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    Priscila Yazbek

    Priscila Yazbek

    Correspondente em Paris, Priscila é apaixonada por coberturas internacionais e econômicas — e por conectar ambas. Ganhou 11 prêmios de jornalismo

    Análise: Fotos pré-casamento não apagam problemas conjugais de Lula e Macron

    Ensaio na Amasônia ficou ótimo, mas os líderes brasileiro e francês terão questões a superar - e o petróleo está entre elas

    Análise: Fotos pré-casamento não apagam problemas conjugais de Lula e Macron
    Análise: Fotos pré-casamento não apagam problemas conjugais de Lula e Macron

    As fotos do presidente Lula e do presidente francês Emmanuel Macron feitas na floresta amazônica foram comparadas a um ensaio fotográfico de pré-casamento nas redes sociais. E, como todo relacionamento, esse também tem seus problemas conjugais.

    A atmosfera do encontro de terça-feira (26) na Ilha do Combu, em Belém, foi bem diferente do protocolo das cerimônias no Palácio Presidencial do Eliseu, em Paris. De camisa, sorridentes e de mãos dadas, os líderes anunciaram um programa para arrecadar 1 bilhão de euros em investimentos público e privado nos próximos quatro anos para partes da Amazônia no Brasil e na Guiana Francesa.

    Mas jornais franceses, ONGs e especialistas brasileiros notaram que por trás da forte parceria também há incômodos. “O governo [Lula] também demonstrou seu apoio aos projetos de perfuração de petróleo da gigante Petrobras na Foz do Amazonas, apesar dos protestos de ONGs. O país ingressou no grupo OPEP+ no final de 2023, ao lado da Arábia Saudita e da Rússia”, destacou o francês Le Monde.

    Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e presidente da França, Emmanuel Macron, se encontram em Belém nesta terça-feira, 26 de março de 2024
    Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e presidente da França, Emmanuel Macron, se encontram em Belém nesta terça-feira, 26 de março de 2024 / Ricardo Stuckert/PR

    O plano da Petrobras de explorar petróleo na Foz do Amazonas preocupa a Guiana Francesa. O projeto prevê a perfuração de 16 poços de petróleo em uma extensão de 2.200 quilômetros ao longo da costa brasileira, do norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, ao litoral do Rio Grande do Norte. Em caso de acidente com derramamento de óleo, os impactos na Guiana Francesa seriam sentidos em menos de 48 horas, segundo reportagem da Agência Pública, portal de jornalismo investigativo independente e sem fins lucrativos.

    O encontro entre Macron e Lula, em meio aos projetos de exploração na Foz do Amazonas, foi alvo de protestos do Greenpeace Brasil nas redes sociais e na visita a Belém.

    A bordo de um veleiro, a equipe do Greenpeace exibiu uma grande faixa com a frase “Petróleo na Amazônia Não” no momento em que passavam as embarcações da comitiva oficial dos presidentes. A ONG questionou: “Será que o Lula contou para o Macron nesse encontro que grandes volumes de eventuais vazamentos e derramamentos de petróleo ocorridos na bacia da Foz do Amazonas tendem a ir para a Guiana Francesa, que é território francês?”

    Contrassensos

    Ricardo Gilson da Costa Silva, professor de geografia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e doutor em Geografia Humana USP, diz que a exploração de petróleo sempre apresenta riscos, mas a Petrobras tem capacidade técnica para garantir a segurança ambiental do processo. Em sua opinião, a questão se concentra mais em um debate geopolítico do que ambiental.

    O Brasil participa da economia global com a produção de commodities e depende da exploração de recursos naturais, como o petróleo, para equilibrar sua economia interna e garantir sua inserção no comércio global. “O Brasil promete uma economia mais verde, mas com a exploração na Foz do Amazonas, esse é um primeiro contrassenso”, afirma.

    Um segundo contrassenso está no fato de que a França cobra uma política ambiental mais consciente do Brasil, mas não abre as portas para a exportação de produtos agrícolas brasileiros. “Seria um ótimo argumento para a Europa e o Macron se eles chegassem ao governo brasileiro e dissessem: ‘Olha, vocês não precisam explorar petróleo porque vocês vão ganhar dinheiro com a exportação de produtos agrícolas”, avalia Silva.

    Macron tem sido enfático sobre a sua oposição ao acordo entre Mercosul e União Europeia, que abriria as portas do mercado europeu aos produtos brasileiros. O assunto, inclusive, é um dos grandes tabus da viagem.

    Um último ponto de contrassenso é a dimensão dos desafios de ambos os países. Ao jornal francês Le Monde, um especialista compara que a Amazônia guianense “é um confete na escala Amazônia brasileira” e avalia que “a França muitas vezes cai no papel de dar lições de moral, sem ter um desafio do mesmo tamanho para resolver como o Brasil”.

    Além disso, a França não é membro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e, diferentemente da Alemanha e da Noruega, não contribui ao Fundo Amazônia.

    Em 2019, na reunião do G7 em Biarritz, na França, Macron pediu uma mobilização internacional sobre a Amazônia, mas sem a presença de representantes do Brasil. A postura foi criticada por políticos brasileiros de diferentes espectros que prezam pela soberania brasileira sobre a Amazônia.

    Na tentativa de aproveitar a afinidade com Lula para se aproximar dos países do Sul global, o presidente francês deve tomar cuidado para não repetir o estereótipo de superioridade francesa que tanto incomoda os estrangeiros.

    As fotos do pré-casamento ficaram bonitas, não há dúvidas, mas os países terão de fazer muita terapia de casal se quiserem manter uma relação duradoura.