Ações da Eletrobras fecham com desvalorização de 4,5% após precificação
Para analistas, movimento está ligado mais a um cenário desfavorável na bolsa, apesar de papel ter sido precificado abaixo do fechamento anterior
As ações preferenciais da Eletrobras ficaram entre as principais quedas do Ibovespa nesta sexta-feira (10), um dia depois da estatal divulgar o valor precificado na realização de ofertas primária e secundária, para concluir o seu processo de capitalização.
Neste pregão, a ação ordinária (ELET3) recuou 4,74%, a R$ 41. Já a ação preferencial classe B (ELET6) teve queda de 6,59%, a R$ 39,70.
Heitor Martins, especialista em Renda Variável na Nexgen Capital, afirma que a queda envolve um ajuste natural devido à diferença entre o preço definido de R$ 42 e o fechamento na sessão anterior, de R$ 43.
Entretanto, ele avalia que o recuo é puxado principalmente pelo fluxo negativo no mercado como um todo nesta sessão, após a divulgação da inflação dos Estados Unidos em maio, acima do esperado.
“Não há nenhuma visão ruim sobre a empresa, então o principal fator é mais fluxo e o mercado tentando se ajustar ao preço de ontem e tentando achar no curto prazo um preço que se adeque ao que foi precificado”, diz.
Já Flavio Conde, analista de ações da Levante Investimentos, afirma que o problema não é a empresa em si, mas sim o mercado, que está em uma “época muito ruim, que deve levar a novas quedas devido às altas de juros pelo mundo”, e portanto desfavorável para ações na bolsa.
“A ação já subiu 40% com o Ibovespa subindo 6% neste ano, metade da valorização com a privatização já estava precificado. Valeria R$ 60 privatizando, mas só depois dos novos controladores fazerem muitas coisas na empresa durante alguns anos. O mercado antecipou parte disso, mas o cenário agora está difícil”, ressalta.
Ele avalia que não seria a primeira vez que uma ação cai apesar das altas expectativas em torno de uma grande operação realizada pela empresa, citando como exemplos as ofertas públicas iniciais (IPOs) do Nubank e da Raízen.
“Muitas vezes ocorre uma precificação excessiva baseada em projeções que tornam os ativos mais caros do que deveriam estar, e então resultam em quedas”, diz.
Alexandre Kogake, analista da Eleven Financial, afirma que a precificação abaixo do valor de fechamento “acontece na maioria das ofertas, já que tem um desconto para quem entra no oferta”.
Ele também associa a queda ao desempenho do mercado como um todo nesta sessão, mas destaca que, aparentemente, alguns investidores institucionais não se interessaram pelo valor de R$ 42 por ação.
Da origem à privatização: entenda a história da Eletrobras
- 1 de 15Apesar de a discussão ter reacendido recentemente, não é a primeira vez que a privatização da Eletrobras vira tópico de debate na política e sociedade. Conheça a história da companhia, da sua criação até a MP 1.031/2021 Crédito: REUTERS/Brendan McDermid/File Photo
- 2 de 15Em 1961, o presidente Jânio Quadros assinou a Lei 3.870-A, que autorizava a construção das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. A instalação da empresa ocorreu oficialmente em 1962, pelo presidente João Goulart—nascia, então, a Eletrobras Crédito: Agência Brasil
- 3 de 15Após a posse do presidente Fernando Collor de Mello em 1990, foi anunciado o “Plano Brasil Novo”, que instituiu, entre outras medidas, a MP 155/90. Ela implementava o Programa Nacional de Desestatização (PND) que, como o nome já diz, visava transferir atividades exercidas pelo setor público ao setor privado Crédito: Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil
- 4 de 15A Eletrobras foi incluída no plano, e as reformas institucionais e privatizações na década de 1990 acarretaram a perda de algumas funções da estatal e mudanças em seu perfil. Ela só foi removida do PND em 2004 --e adicionada novamente em 2021 Crédito: REUTERS/Mike Blake
- 5 de 15Em 2012, a MP579 mudou completamente o rumo da companhia. A medida provisória propunha a renovação antecipada de uma série de usinas hidrelétricas, com a condição do regime de cotas Crédito: George Becker/Pexels
- 6 de 15Isso significa que a empresa passa a ser obrigada a vender energia pelo preço que cobria basicamente o custo de operação e manutenção daquelas plantas. Quando não estão submetidas a ele, o preço de mercado da energia elétrica cobrados pelas usinas chega a R$180/MWh. Nas usinas que estão sob o regime, o valor fica em torno de R$60/MWh. Na Eletrobras, cerca de 40% da energia vendida acabava saindo por esse preço Crédito: REUTERS/Pascal Rossignol
- 7 de 15Além disso, a MP cortou cerca de 70% das receitas da companhia em transmissão. Isso provocou uma queda de R$10 bilhões no faturamento da Eletrobras, que somadas à crise econômica e ambiental, quase levaram a empresa à falência. Crédito: Pixabay
- 8 de 15Em 2016, Wilson Ferreira Júnior, CEO escolhido pelo então presidente Michel Temer, melhorou o cenário da empresa com um projeto de "turnaround" Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
- 9 de 15Ele demitiu cerca de 53% dos funcionários da companhia, reduziu para menos da metade o número de subsidiárias e ordenou a venda das distribuidoras de energia da empresa --a medida mais polêmica do projeto. Isso fez com que o PMSO— ou seja, as despesas gerenciáveis da empresa com pessoas materiais, serviços e outros— fosse de RS$ 12 bilhões em 2016 para RS$ 9 bilhões em 2020 Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
- 10 de 15Em 2018, a empresa volta a ser tópico de discussão em todo o país: Temer deu o primeiro passo legal para a privatização da empresa, enviando ao Congresso o PL 9463/2018. Ele argumentava que a Eletrobras estava perdendo espaço para a iniciativa privada e, diante do acúmulo de dívidas, tornava-se custosa para a sociedade. O projeto ficou parado e nem sequer chegou à fase de votação Crédito: Isac Nóbrega/PR
- 11 de 15O presidente Jair Bolsonaro (PL) reacendeu a discussão em 2019, com o PL 5877/2019. Esse projeto buscava demonstrar, assim como o anterior, o decaimento da estatal, sua perda de espaço no mercado e seus custos ao contribuinte. Mas ele também ficou parado no Poder Legislativo Crédito: 16/1/2021REUTERS/Adriano Machado
- 12 de 15Em 2021, em um cenário que o governo julgou de relevância e urgência, a MP 1.031/2021 foi editada. Na foto, vemos o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da MP Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
- 13 de 15A ideia é a seguinte: a Eletrobras é uma empresa de capital misto. Como o governo detém 60% de seus papéis, ela é considerada uma empresa estatal. A MP propõe reduzir a participação da União para menos de 50%, por meio da venda de novas ações no mercado Crédito: Alan Santos
- 14 de 15A capitalização da Eletrobras foi aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo foi finalizado em junho de 2022, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões Crédito: 3/01/2019REUTERS/Pilar Olivares
- 15 de 15Hoje, a Eletrobras é responsável por 1/3 da energia elétrica do Brasil. Ela detém 43% das linhas de transmissão, e cerca de 29% da geração de energia do país –fazendo dela a maior companhia do setor elétrico da América Latina Crédito: Reuters
Precificação
Divulgado na última quinta-feira, o valor precificado para as ações da Eletrobras foi de R$ 42. O preço mínimo estabelecido pelo governo federal para as ações foi mantido em sigilo, mas segundo o fato relevante divulgado pela empresa, a precificação atingiu um valor igual ou superior ao mínimo determinado.
Segundo o documento, o preço por ação fixado envolve um montante total de R$29,29 bilhões, acima dos R$ 22,05 bilhões caso o preço mínimo tivesse sido seguido. Considerando o lote suplementar que será ofertado, o total chega a R$ 33 bilhões.
Ao todo, serão ofertadas 627.675.340 milhões de ações novas, em uma oferta primária, e 69.801.516 milhões de ações que pertencem ao BNDESPar, em uma oferta secundária. As operações ocorrerão ao mesmo tempo na bolsa brasileira, a B3, e na de Nova York na próxima segunda-feira (13).
Na bolsa norte-americana, serão ofertados recibos de ações, os chamados ADRs, que foram precificados em US$ 8,63.
Com o processo, o governo abre mão de ser o acionista controlador da Eletrobras e passará a ter 45% do capital acionário ante os 72,2% atuais. Entretanto, terá o chamado “golden share”, um mecanismo que permite que ele vete decisões que possam ir contra o interesse nacional.
O processo de capitalização da Eletrobras foi iniciado em 2021, e passou alguns meses parado enquanto aguardava a aprovação pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão aprovou tanto o modelo da capitalização quanto as estimativas de movimentação total com a operação, na casa dos R$ 67 bilhões.
Desse total, R$ 25,3 bilhões são em outorgas pagas ao Tesouro Nacional pelo direito do uso das usinas hidrelétricas da Eletrobras. Outros R$ 32 bilhões serão para a Conta de Desenvolvimento Energética (CDE), com o objetivo de aliviar as contas de luz a partir de 2023.