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    Priscila Yazbek
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    Priscila Yazbek

    Correspondente em Paris, Priscila é apaixonada por coberturas internacionais e econômicas — e por conectar ambas. Ganhou 11 prêmios de jornalismo

    Por que a ONU quer ajudar os países a regulamentar as redes sociais?

    A Unesco se lançou na árdua tarefa de sugerir regras para os países combaterem o discurso de ódio, mas os desafios são enormes

    A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, para evitar que novos conflitos como as duas guerras mundiais anteriores se repetissem. E para que esse objetivo fosse alcançado, criou instâncias responsáveis por assegurar os principais direitos dos seres humanos.

    Quase oito décadas depois, a meta de manter a paz continua, entre sucessos e fracassos, mas novos desafios surgiram na tentativa de garantir que o mundo se mantenha relativamente sob controle. Entre eles, o combate à desinformação.

    Em 2022, a Assembleia Geral da ONU expressou a preocupação com o tema em um relatório que afirma que a “propagação da desinformação pode ter um efeito devastador sobre as sociedades e prejudica uma ampla variedade de direitos humanos”.

    Entre os exemplos de prejuízos, o documento diz que a desinformação: pode minar o direito a eleições livres; agravar tensões em conflitos armados; gerar violência, discurso de ódio e discriminação; e até resultar em perdas de vidas, como na pandemia, com os efeitos dos conteúdos falsos sobre a vacinação.

    A desinformação sempre existiu e o nazismo é um exemplo absolutamente trágico disso, com o uso de mentiras para mobilização do povo alemão. Mas a tecnologia das redes sociais, com seus algoritmos e personalização das mensagens, permite uma circulação muito mais capilar, com alvos mais finos do que a propaganda tradicional.

    A missão de combater a desinformação no sistema ONU cabe à Unesco. Conhecida por listar os patrimônios da humanidade, a Unesco tem o objetivo de contribuir para a paz e a segurança, liderando a cooperação multilateral em áreas como educação, ciência, cultura, comunicação e informação.

    Em novembro passado, a Unesco lançou as Diretrizes Globais para a Governança de Plataformas Digitais, um roteiro para governos, reguladores, plataformas e cidadãos implementarem regras para as redes sociais nos seus países. O documento foi baseado em 10 mil sugestões coletadas entre diversos participantes da sociedade, de forma a abarcar as complexidades dos diferentes atores dos 194 países reconhecidos pela ONU.

    Nesta semana, a Unesco realizou um fórum de três dias, em Dubrovnik, Croácia, com participantes de 124 países, incluindo 87 redes nacionais e regionais de reguladores, além de plataformas digitais, representantes do poder público e sociedade civil. Os reguladores se comprometeram a trabalhar para implementar as diretrizes e vão cofinanciar um Fórum Global de Reguladores, organizado pela Unesco, que vai se reunir regularmente com esse objetivo.

    Guilherme Canela, chefe da seção de Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, disse à CNN durante o fórum que as diretrizes partem do princípio de que qualquer discussão deve seguir a legislação internacional de direitos humanos. “Se todos os atores concordarem que o ponto de partida é esse, o diálogo será muito mais rico e as soluções serão mais facilmente encontradas”, afirmou.

    Para que as regulamentações funcionem, ele afirma ainda que é crucial reforçar a necessidade de um sistema amplo, com empresas, governos e sociedade civil em constante diálogo e de transparência.

    “Nós precisamos cuidar mais dos processos do que do post específico. As empresas têm que ser transparentes e produzir análises de risco. Isso não tem nada a ver com reduzir a liberdade de expressão. Pelo contrário, quando elas são transparentes, a sociedade também tem as condições de dizer se acha que isso não está correto”, diz Canela.

    Mas não será nada simples levar a regulação para países do mundo todo. Assim como a Carta Internacional dos Direitos Humanos existe desde 1949, mas não necessariamente é aplicada por todos os Estados, a tentativa de criar regras para redes sociais em 194 países é uma tarefa hercúlea.

    Em novembro, a Unesco divulgou uma pesquisa com 8 mil pessoas de 16 países de todas as regiões do mundo que realizarão eleições em 2024. O estudo encomendado ao Ipsos revelou que 87% dos entrevistados estão preocupados com a possibilidade de a desinformação ter um grande impacto nas eleições; e 89% concordam que governos e reguladores deveriam poder exigir que as redes sociais adotem medidas de segurança durante as campanhas.

    Mas nem sempre o que a sociedade apoia se traduz em lei. Para dar o exemplo da maior economia do mundo, uma pesquisa das universidades de Princeton e Northwestern, com base em dados de 1982 a 2002 dos Estados Unidos, concluiu que se grandes empresas querem aprovar uma lei, a chance passar é de 60% e se não querem, a lei não passa. Enquanto isso, uma lei que a sociedade não apoia tem 30% de chances de passar e uma que todos apoiam tem os mesmos 30%.

    O Brasil é um exemplo da complexidade que a ONU se depara ao sugerir regras para as redes sociais. O governo brasileiro esteve presente no fórum na Croácia e manifestou concordância com as diretrizes da Unesco. Mas para implementar qualquer regra, precisa do aval do Legislativo. E o projeto que endereçava as discussões no Brasil, o chamado PL das Fake News, foi praticamente enterrado após resistências dentro do Congresso.

    Diante dos desafios para criar regras no Brasil e no mundo, a União Europeia pode sugerir soluções, já que foi o único conjunto de países que implementou um amplo marco regulatório para redes sociais, a Lei de Serviços Digitais (LSA), lançada em 2023.

    Stanislav Matějka, vice-presidente da Plataforma Europeia de Autoridades Reguladoras (EPRA), disse à CNN que a LSA visa mais a performance das plataformas do que a moderação de conteúdos específicos. E acrescentou que um fator crucial da lei é a obrigação de as empresas fornecerem dados, garantindo que investigadores independentes acessem as informações.

    “Se os pesquisadores tiverem acesso aos dados e puderem processar esses dados com pesquisas vigorosas, teremos uma abordagem muito mais baseada em evidências sobre o desempenho da plataforma. Você terá dados, por exemplo, que podem provar que as plataformas não estão fazendo o suficiente para mitigar a desinformação”, diz Matějka.

    O vice-presidente da EPRA reconhece que muitos países ao redor do mundo enfrentam problemas urgentes e que as legislações e regulamentações são lentas. “É um ato de equilíbrio muito difícil para nós, reguladores, sermos rápidos, mas ao mesmo tempo muito rigorosos, para não acabarmos nos tribunais por anos e anos, mas sim ter um diálogo construtivo com as empresas”, diz.

    José Antonio Lima, especialista em desinformação e professor da pós-graduação da FAAP, afirma que a iniciativa da ONU de criar diretrizes é bem-vinda, ainda que seja de “execução extremamente difícil e traga embutida uma série de armadilhas”. “Entre os obstáculos, está o poder político dos donos das plataformas – que comandam conglomerados mais ricos e poderosos que muitos países – e as diferenças de interesses entre as grandes potências”, diz.

    O professor avalia que o mundo vive um período em que o autoritarismo é tolerado e a principal ameaça à coesão social e à manutenção da democracia vem do movimento transnacional de extrema-direita, que ganha forças com as redes sociais. As recentes eleições para o Parlamento Europeu são um exemplo disso.

    Lima afirma que entre as armadilhas da regulamentação está a possibilidade de que esse ímpeto seja usado não para minimizar os efeitos nocivos da desinformação, mas para piorar as condições de liberdade de expressão.

    As regras para combater os conteúdos falsos podem funcionar muito bem um país democrático, mas podem abrir um precedente nefasto e se tornar uma ferramenta de cerceamento em uma eventual liderança com tendência autocrática.

    A ONU buscou com suas diretrizes sugerir formas de equacionar o combate ao discurso do ódio e a garantia da liberdade de expressão. Resta saber quais países estarão dispostos a adotá-las.

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