Juristas avaliam que depoimentos de generais cruzam linha da intenção e consolidam tentativa de golpe
Especialistas dizem, porém, que defesa de Bolsonaro pode explorar “zona cinzenta” sobre ato preparatório ou o início de fato da execução do golpe, o que caracterizaria crime
Os novos depoimentos dos ex-chefes das Forças Armadas na investigação da Polícia Federal sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reforçam a tese de que se iniciou a execução do plano.
Segundo juristas ouvidos pela CNN, os relatos complicam a situação de Bolsonaro no enquadramento da Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que foi sancionada em 2021 e pune ataques contra a democracia.
“A mera tentativa de romper o Estado Democrático de Direito mediante violência ou grave ameaça já é considerada crime. A questão jurídica é se esses atos são ou não o início da execução. Vai ter argumento dos dois lados. Eu particularmente acho que houve o início de execução quando se reuniu comandantes de tropas da ativa e discutiu-se uma minuta”, disse o advogado criminalista Pierpaolo Bottini.
Ainda segundo o advogado, há, porém, uma “zona bem cinzenta”.
“Estamos diante de um crime sui generis. Para caracterizar tentativa é preciso começar a executar o ato. Um roubou ou estupro nós sabemos o que é, mas outra coisa é um ato contra o estado democrático de direito mediante violência ou grave ameaça. O grande debate está aqui. A defesa do Bolsonaro vai ser em cima disso”, concluiu Bottini.
Para o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, que participou da elaboração da lei de 2021, os depoimentos mostram intencionalidade do golpe, que depois se transformam em ato no dia 8 de janeiro.
“Passa do ato preparatório para o ato em si no momento que se cria uma situação de perigo ao bem jurídico. O conjunto da obra aponta para Bolsonaro”, afirmou o jurista.
Para o também ex-ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo e comentarias do Grande Debate da CNN, os novos depoimentos não deixam dúvida que houve uma tentativa de golpe.
“Eu acho que houve uma tentativa de golpe de Estado. O dia 8 é a expressão dessa tentativa. Ele pensou em fazer, cogitou e houve atos preparatórios, que foram o decreto, a reunião e colocar oficiais à disposição. Há um conjunto de situações que provam a tentativa. Os depoimentos reforçam a parte da situação preparatória. Se passou da cogitação para a situação concreta”, disse Cardozo.
O advogado constitucionalista Pedro Serrano vai na mesma linha.
“Os novos depoimentos reforçam a tese que houve o início da execução do golpe. O presidente da República convocou os chefes das Forças Armadas e apresentou uma minuta golpista sem nenhuma base constitucional. Não havia grave perturbação da ordem que justificasse estado de defesa. A única função seria interferir nas eleições”, disse o advogado.
Ainda segundo Serrano, os relatos dos militares são mais importantes que a delação de Cid.
“Eles são testemunhas e não delatores, por isso tem mais importância que as do Cid, que é delator. As falas deles valem como prova. Há uma diferença de qualidade”.