A verdadeira revolução do carro autônomo está longe de acontecer
Montadoras estão implantando tecnologias que permitem que os motoristas retirem completamente as mãos do volante e afastem os pés dos pedais por longos períodos
Em 2021, novas tecnologias irão permitir que mais motoristas tirem as mãos do volante enquanto estão dirigindo. Mas isso não significa que seus carros serão totalmente autônomos. Esse dia, aliás, ainda está num futuro distante.
Montadoras como a General Motors (GM), Ford (F) e Stellantis (a empresa formada com a recente fusão de Fiat Chrysler e Groupe PSA) estão implantando (ou atualizando) tecnologias existentes que permitem que os motoristas retirem completamente as mãos do volante e afastem os pés dos pedais por longos períodos. Os sistemas, porém, ainda serão limitados em suas capacidades.
Os motoristas ainda deverão prestar atenção constante à via, por exemplo. Nas palavras de especialistas em condução automatizada, esses sistemas são “sem os pés” e “sem as mãos”, mas não “sem os olhos” ou “sem a mente”.
Por enquanto, tais sistemas só serão usados em vias expressas com acesso limitado por rampas de entrada e saída. Nelas, não há pedestres, ciclistas ou caminhões estacionados em fila dupla. Veículos com esta tecnologia poderão percorrer nesses locais em velocidades relativamente altas, mas apenas em situações de tráfego simples.
Bryan Reimer, pesquisador de transporte do AgeLab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), disse que levará décadas até que as pessoas possam comprar carros verdadeiramente autônomos, nos quais os humanos andam apenas como passageiros.
Até então, as pessoas experimentarão níveis maiores de “direção colaborativa”, na qual seres humanos ainda desempenham um papel crítico, supervisionando os computadores e as máquinas que operam o veículo e dirigindo em situações complexas.
De olho na pista
Ainda assim, a tecnologia que será lançada pelas principais montadoras em 2021 fará mais do que a maioria dos chamados Sistemas Avançados de Assistência ao Motorista, ou ADAS, fazem agora.
Considerado um dos sistemas mais avançados da atualidade, o Autopilot, o piloto automático da Tesla, ainda requer que os motoristas segurem regularmente o volante, mesmo que o carro se mantenha na faixa, mude de faixa e até mesmo pegue rampas de cruzamento de rodovias por conta própria. Os sistemas de assistência ao motorista em carros de outras montadoras, como Mercedes, BMW, Audi e Nissan, também exigem que os motoristas segurem regularmente o volante.
O sistema Super Cruise da GM permite que os motoristas soltem completamente o volante enquanto dirigem em rodovias selecionadas. Ele foi introduzido em 2017 no sedã Cadillac CT6, que foi descontinuado no ano passado. Uma versão melhorada está chegando este ano no SUV Cadillac Escalade e nos sedãs Cadillac CT4 e CT5.
O Super Cruise irá lidar com as mudanças de faixa por conta própria quando solicitado pelo motorista usando o sinal de mudança de direção. Também será mais fácil ligar o sistema, segundo a GM.
O Super Cruise só funciona em rodovias previamente mapeadas a laser em três dimensões pela empresa. Os dados de mapa 3D detalhados são então combinados com mapas digitais “regulares” para permitir que os veículos permaneçam em suas pistas mesmo enquanto navegam nas curvas e evitam outros veículos. O posicionamento do GPS e os sensores de radar e câmeras dos veículos são usados para permitir que os motoristas tirem as mãos – e os pés – de todos os controles.
Os motoristas ainda precisam prestar atenção, no entanto. Uma câmera acima do velocímetro e do tacômetro garante que o motorista esteja olhando para a estrada o tempo todo. Ou, pelo menos, quase o tempo todo. Se o motorista desviar o olhar da estrada por mais de alguns segundos, o sistema irá parar de funcionar.
A medida é importante porque o Super Cruise, como outros ADAS, não se destina a substituir um motorista humano, e sim para aliviar o motorista das tarefas simples como manter uma posição na pista e evitar outros carros. Mas pode ser tentador pensar que a máquina tem tudo sob controle.
“Nós somos humanos. Podemos pensar assim, ‘ah, não estou mais totalmente envolvido nisso. Sabe, acho que vou confiar na automação um pouco mais do que deveria’, até que algo dê desastrosamente errado”, afirmou Reimer, do MIT.
Acidentes fatais aconteceram quando os motoristas da Tesla ignoraram avisos para manter as mãos no volante enquanto usavam o Autopilot. Com o Super Cruise, segundo Reimer, a GM fez um bom trabalho de proteção contra a desatenção do motorista, exigindo que os motoristas vigiem a estrada. Os carros da Tesla não possuem o mesmo tipo de monitoramento de motorista dentro do carro.
A Consumer Reports classificou o sistema Super Cruise como o melhor e mais seguro dos ADAS testados, principalmente por causa da câmera voltada para o motorista, disse Kelly Funkhouser, chefe de veículos conectados e automatizados da organização de defesa do consumidor. Segundo ela, o Autopilot da Tesla teria classificação superior ao Super Cruise se os veículos da Tesla também monitorassem diretamente a atenção do motorista.
Um sistema semelhante, chamado Active Drive Assist, será introduzido pela Ford no novo F-150 e no Mustang Mach-E. A Stellantis, que fabrica veículos Jeep, oferecerá seu próprio sistema de direção sem as mãos no novo Jeep Grand Cherokee L ainda este ano. O sistema também parece que funcionará basicamente da mesma maneira que o Super Cruise, embora a Stellantis não tenha revelado detalhes técnicos ainda.
Muito bom para ser verdade?
Os sistemas de direção sem as mãos são provavelmente o mais próximo que os compradores de automóveis chegarão de um veículo autônomo real por muito tempo, apesar de alguns fabricantes de automóveis afirmarem o contrário.
A Tesla disse que vai lançar seu software de direção autônoma completo no início deste ano e já tem feito teste beta de uma versão. Mas a afirmação de Tesla foi recebida com ceticismo por muitos. A Tesla já ultrapassou vários de seus prazos autoimpostos antes e há dúvidas se a tecnologia será de fato “self-driving”.
“Eles com certeza vão exagerar em seus recursos”, contou Funkhouser.
A Tesla afirmou que seu software Full Self-Driving, que adiciona recursos para piloto automático, permitirá que um veículo se conduza sozinho mesmo em ambientes urbanos.
Por enquanto, a Tesla ainda avisa que os motoristas devem prestar atenção em todos os momentos enquanto qualquer um dos sistemas de assistência ao motorista de seus veículos estiver funcionando.
Reimer disse que os sensores nos carros da Tesla simplesmente não permitirão uma direção autônoma genuína em ambientes complexos em breve. Especificamente, faltam aos carros da Tesla os sensores lidar que a maioria dos especialistas afirma serem necessários para um verdadeiro carro autônomo. O lidar reflete a luz do laser nos objetos ao redor e cronometra o tempo que as ondas de luz levam para retornar ao sensor. Desta forma, ele constrói uma imagem tridimensional do entorno de um veículo momento a momento. O radar faz a mesma coisa com as ondas de rádio, mas o lidar fornece uma imagem muito mais detalhada.
“Para completar a habilidade, para obter o que eu chamaria de um modelo robusto e confiável do ambiente ao redor do veículo, seria preciso adicionar uma quarta tecnologia de detecção, além de câmeras, radar e ultrassom”, disse Kay Stepper, vice-sênior presidente de direção automatizada e engenharia de assistência ao motorista da Bosch, fornecedora de peças automotivas. “Agora, é preciso adicionar o lidar”.
Reimer, do MIT, concorda. Sem a precisão do lidar, simplesmente não é possível liberar completamente os humanos da tarefa de dirigir.
“Fazer isso com sucesso nove entre dez vezes é provavelmente viável”, opinou. “Agora, fazer isso de forma confiável o suficiente para que eu esteja disposto a andar na rua [com esses carros por perto] é uma outra história”.
Os sistemas sem as mãos da GM e da Ford não usam sensores lidar, mas ainda exigem que um motorista humano preste atenção o tempo todo.
A Tesla, que geralmente não responde às perguntas da mídia, não respondeu aos emails e ligações sobre seus planos para seu sistema Full Self-Driving. O CEO da Tesla, Elon Musk, disse no passado, porém, que o sistema será confiável e seguro graças ao software de inteligência artificial avançado que “aprendeu” com os milhões de quilômetros percorridos pelos veículos da Tesla. Com a permissão dos motoristas, o software autônomo da Tesla é executado continuamente em um “modo de sombra” de fundo.
“Eles não vão lançar um produto totalmente autônomo por algum tempo, possivelmente vários anos, barrando grandes avanços”, disse Brad Templeton, um consultor da indústria de direção autônoma, sobre a Tesla. “Mesmo se tiver um grande avanço, não será neste ano ou no próximo”.
Funkhouser apontou para outros avanços recentes da Tesla, como dar aos seus carros a capacidade de reconhecer e responder aos semáforos e sinais de parada. Nos testes da Consumer Reports, ela disse que a tecnologia não era confiável, falhando em parar em alguns sinais de parada e, em seguida, parando desnecessariamente em alguns sinais de rendimento. Ela espera que o Full Self-Driving seja algo semelhante.
“Acho que veremos um pouco mais desse tipo de coisa enganosa que não é de fato muito útil”, disse ela.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).