além da continuidade do fator fiscal e da disseminação da inflação, os analistas consideram que novidades no cenário devem ser consideradas pelo Copom na reunião desta semana.
Uma delas é a questão dos alimentos. A expectativa no fim de 2021 era de safra recorde e condições climáticas favoráveis, o oposto do que ocorreu no ano passado, quando o clima prejudicou a produção agrícola e fez os preços de alimentos subirem.
Mas o cenário no começo de 2022 surpreendeu negativamente, com um excesso de chuvas ao norte e de calor ao sul afetando as expectativas de produção.
Em relatório, a MB Associados afirma que os “alimentos voltam a ser motivo de preocupação nesse começo de 2022, com quebras importantes de soja e feijão, em que pese as culturas futuras de milho e cana e a produção de carnes ainda terem perspectivas positivas para o ano”.
“É provável que a inflação de alimentos seja menor do que foi ano passado, de 7,9%, mas deverá ser maior que se estimava. Os demais grupos do IPCA devem desacelerar em sua maioria, mas alguns devem sofrer impactos da inflação do ano passado, como saúde e educação”, diz.
Sung, da Suno, cita os reajustes nos alimentos entre os desafios no combate à inflação em 2022, junto a altas nos combustíveis que o consumidor já enfrentou em 2021 e podem continuar neste ano, dessa vez se refletindo também nos preços do transporte público.
“Além disso, a retomada dos serviços, a correção de salários e a melhora do mercado de trabalho podem exercer alguma pressão”, diz.
A retomada do setor de serviços também é citada como um novo fator de pressão inflacionária por Lin. “O setor foi o mais prejudicado pela pandemia e ainda não apresentou reajustes significados nos preços, e acreditamos que ao longo de 2022 essa recomposição deve ser desfavorável para a desaceleração da inflação, tornando esse processo mais lento”.
Para o economista da Genial, também será importante ficar atento a possíveis desdobramentos novos ligados à variante Ômicron, em especial na Ásia, onde a política de tolerância zero à Covid-19 em vários países, como a China, pode levar ao fechamento de portos de escoamento e indústrias.
Isso acabaria atrasando ainda mais a recuperação das cadeias de suprimento e mantendo seus efeitos inflacionários globais.
Outra novidade é a tensão geopolítica na Ucrânia, com a possibilidade de uma invasão do país pela Rússia, e uma resposta de países do Ocidente, aumentando a aversão a riscos no mercado.
“É algo que vem fazendo bastante preço, sobretudo nas commodities mais voláteis, como agrícolas e energéticas. Em um eventual conflito, pode tornar o comportamento dessas commodities bastante volátil, o que tende a prejudicar o processo de desinflação”, diz. Entre essas commodities está o petróleo, cuja alta foi uma das grandes vilãs da inflação em 2021, se refletindo nos combustíveis.
Já considerando as eleições em 2022, Paloma Brum, analista da Toro Investimentos, afirma que “a necessidade de aumento na Selic também é reforçada diante de uma cena fiscal doméstica bastante volátil, típica de ano eleitoral”.
Fechando os novos elementos que o Copom deve considerar, está o movimento global de altas de juros para conter a inflação, com o foco principal nos Estados Unidos, após sinalizações de elevação pelo Federal Reserve.
Sung afirma que “para contrabalancear a fuga de capital e desvalorização da nossa moeda, a autoridade monetária brasileira poderá ter uma postura mais restritiva com a Selic a fim de evitar contaminações do câmbio sobre a inflação”.
Apesar disso, Everton Pinheiro de Souza Gonçalves, superintendente da Assessoria Econômica da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), considera que o processo de desinflação em 2022 pode ser facilitado pelas consequências da Selic elevada.
“A desinflação será favorecida pela perda de tração da atividade econômica, que deve se aprofundar em 2022, não só pelo aumento da taxa básica de juros, mas pelo cenário internacional e incertezas domésticas”, diz.
Já Megale, da XP, afirma que como fator positivo há a dinâmica da taxa de câmbio no começo de 2022. “Apesar da alta dos juros de mercado nos países centrais, a taxa de câmbio brasileira apreciou 3,5% desde o último Copom”.
Ele também cita um cenário hídrico positivo que vem se confirmando, afastando o cenário de crise hídrica que afetou a inflação com as altas na conta de luz em 2021, com a possibilidade de uma redução antecipada da bandeira tarifária nas contas que aliviaria a inflação.
O comunicado
O grande objetivo do Copom, segundo o próprio comitê, é trazer a inflação para dentro das metas de 2022 e 2023, que são de 3,5% e de 3,25% ao ano, respectivamente, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Nesse sentido, o mercado já espera novas altas nas próximas reuniões, mas diverge sobre o grau delas.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, afirma que “a divergência começa a ocorrer para a perspectiva da reunião de março e, consequentemente, para o término do ciclo [de alta]”.
“Há quem diga que já não serão observadas elevações na próxima reunião, mas há também quem diga que a autoridade seguirá até 13,25%, uma alta de 250 pontos-base”.
A expectativa do BTG Pactual é que o Copom não traga em seu comunicado pós-reunião o termo “mesma magnitude” ao se referir às próximas elevações, mas indique elas ocorrerão.
Em relatório, o Itaú afirma que a comunicação deve manter um “tom de perseverança e siga afirmando que o aperto monetário deve avançar em território significativamente contracionista”, mas espera uma redução moderada de ritmo, com alta de 1 ponto percentual na reunião de março.
Lin, da Genial, também espera uma alta de 1 ponto percentual em março, em um processo de suavização da alta da Selic que ainda contaria com altas de 0,5 ponto percentual e 0,25 nas outras reuniões, encerrando o ano em 12,50% ao ano.
Apesar disso, a MB Associados afirma que “o Banco Central está sozinho no combate à inflação este ano. Não há ajuda da política fiscal, o câmbio deverá se manter pressionado com os riscos de juros nos EUA e eleições por aqui”.
O cenário, segundo a analista da economia da CNN Thais Herédia, é que “a taxa de juros acaba pagando muito almoço grátis pelo país afora”, ou seja, novos descontroles fiscais podem reverberar negativamente nas projeções do Copom e na Selic.
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