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    Priscila Yazbek
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    Priscila Yazbek

    Correspondente em Paris, Priscila é apaixonada por coberturas internacionais e econômicas — e por conectar ambas. Ganhou 11 prêmios de jornalismo

    Análise: eleições legislativas na França devem abrir nova era política no país; entenda os cenários

    Coalizão de ultradireita deve eleger maior número de deputados, segundo pesquisas

    A dissolução da Assembleia Nacional por Emmanuel Macron abriu uma enorme incógnita sobre o futuro político da França. A aposta política do presidente se tornou um teste não apenas sobre o macronismo, mas sobre as bases da Quinta República francesa.

    A coalizão de ultradireita do Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, deve eleger o maior número de deputados neste domingo (7), segundo pesquisas, e por isso já é vista como a grande vencedora das Eleições Legislativas de 2024.

    Mas o rumo do país depende do número exato de cadeiras obtidas pelo RN na Câmara Baixa do Parlamento francês, composto por 577 deputados.

    Se a ultradireita obtiver mais de 289 assentos, garantindo a maioria absoluta, Jordan Bardella, de 28 anos, pupilo de Le Pen, será o novo primeiro-ministro francês. Mas, com menos assentos, diversos cenários são possíveis.

    Um ponto-chave para entender o que se passa na França atualmente é compreender que no regime semipresidencialista francês o primeiro-ministro deve refletir a maioria na Assembleia Nacional.

    A escolha do premiê é feita pelo presidente, mas, por convenção e por uma questão de legitimidade política, o primeiro-ministro deve representar a maioria da Assembleia.

    A pesquisa Ipsos-Talan, publicada na sexta-feira (5), aponta que a coalizão do RN deve conseguir entre 175 e 205 assentos na Assembleia, longe da maioria absoluta de 289 assentos, mas bem acima dos 88 deputados atuais.

    O campo centrista de Macron, o Ensemble, deve ter de 118 a 148 assentos, ante os 245 de antes da dissolução. E a coalizão de esquerda Nova Frente Popular deve ficar com 145 a 175 cadeiras, acima das 133 que possuía anteriormente.

    Com a perda de metade dos assentos, o grupo centrista de Macron se apresenta como o grande derrotado das eleições.

    Para além dos comentários sobre o tiro no pé do presidente e o enterro do macronismo, a aposta arriscada de Macron abriu uma caixa de Pandora na política francesa, que agora se vê diante de uma miríade de cenários sem precedentes.

    A derrota da coalizão presidencial joga o centro de gravidade do mandato de Macron do Palácio do Eliseu, sua residência oficial, para o Hotêl de Matignon, residência do primeiro-ministro, e para a Assembleia Nacional.

    Os principais cenários que se apresentam são:

    • o RN obtém maioria absoluta e Bardella se torna o primeiro-ministro
    • o RN tem maioria relativa, mas se alia a partidos de direita para conseguir os 289 assentos
    • centro e esquerda se unem para formar maioria
    • nenhum dos campos consegue obter maioria absoluta e se forma um governo técnico e apolítico.

    Governo de “coabitação” com vitória do RN

    No primeiro cenário, de vitória do RN, se formaria um “governo de coabitação” e o presidente deve reformular o governo de acordo com as indicações do primeiro-ministro, que seria Bardella.

    Considerando as posições do pupilo de Le Pen e de Macron, é esperado um forte dissenso sobre a composição do governo.

    Desde a instauração da Quinta República na França, em 1958, já houve três coabitações, sendo a última de 1997 a 2002, entre o presidente Jacques Chirac, de direita, e o primeiro-ministro Lionel Jospin, de esquerda. Mas havia um certo respeito entre eles.

    Espera-se uma coabitação mais frontal entre Bardella e Macron. Por isso, especialistas dizem que seria a coabitação mais difícil da Quinta República.

    Quando há alinhamento entre presidente e primeiro-ministro, o presidente concentra o poder, mas, em uma coabitação frontal, o país entra em um terreno incomum.

    Com isso, o presidente e o primeiro-ministro devem entrar em uma batalha de prerrogativas. Macron terá pouca legitimidade para impedir que o RN tenha ainda mais poder e suas funções podem ficar restritas às relações internacionais e à Defesa.

    Por isso, Marine Le Pen vem defendendo que nesse caso Macron não teria outra escolha a não ser a renúncia. Se isso acontecer, as eleições presidenciais seriam antecipadas e o presidente do Senado assumiria interinamente a Presidência.

    Maioria relativa do Reunião Nacional

    O segundo cenário, de maioria relativa do RN, seria algo sem precedentes, já que o partido de Le Pen já disse que Bardella não aceitaria ser o primeiro-ministro — sem maioria absoluta, ele teme ser retirado do cargo em caso de uma moção de censura.

    Se nenhum grupo obtiver maioria absoluta, tudo se neutraliza em um sistema que favorece a polarização. Não seria possível votar questões como o Orçamento e a Assembleia se veria paralisada.

    Também não se sabe quem seria o primeiro-ministro. Poderia ser um nome técnico, algo já visto em outros países europeus como Itália e Bélgica, mas também sujeito a moções de censura e forte instabilidade.

    Maioria da Frente Republicana

    Em um terceiro cenário, a Frente Republicana, formada no segundo turno pelo centro de Macron e a esquerda moderada — com os socialistas, os verdes, mas sem o La France Insoumise (LFI), considerados por alguns como esquerda radical — teria a maioria absoluta.

    É a aposta do macronismo: formar uma coligação majoritária no centro, relegando aos extremos o RN e o LFI.

    Seria um governo capaz de votar o Orçamento e indicar um primeiro-ministro para evitar a instabilidade no próximo ano, até que uma nova dissolução possa acontecer.

    Mas com visões de mundo antagônicas entre os aliados, quem seria o primeiro-ministro? Haveria consenso para aprovar projetos? E os partidos de esquerda teriam autonomia no futuro depois de governar um ano junto a Macron?

    Além disso, seria um governo formado por dois grupos derrotados pela ultradireita e questionado pela sua legitimidade, por não refletir o campo que obteve a maioria dos votos.

    Nem os comentaristas mais experientes fazem ideia do que pode acontecer. Os franceses adoram análises e estão há quatro semanas debatendo os cenários possíveis incessantemente.

    Em um desses debates, especialistas foram questionados sobre o que vai acontecer a partir de domingo. Um silêncio se instalou e todos começaram a rir. Ninguém tem a resposta.

    “Crise de regime”, “implosão da Quinta República”, “França ingovernável” são apenas algumas das definições que circulam na mídia francesa sobre a atual situação da terceira maior economia da Europa.

    Para usar uma expressão do poker, Macron deu um all in ao dissolver a Assembleia e convocar eleições antecipadas, mas não imaginou que sua aposta extrapolaria o seu futuro e de seu partido e abriria uma nova era política na França.

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