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    Apesar de marco regulatório do gás, ‘choque de energia barata’ deve levar tempo

    Projeto busca criar condições para destravar oferta de gás e permitir o desenvolvimento da demanda, contando com a redução do papel da petroleira estatal

    Por Luciano Costa e Marta Nogueira, da Reuters

     

     A aprovação nesta semana pela Câmara do novo marco regulatório para a indústria de gás natural foi vista como importante para dinamizar o mercado e aumentar a concorrência, com potencial de reduzir custos finais para o consumidor no médio e longo prazo.

    Mas “um choque de energia barata” com as reformas no setor, como prometido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que falou em queda de até 40% nos preços, ainda deve levar algum tempo, e demandará antes uma série de ações da reguladora ANP e da Petrobras, disseram especialistas à Reuters.

    Entre possíveis compradores de uma esperada maior oferta de gás local e importado estariam indústrias e termelétricas, os principais consumidores do insumo no Brasil, apesar de o projeto não ter definido uma demanda termelétrica garantida. As próprias empresas de distribuição que atendem clientes finais também seriam beneficiadas.

    O projeto aprovado no Congresso, que seguiu para sanção pelo presidente Bolsonaro, busca na essência criar condições para destravar oferta de gás e permitir o desenvolvimento da demanda, contando com a redução do papel da petroleira estatal, que se comprometeu a vender ativos e abrir espaço para concorrentes.

    Na prática, a lei cria segurança jurídica para investimentos na construção de novos gasodutos e ao mesmo tempo abre acesso a terceiros em instalações existentes incluindo também unidades de processamento de gás e de gás natural liquefeito (GNL).

    A reforma também traz mecanismos para regular a comercialização de gás por distribuidoras, produtores, importadores e comercializadores junto a consumidores livres — empresas com grande demanda, como indústrias, que podem fechar contratos diretamente com fornecedores no chamado mercado livre.

    Essa tentativa de fomento às negociações livres é vista como um dos pontos que mais devem favorecer redução de preços para grandes consumidores. Mas o caminho não é simples, uma vez que exigirá reformas regulatórias dos Estados, que definem as regras para distribuidoras de gás, incluindo o acesso ao mercado livre.

    “Os Estados ficam agora com a missão de adaptar a regulação da distribuição para esse contexto. Mas esse processo nos Estados vai ter que acelerar se a gente quiser que o consumidor final tenha benefícios. O propósito disso tudo é viabilizar oferta de gás na ponta, principalmente consumidores livres”, disse Edmar de Almeida, professor da UFRJ.

    Até o momento, apenas Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Amazonas avançaram em mudanças regulatórias que buscam se adaptar ao programa federal de abertura do setor.

    O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que representa empresas de óleo e gás no Brasil e apoiou a nova lei, disse ver o início de uma “longa caminhada”, sem fazer projeções quando os consumidores poderiam ver redução de custos na ponta.

    “Preço é mercado, agora tem as etapas. Hoje o único fornecedor de gás é a Petrobras. Tem que esperar a chegada dos outros, aí tem competição, aí terá reflexo do preço. Precisava da lei”, defendeu o secretário-executivo de Gás Natural do IBP, Luiz Costamilan.

    Atualmente, cerca de 80% do gás natural produzido no Brasil pertence à Petrobras, segundo dados da ANP. O restante é comprado e comercializado por ela.

    A aprovação da lei veio em momento em que há projeção de salto de até 35% a partir de maio nos preços do gás vendido pela Petrobras a distribuidoras, segundo a Abrace, que reúne indústrias com grande uso do insumo.

    “(O marco) é uma solução estrutural para melhor preficicação do gás natural no Brasil. Mas temos ainda um longo caminho para implementação das regras previstas na lei até que sintamos na ponta os frutos da abertura do mercado”, escreveu no Linkedin o coordenador de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon.

    Competição 

    Um passo fundamental para aumentar a oferta e a competição no mercado será o fim da compra pela Petrobras de gás natural junto a parceiros e terceiros, prevista em termo de compromisso (TCC) assinado entre a estatal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2019, disseram os especialistas.

    A visão é de que isso pode levar empresas de óleo e gás a buscar outras alternativas de monetização do insumo, como vendas a comercializadoras ou consumidores, desenvolvendo o mercado.

    Com a liberalização do setor, há expectativa de que volumes importantes de gás do pré-sal possam ser monetizados. Hoje, petroleiras muitas vezes optam por reinjetar o insumo no poço por não encontrar soluções rentáveis de venda no mercado.

    “Esse TCC vai ajudar até mais do que a lei”, disse o sócio da área de gás da Tomanik Pompeu Sociedade de Advogados, Cid Tomanik, ao acrescentar que o novo marco ainda demanda diversas regulamentações pela ANP antes de começar a trazer efeitos, inclusive de regras para acesso a infraestruturas de transporte.

    “Temos ali muita coisa para revisão da ANP, para ela normatizar. Ela vai ter que ter um trabalho duro agora.”

    Ele não estimou quando efeitos da reforma poderiam chegar na ponta, mas disse ver como viável redução de ao menos 30% nos preços à medida que a comercialização de gás ganhe dinamismo.

    “Eu vejo redução quando quem comercializa passa a ser outras empresas. Antes tinha a Petrobras. Aí começa a movimentar a coisas, começa a ter competição”, concordou o consultor da área de gás Anton Schwyte, sócio-diretor da Energia9.

    Por outro lado, acrescentou ele, o recente agravamento da pandemia de coronavírus no Brasil pode postergar investimentos em relação às expectativas iniciais do governo e do mercado.

    O ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque disse que o novo marco poderia gerar investimentos de 40 bilhões de reais.

    “A minha dúvida é, com a pandemia, em que velocidade isso vai acontecer. Que vai, irá, mas creio que a princípio irá ficar em transações entre gigantes”, disse Anton.

    Para ele, os primeiros beneficiados serão grandes consumidores de gás que possam atuar no mercado livre, enquanto clientes residenciais demorariam mais a sentir algum efeito.

    “Todas experiências de liberalização de mercado mostram isso. Primeiro liberaliza, aí vai um período de transição, entram os caras grandes. Depois os médios e depois os pequenos.”

    Com a expectativa da reforma, o Brasil já tem visto uma aceleração no registro de novas comercializadoras de gás, e mais recentemente grandes empresas têm conseguido autorizações da ANP para importar o insumo diretamente da Bolívia.

    Também tem havido movimentação de empresas de óleo e gás para trazer o insumo mirando vendas no mercado brasileiro –a Shell recebeu nesta semana autorização para importar até 36,5 milhões de metros cúbicos em GNL até 2024.

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