CNJ envia para STF e PGR relatório que cita conluio na Lava Jato para desviar R$ 2,5 bilhões
Documento será compartilhado com Dias Toffoli, relator de ações no STF que apontam irregularidades na Lava Jato, e enviado para PGR avaliar se dá continuidade às investigações na área penal
A Corregedoria Nacional de Justiça determinou o envio ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) de um relatório que concluiu haver conluio entre procuradores e juízes que atuaram na Lava Jato para desviar R$ 2,5 bilhões de recursos públicos.
O documento, de 10 de abril, constata que o senador Sergio Moro (União-PR), o ex-deputado Deltan Dallagnol e a juíza afastada Gabriela Hardt atuaram para desviar cerca de R$ 2,5 bilhões do estado brasileiro com o objetivo de criar “uma fundação voltada ao atendimento a interesses privados”. Os três negam as suspeitas.
O relatório é assinado pelo delegado da Polícia Federal Élzio Vicente da Silva que atua em apoio à Corregedoria Nacional e complementa a correição extraordinária realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba, que foi comandada por Moro.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou o documento na última sexta-feira (7). O ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional da Justiça, determinou nesta terça-feira (11) o compartilhamento do relatório com Dias Toffoli, relator no STF de ações que apontam irregularidades na condução de investigações na Lava Jato.
Salomão também ordenou o envio do relatório aprovado pelo CNJ para a PGR para que o procurador-geral, Paulo Gonet, avalie dar continuidade às investigações contra os magistrados e o ex-procurador na área criminal.
A partir da inspeção realizada pela Corregedoria, Salomão afastou a juíza Gabriela Hardt, o juiz Danilo Pereira Júnior e os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Dias depois, o CNJ manteve o afastamento de Thompson Flores e Loraci Flores e revogou a decisão que afastou Gabriela Hardt e Danilo Pereira Júnior. Na última semana, além de aprovar o relatório, o CNJ decidiu pela abertua de processo administrativo disciplinar contra os quatro magistrados.
A atuação em conjunto para tentar desviar recursos públicos teria acontecido, de acordo com o relatório produzido pelo delegado, entre 2016 e 2019, na cidade de Curitiba (PR). O grupo teria tentado desviar os recursos por meio de um conjunto de “atos comissivos e omissivos” e com auxílio de agentes públicos americanos, de dois gerentes da Petrobras e de outros representantes da estatal.
O delegado narra que o caso teve início a partir da instauração de um processo sigiloso por Sergio Moro em 2016. A abertura do processo restrito à 13ª Vara, à Petrobras e integrantes da força-tarefa da Lava Jato “foi feita especificamente para permitir o repasse não questionado de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência para a conta da Petrobras, alimentando a empresa com o dinheiro dos acordos”.
De acordo com o delegado, os objetivos da fundação que seria criada já indicavam que a constituição do ente privado e a gestão dos recursos seriam mais um expediente dentro de um conjunto de ações com foco no protagonismo pessoal.
“O que favorecia a projeção individual inclusive no campo político, em convergência com o fim primeiro da fundação que seria criada: a promoção da ‘formação de lideranças e do aperfeiçoamento das práticas políticas’. A pessoalidade de todo esse esforço foi posteriormente concretizada pela migração do então juiz Sergio Moro e do então procurador Deltan Dallagnol para a atividade político-partidária”, diz o relatório.
O relatório diz que o governo dos Estados Unidos obteve irregularmente provas contra a Petrobras sem que os procuradores da Lava Jato tentassem impedi-lo. O delegado narra que essas provas subsidiaram o governo americano na construção do caso criminal contra a Petrobras.
De acordo com o delegado, os argumentos lançados pelo Departamento de Justiça dos EUA “foram obtidos por meio de ações realizadas em território brasileiro que não seguiram o Código de Processo Penal pátrio, em razão de flexibilização no cumprimento do sistema normativo por integrantes da força-tarefa”.
O documento, ao citar ilegalidades do processo, menciona que exigências legais foram flexibilizadas para que as oitivas fossem conduzidas da maneira mais adequada aos interesses das autoridades americanas, apesar de formalmente presididas por procuradores brasileiros.
O delegado responsável por elaborar o relatório sustenta que o desvio do dinheiro só não se consumou em razão de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental.
O ministro, de acordo com ele, suspendeu “todos os efeitos da decisão judicial proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, que homologou o Acordo de Assunção de Obrigações firmado entre a Petrobras e os Procuradores da República no Paraná (Força-Tarefa Lava-Jato), bem como a eficácia do próprio acordo”.
O que dizem as defesas
O senador Sergio Moro afirmou, por meio de nota, que todos os valores foram devolvidos diretamente de contas judiciais da 13ª Vara de Curitiba para a Petrobras, “vítima inequívoca dos crimes apurados na Operação Lava Jato”, “sem que nenhum centavo tenha sido desviado”.
A nota diz que o mesmo procedimento foi adotado pelo STF na ocasião. O texto diz ainda que Moro deixou o tribunal em outubro de 2018, antes da constituição da fundação cogitada e que jamais participou da discussão ou consulta a respeito dela.
“A especulação de que estaria envolvido nessa questão, sem entrar no mérito, não tem qualquer amparo em fato ou prova, sendo mera ficção”, diz a nota do senador.
O ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallanol classificou o documento como “obra de ficção científica”. “Esse relatório não passa de uma grande teoria da conspiração vergonhosa de que a Lava Jato estaria devolvendo o dinheiro para a Petrobras para que esse dinheiro voltasse pra própria força-tarefa por meio de um acordo entre ela e a Petrobras”, afirmou.
Dallagnol considera a hipótese levantada pelo delegado em seu relatório absurda. “Primeiro, devolver o dinheiro para a vítima, para a Petrobras é o certo, queriam o quê? As devoluções de recursos para a Petrobras, na condição de vítima, aconteceram em cerimônias públicas com total transparência acompanhadas pela imprensa”, disse.
“Em segundo lugar, oito órgãos públicos consideraram que o acordo feito entre a força-tarefa e a Petrobras foi legal e legítimo e o CNJ não refutou uma linha de suas decisões, aliás esse acordo que permitiu que bilhões ficassem no Brasil”, afirmou Dallagnol.
O ex-procurador disse achar inacreditável o fato de o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, querer fazer a população acreditar que a extinta operação errou ao devolver dinheiro que havia sido roubado da Petrobras para a própria estatal.
“Ficaram meses nos investigando para nos acusar de quê? De ter devolvido o dinheiro para a vítima, a Petrobras? E por um acordo ainda que são fatos públicos desde cinco anos”, disse.
“O que o CNJ está fazendo é virar a lei do avesso, enquanto o STF livra os corruptos, quem é punido são o juízes e procuradores que combateram a corrupção no Brasil”, concluiu.
A defesa do magistrada Gabriela Hardt foi procurada, mas não respondeu.