Análise: TSE sob Cármen Lúcia deve seguir linha-dura, mais discreto e com menos articulação política
Presidência de Cármen e chegada de André Mendonça impactam correlação de forças internas e forma como tribunal se relaciona com demais instituições e é visto por atores políticos
A ministra Cármen Lúcia assume a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta segunda-feira (3) trazendo com ela seu perfil discreto, linha-dura e de menos articulação política na comparação com Alexandre de Moraes.
André Mendonça ficará com a cadeira ocupada por Moraes, que deixa a Corte. As mudanças impactam a correlação de forças internas do tribunal e a forma como o TSE se relaciona com as demais instituições e é visto pelos atores políticos.
Cármen Lúcia vai chefiar o TSE pelos próximos dois anos. Assume o tribunal com a missão de comandar as eleições municipais de outubro e entrega a Corte a Nunes Marques em 2026 para o pleito presidencial. O ministro será seu vice até lá.
O maior desafio em sua gestão será chefiar a instância máxima da Justiça Eleitoral em meio a disputas que devem ser marcadas pela proliferação de conteúdos falsos e criados por meio de ferramentas de inteligência artificial. O combate a candidaturas femininas fictícias com fraudes da cota de gênero também será prioridade.
A ministra foi relatora de 12 resoluções que estabeleceram as regras para as eleições municipais deste ano. As normas foram elaboradas a partir de outras publicadas em anos anteriores e as novas alterações, feitas após reuniões e audiências com os Tribunais Regionais Eleitorais, partidos políticos, universidades e entidades.
O TSE fixou a partir dessas resoluções, pela primeira vez, os parâmetros para o uso e veto da inteligência artificial nas campanhas.
As regras também proíbem deepfakes, obrigam que haja aviso sobre o uso de inteligência artificial na propaganda eleitoral e responsabilizam as big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos falsos, discurso de ódio, com ideologia nazista e fascista, além de antidemocráticos, racistas e homofóbicos.
“As desinformações se transformaram em uma doença gravíssima e com graves riscos de comprometimento da saúde democrática”, afirmou, quando as normas foram aprovadas em fevereiro.
As resoluções deixam claro que a ministra adotará perfil rigoroso no combate à desinformação – mantendo o legado de seus antecessores: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
Internamente, no entanto, haverá mudanças com relação à condução dos trabalhos da Corte. A despeito de seu perfil técnico e linha-dura, a ministra é conhecida por ser discreta em comparação a Moraes e, ao contrário de seu antecessor, não ter o mesmo perfil de liderança. A diferença deve resultar em menos coesão interna nos julgamentos.
Moraes conseguiu emplacar dois juristas de quem é próximo como ministros do tribunal. André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques Neto, de quem é amigo, foram nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após articulação de Moraes.
O ministro, inclusive, anunciou a decisão de Lula antes mesmo da Presidência da República. Foi durante uma sessão de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
“O presidente da República já nomeou os dois juízes para o TSE. Nomeou o professor Floriano de Azevedo Marques Neto na vaga decorrente do término do ex-juiz Sérgio Silveira Banhos. E nomeou o professor André Ramos Tavares na vaga de primeiro mandato do professor Carlos Bastide Horbach”, disse.
O TSE é formado por sete ministros: três do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois juristas. Com dois aliados no tribunal, além da ministra Cármen Lúcia, Moraes construiu maioria em diversos casos. A saída do ministro da Corte e a entrada de André Mendonça deve alterar os placares dos julgamentos. E a chegada de Cármen à presidência, mudar a dinâmica das relações internas.
A avaliação de quem acompanha o dia a dia do tribunal é a de que o perfil pessoal dos ministros reflete na atuação deles no TSE. Moraes é visto como um ministro com vida social mais intensa, participação em eventos e palestras e diálogo frequente com advogados e políticos.
Cármen é mais reservada, discreta, tem vida social menos agitada e um círculo de amizades mais restrito. A ministra tem pouca influência sobre os pares e menos diálogo com outras instituições e atores políticos.
Uma fonte alerta que a experiência mostra que presidentes de tribunais superiores sem articulação política abre espaço para protagonismo de outros colegas.
O perfil de Cármen Lúcia não é tão diferente do de Edson Fachin. Os dois costumavam conduzir os trabalhos do tribunal evitando desgastes, mas sem renunciar a suas posições. Um jurista que atua perante o TSE lembra que o ministro não caminhava naturalmente nesta linha de política institucional. Mas que, percebendo o momento e natureza das atribuições do tribunal – que não se limitam à magistratura – exerceu a presidência do TSE com muito diálogo, o que, para esse jurista, fez bem à Justiça Eleitoral.
Quem conhece Cármen Lúcia, sua atuação como magistrada e gestões à frente do STF e do próprio TSE acredita que pode haver um ganho de previsibilidade no tribunal e de estabilidade de posicionamentos judiciais. A tendência, segundo essas fontes, é a de que as coisas “voltem ao normal” no tribunal, após a gestão de Moraes.
Admar Gonzaga, que foi ministro do TSE durante a primeira presidência de Cármen Lúcia, diz que a ministra foi uma ótima presidente e que sempre conduziu os debates no tribunal em nível elevado.
“Foi discreta, responsável, eficiente e atenta ao princípio da economicidade. Também nunca a vi criticando o voto de colegas e nem se colocando acima dos demais, conforme requer o princípio da colegialidade”, conta.
O jurista diz que foi a partir da gestão de Cármen Lúcia que os ministros substitutos, que têm uma atuação relevante no período eleitoral, passaram a ter o necessário suporte da Corte.
“Sobre essa questão de ser dura, eu diria que ela dá a resposta necessária para quem desvirtua o processo eleitoral”, completa.
O tribunal deixará de estar nos holofotes? De acordo com advogados, integrantes do Ministério Público Eleitoral, ministros e ex-ministros, a resposta é não. Isso porque o contexto político do país se impõe. Mas essas fontes acreditam que a Corte deve seguir técnica e rigorosa, embora mais discreta e menos exposta — refletindo o perfil de sua presidente.