Análise: Fidelidade de Lula e José Dirceu abre nova frente de crise no PT
Neste terceiro mandato, Lula garantiu — ou tentou — espaço para todos os que se provaram fiéis a ele durante os dias mais duros vividos por ele e pelo partido
Enquanto o Partido dos Trabalhadores se reúne para tratar de renovação, o ex-ministro José Dirceu trabalha para voltar a ser candidato à Câmara dos Deputados.
Depois das eleições municipais que desnudaram a dificuldade do PT e da esquerda de dialogar com boa parte do eleitorado, a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular os processos contra Dirceu no âmbito da Operação Lava Jato, abre precedente para uma nova crise no partido.
Não se pode dizer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é um homem leal. Neste terceiro mandato, Lula garantiu — ou tentou — espaço para todos os que se provaram fiéis a ele durante os dias mais duros vividos por ele e pelo partido.
Aloizio Mercadante foi elevado a presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A deputada Gleisi Hoffmann mantém-se na presidência do PT. Lula tentou e tentou, mas não conseguiu emplacar Guido Mantega, seu ex-ministro da Fazenda, no cargo de presidente da Vale. Dilma Rousseff ocupa a cadeira de presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o Banco dos Brics.
Aqueles que protagonizaram delações premiadas que serviram para achacar a imagem do PT, porém, ficaram pelo caminho. Ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci foi esquecido pelo presidente neste novo mandato concedido pela população a Lula. Um dos homens mais importantes do governo e o elo da gestão petista com o mercado, Palocci entregou supostos desmandos da ex-presidente Dilma, ex-ministros, governadores, além de deputados e senadores do partido.
Se mantiver a coerência, livre e com os direitos políticos restaurados, José Dirceu terá a mesma boa vontade de Lula em relação à continuidade de sua trajetória neste governo Lula 3 — o que abre precedente para uma nova crise no partido.
Dirceu manteve-se impávido e jamais abriu mão de defender Lula e negar qualquer irregularidade trazida pela Lava Jato durante as gestões, mesmo encarcerado.
Nestas eleições municipais, enquanto o centro, a centro-direita e a direita reinaram impávidos, o PT amargou um resultado aquém do esperado — ainda mais com a máquina federal na mão. O partido conquistou apenas uma capital, em Fortaleza — em votação apertada contra o PL encabeçado por Jair Bolsonaro.
O PT levou o comando 252 cidades em 2024, alta de 38% em relação a 2020. O pleito mais bem-sucedido, porém, ocorreu em 2012, quando o PT fez 624 prefeitos.
Enquanto o PT reunia-se em São Paulo para tratar-se no divã e lavar roupa suja, outro partido de esquerda, o PSB, comemorava bons resultados. Em São Paulo, Tabata Amaral conquistara um desempenho sólido enquanto, no Recife (PE), uma liderança de 30 anos comemorava uma reeleição em primeiro turno, com mais de 71% dos votos.
Modernizada e revigorada, essa nova esquerda desponta como a solução para que o campo progressista não caia no ostracismo. Novas estratégias de comunicação — como adotadas pela direita —, a condenação de regimes autoritários como o da Venezuela e o diálogo com o setor produtivo passam pela renovação da capacidade do diálogo da esquerda com os anseios do povo.
Assim, o Partido dos Trabalhadores parece hesitar entre olhar para frente ou manter um pé fincado nas memórias dos anos 1960. Enquanto Lula se mantém fiel aos seus — mais leal a eles que ao próprio tempo —, surge uma nova geração de lideranças que vê na renovação a chave para o progresso. Resta saber se o PT encontrará forças para virar a página ou se insistirá, como diria Dirceu, em “voltar ao jogo”, mesmo que seja o mesmo de sempre. Afinal, como dizem: para quem se recusa a mudar, o futuro sempre parecerá coisa do passado.
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