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    Phelipe Siani
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    Phelipe Siani

    Comunicador, palestrante e âncora na CNN Brasil desde 2019. Empreendedor serial, fundador da Albuquerque Content e da Intrend.AI

    Em que momento a gente se convenceu de que as oportunidades “já passaram”?

    "Eu perdi a p#r@ do meu tempo", disse a Fernanda do BBB pra justificar o fato de que talvez tenha entrado na casa "tarde demais" pra competir com os "jovens"

    Eu sou um adulto com algumas raras, mas vivas memórias do fim dos anos 80, começo dos anos 90. O mini eu foi uma criança, como milhões daquele momento histórico, que cresceram num ambiente familiar pouco ou quase nada estruturado e com uma grana muito curta, consumida mês a mês por uma inflação galopante.

    Mas no meio desse cesto confuso com flashes de informações desencontradas que moldaram o meu caráter, algumas lembranças, claro, me trazem boas sensações. Uma delas é a do meu pai colocando pra tocar no som antigo que ficava na sala de casa uma fita cassete dos Titãs (você que não faz ideia do que é uma fita cassete, pesquisa aí no Google… é tipo um spotify, mas analógico e com bastante chiado). Eu tinha 4 anos quando eles gravaram “Não vou me adaptar”, já ouviu?

    Na primeira vez que eu tive contato com essa letra, lá atrás, é claro que ela não me tocou profundamente. Mas um dos grandes baratos da música, de maneira geral, é o quanto a mesma composição vai ganhando significados completamente diferentes ao longo da nossa existência. E o Arnaldo Antunes foi absolutamente brilhante quando decidiu já começar a escrever a letra com a frase “eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”.

    Logo de cara, o texto já traz uma certa melancolia sobre a “inignorável” crueldade do tempo, com o perdão do neologismo. Eu cresci. Pra cima, pros lados ou pra dentro, mas eu cresci. E, nesse contexto, ele segue dizendo que “os anos se passaram enquanto eu dormia e quem eu queria bem me esquecia”. Quer dizer, muita coisa aconteceu muito rápido ao mesmo tempo e, talvez, eu tenha perdido várias pessoas e várias oportunidades nessa jornada. Só pra lembrar, isso foi escrito em 1988, tá?! Foi muito antes do começo do uso em massa da internet e das redes sociais. Mesmo assim, a ansiedade com o fator tempo já parecia imensa.

    E tem uma frase da música que de maneira nenhuma foi pensada pro contexto do século 21, mas que cabe como uma luva feita sob medida na discussão que despertou a minha vontade de escrever esse texto: “Não encho mais a casa de alegria”.

    Em março de 2024, é difícil falar em casa e não pensar na casa do BBB. Por mais que eventualmente você não goste do programa, a influência dele sobre a nossa sociedade de agora também é bastante “inignorável”. O Arnaldo Antunes desabafou isso no texto aos 28 anos de idade. Se tão novo ele já se sentia assim, talvez façam sentido as palavras da Fernanda, de 33.

    Logo depois de sair da casa, ela deu uma entrevista nos bastidores falando que era “muito ruim competir com um monte de jovem” no programa. “Eu perdi a p#rr@ do meu tempo”, disse ela pra justificar o fato de que, de repente, entrou no BBB tarde demais. Repito: ela tem 33 anos de idade. Eu até posso tá interpretando errado o que ela quis dizer, mas, pelo menos pra mim, ficou claro que, por mais inacreditável que pareça, ela se sentiu “velha demais” praquele rolê. Olha só, isso aqui não é um texto pra julgar a auto imagem da Fernanda. Ela é linda, articulada, inteligentíssima, MUITO jovem, mas, vivendo nesse que, estatisticamente, é o país mais ansioso do mundo, dificilmente ela vai conseguir se ver assim.

    As redes sociais são super legais em vários sentidos, mas elas, sim, pioram esses sintomas e fazem a gente acreditar que todo mundo é rico, mais jovem, mais organizado, mais magro, mais saudável, mais esperto, mais articulado e, de novo, mais rico. Não importa o que a gente conquistou. Abrindo uma rede social, sempre vai parecer “pouco” do feed. Eu não tô aqui afirmando que esse é o “problema” da Fernanda, eu nem a conheço pessoalmente. Eu só olhei pra fala dela e pro que eu tenho dentro do meu peito. Eu também me sinto assim. Os apps do meu celular também tentam me convencer diariamente que eu sou “pouco”. Objetivamente eu sei que conquistei muito, muito mais do que um dia eu imaginei. Sou âncora do maior canal de notícias do mundo, fundei e virei sócio de empresas incríveis, tenho conforto, o amor de pessoas admiráveis. Mas, no meu feed, os outros SEMPRE parecem que são muito melhores e conquistaram muito mais e bem antes de mim. Objetivamente eu sei que não é pra ser uma competição, mas, no primeiro revés que eu tiver, o suposto sucesso alheio sempre tão evidente, vai fazer a minha mente me sabotar, supor que eu sou um fracassado, mesmo depois de já ter percorrido tanto.

    O problema é que a gente esquece que o ser humano é marketeiro por essência. Ninguém posta quando tá na bad. Muitas vezes, o triunfo digital que é vendido tá totalmente maquiado só pra tentar vender cursos de como vender cursos por alguém que nunca vendeu cursos de verdade. E no meio de tantas vozes é o Arnaldo Antunes que de novo ecoa. “Será que eu falei o que ninguém ouvia? Será que eu escutei o que ninguém dizia?”. Eu sei que muitas vezes você se sente assim… eu também. E segue a letra: “Eu não tenho mais a cara que eu tinha, no espelho essa cara já não é minha. E quando eu me toquei, achei tão estranho… a minha barba estava desse tamanho”. Calma, gente… se sabotar sentindo que o tempo voou mais rápido que o nosso crescimento é normal e, pelo jeito, não é de hoje.

    Nesse contexto, eu sei que pra pessoa que tá triste não adianta muito vir com aquele papo de que muita gente de sucesso começou tarde. Mas, só como referência, na idade da Fernanda do BBB, nem Samuel L. Jackson, nem Harrison Ford tinham feito filmes grandes. Na primeira indicação do Morgan Freeman ao Oscar ele tinha 50 anos! “Ah, mas o momento é outro. Hoje tudo é mais urgente”. Quem disse? Antigamente é que se era velho aos 40 pro mercado de trabalho. Hoje essa lógica já tá bem diferente. Segundo a LCA, que é uma das consultorias mais renomadas do país, a idade média do trabalhador brasileiro tem crescido e, hoje, tá em 39 anos de idade. Olha só, eu disse média, tá?! Os próprios Titãs tão lotando estádios e já passaram dos 60.

    Eu não tô dizendo que é fácil, só tô mostrando que toda essa pressa é bem relativa. É por isso que todos os dias eu escolho tentar ser resistência. Todos os dias eu reafirmo meu compromisso em fazer minha terapia e comemorar minhas pequenas ou grandes vitórias. Todos os dias eu lembro quem eu sou e de onde eu vim. Todos os dias eu revisito minhas escolhas de quanto pagar com a moeda atenção o alto preço cobrado pelas redes sociais, do quanto esses hábitos precisam necessariamente ser hábitos “só” porque eu também trabalho com isso. Todos os dias eu tento me afastar mais de quem não me aceita como eu realmente sou, de quem se limita a querer me colocar numa caixinha comportamental, sentimental, profissional, financeira, estética ou etária. No alto dos meus quase 40 jovens anos eu grito essas escolhas todos os dias pra tentar valorizar a p#rr@ do meu tempo… Por mais que queiram me convencer de que o mundo é horrível e eu não tenho mais espaço, nessa narrativa, definitivamente “Eu não vou me adaptar”!