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    Phelipe Siani
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    Phelipe Siani

    Empreendedor, palestrante e âncora na CNN Brasil desde 2019

    CLT premium. Nasceu como zoeira, mas diz muito sobre o mercado

    Benefícios demais podem parecer frescura pra muita gente, mas é uma demanda clara de uma geração que não quer seguir os mesmos passos de quem veio antes

    Quando alguém quer vender alguma coisa mais cara, não raramente, diz que o preço é alto porque o produto é premium. Nem sempre é de verdade, mas só de ganhar essa chancela, o negócio já parece mais sexy, mais exclusivo. O que até então era segmento de carro de luxo, relógio caro e bolsa de grife, esse ano, quem diria, chegou na carteira de trabalho. E pensar que tudo começou com uma trend das redes sociais. Vídeos de zueira da galera dizendo coisas do tipo: “eu sou CLT premium e é claro que a empresa paga a minha academia”, “eu sou CLT premium e é claro que eu tenho ônibus fretado e 2 horas de almoço”. Você já deve ter esbarrado com um desses scrollando o seu feed no instagram ou no TikTok.

    Essa história é um compilado de benefícios pra muito além dos vale-refeição e convênio médico de sempre. O CLT véio de guerra é uma sigla que vem de “consolidação das leis trabalhistas”. Um projeto que organizou as relações oficiais de trabalho no Brasil durante o governo do ex-presidente Getúlio Vargas, ou seja, há mais de 80 anos!. Antes disso não existia limite de horas trabalhadas, férias pagas, hora extra nem nada do tipo. Ao longo do tempo esse conjunto de direitos foi ganhando corpo, veio décimo terceiro, Fundo de Garantia e todo o resto que a gente já conhece bem.

    Hoje, pra atrair os melhores talentos, só o básico da CLT parece que já não é mais suficiente. A trend escancarou uma vontade real, principalmente de quem é mais novo. Se enxergar como um CLT premium tem sido sim importante, principalmente pra uma galera que já não vê tanto sentido em ter um emprego que pague bem, mas que sugue a alma do empregado. Tem um estudo interessante do Ecossistema Great People & GPTW, que chama “Tendências de Gestão de Pessoas”. Esses números tão mostrando que quase 70% das pessoas que tão no mercado de trabalho (68,1%) têm dificuldade de lidar com quem é da Geração Z, aquela galera que nasceu ali entre 1996 e 2010.

    O número é novo, mas surpreendeu um total de 0 pessoas dentro das empresas. Eu sempre ouço muita gente da minha idade, orbitando os 40, reclamando das gerações mais novas, dizendo que eles não querem nada com nada, são arrogantes e blá, blá, blá.

    Olhando a molecada mais nova dentro das empresas, realmente, é um pessoal que, na média, me parece bem menos “comprometido” com as entregas profissionais do que eu via ao meu redor no trabalho quando eu tinha a idade deles. Mas o que eu mais me pergunto é: será que eles tão errados?

    Ser menos comprometido do que no passado não significa necessariamente ter compromisso nenhum. Pode ser (idealmente) uma calibração em relação ao nível de autocobrança e exigência que eu via nos meus colegas antigamente. Não à toa, com tanta pressão sob os ombros, a minha geração colocou o Brasil na lista dos países com as populações mais ansiosas do mundo. E isso é uma merda. Quase todos os meus amigos da mesma idade que eu tão meio que cagados da cabeça, tomando remédio tarja preta pra sair da cama, inclusive os “bem-sucedidos”. Esses, que chegaram a cargos de chefia ou deram certo empreendendo, conseguiram isso muitas vezes em troca da própria saúde, do próprio casamento, do convívio com a família e com os filhos. E isso tá certo? Eu realmente acho que a minha geração não é a melhor referência de “sucesso”.

    É claro que quem é mais novo também precisa baixar a bola e respeitar quem já tá há mais tempo no mercado, enxergando a vida profissional de um outro jeito. Se achar o dono da razão nunca vai ser a melhor saída, principalmente quando não se viveu quase nada pra saber de fato o que é certo ou errado num ambiente profissional coletivo. Mas eu, particularmente, acho super legítimo querer condições melhores de trabalho e buscar aquilo que mais se encaixa no que cada um deseja pra si. Se tem empresa que topa oferecer isso pra agradar e atrair os talentos mais jovens, é do jogo.

    Isso mudou muito também desde a última reforma trabalhista, em 2017. De lá pra cá, algumas brechas na lei passaram a permitir jornadas bem mais flexíveis e funcionários que, por exemplo, recebem grana extra em forma de prêmios, e não necessariamente comissões. Parece uma diferença boba, mas isso faz toda a diferença, já que, de acordo com a nova legislação, o prêmio pode ficar isento de imposto de renda. Sendo assim, é um dinheiro que chega mais “limpo” na mão do funcionário. E isso faz sentido até do ponto de vista linguístico, já que premium é uma palavra que vem do latim e significa justamente “prêmio”, ou “recompensa”. Isso não quer dizer muita coisa, mas eu achei interessante a coincidência, me julguem.

    Eu vejo tudo isso como um movimento cíclico que, como sempre, pode gerar distorções e, eventualmente, tudo se ajeita em talvez novas e mais modernas relações de trabalho, que atendam aos interesses de quem vai chegando pra integrar e renovar aos poucos a massa trabalhadora do país. Pode parecer só uma zueira de internet, mas é muito mais.

    Pra além de academia topzeira, geladeira de refrigerante liberada e curso de espanhol pago, o que se vê com esse movimento é um mercado que tá se mexendo pra tentar acomodar as demandas de quem chega. Nessa história, o movimento ideal que eu enxergo é a melhoria das condições e dos benefícios pra todo mundo. Nesse cenário, o CLT premium acaba. Não porque ele não seja necessário, mas porque, assim, todos ganham melhores condições e o que era premium passa a ser a regra. É utópico? Talvez. Mas pensa que antes da CLT, férias remuneradas, por exemplo, pareciam um sonho distante. Hoje é o básico. Se isso for necessário pra que a nova geração chegue à maturidade no mercado de trabalho menos adoecida do que a minha, é só o que eu desejo!

    CLT completa 80 anos em meio a desafios com novas relações de trabalho