BC, Vale e Eletrobras: as trincheiras de Lula no Brasil que mudou
Presidente critica empresas e autarquia sobre as quais não tem mais controle e influência — e sente falta
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece não entender que algumas coisas mudaram desde que chefiou o país pela última vez.
Apenas na última semana, Lula desancou em mais de uma ocasião o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e criticou a Vale, alegando demora no pagamento da indenização dos moradores de Mariana e Brumadinho (ambas em MG).
“Quero ver o estrago que a Vale fez na cidade de Brumadinho. Quero ver o que foi feito em Mariana. O estrago que fez no rio, se vai recuperar. A Vale está muito quietinha e ela sabe que tem que pagar”, afirmou o presidente na última semana.
“Estou predisposto a negociar a dívida da Vale. Não com Minas Gerais. A dívida do povo da região, que foi solapada pelas barragens”, já havia afirmado no mesmo dia.
Para além das críticas à Vale e ao Banco Central, Lula já havia disparado sua metralhadora verbal contra a Eletrobras — privatizada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Durante a posse de Magda Chambriard como nova presidente da Petrobras, o presidente lamentou a privatização da companhia de energia.
“A gente poderia estar melhor. A gente poderia ter aqui do nosso lado a Eletrobras, que era a maior empresa de energia do nosso país. A gente poderia ter do nosso lado a Vale que foi privatizada e rifada para diferentes fundos. E não tem um dono para você conversar”, disse.
Desde que voltou à Presidência, Lula parece não assimilar que não tem a mesma influência em empresas e autarquias em que, outrora, mandava e desmandava.
Mesmo privatizada desde 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), desde a primeira gestão petista, a Vale desenvolveu seus sistemas de governança e profissionalizou a escolha de seus CEOs — consequentemente, diminuiu a influência dos governos em seus trabalhos.
Hoje, o poder público mantém sua autonomia ingerência por meio da Previ, o fundo de previdência de funcionários do Banco do Brasil, que tem 8,7% de participação na mineradora.
Era por meio das cadeiras destinadas à Previ que Lula procurou chancelar seu ex-ministro Guido Mantega ou o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Paulo Caffarelli à presidência da Vale.
O governo Lula chegou a cogitar rever a privatização da Eletrobras. Comunicada da impossibilidade política e do grave impacto no mercado, a atual gestão deu passos atrás na empreitada.
À CNN, em maio do ano passado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou ter preocupação com as intenções do governo sobre isso.
“Essas questões de rever privatização preocupam”, disse Lira na ocasião. “Você pode não propor mais nenhuma privatização, mas mudar um quadro que já está jogado e definido, e com muitos grupos, muitos países investindo, realmente causa ao Brasil uma preocupação muito forte”.
Em dezembro, Lula terá a prerrogativa de indicar um sucessor ao mandato de Campos Neto à frente do Banco Central.
A expectativa do mercado é de que o presidente indique alguém com responsabilidade em relação à política monetária do país — Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária do BC e ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda de Fernando Haddad é o melhor posicionado no momento.
Para além das justificativas para um crescimento abaixo das expectativas desenhadas pela própria gestão, Lula precisa entender que suas críticas ao Banco Central e a empresas privatizadas apenas afugentam investimentos e impactam exatamente aquele que o presidente diz defender: os mais pobres. Lula precisa entender que o Brasil mudou desde que foi presidente. E ainda bem.