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    Maurício Noriega
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    Maurício Noriega

    Mauricio Noriega é um dos jornalistas esportivos mais reconhecidos do país. Ganhou o prêmio ACEESP de melhor comentarista esportivo de TV seis vezes.

    CNN Esportes

    Futebol não pode viver à margem do mundo

    Pedidos de desculpas tentam minimizar comportamentos enraizados que exalam racismo, xenofobia e arrogância. O dinheiro não compra caráter e educação

    Episódios recentes de péssimos comportamentos de jogadores de futebol trazem à tona uma antiga discussão: jogadores de futebol realmente acreditam que podem tudo e que o ambiente que envolve as competições permite posturas inaceitáveis no convívio civilizado da sociedade?

    Infelizmente, parece que a resposta é sim.

    O deplorável vídeo de jogadores argentinos festejando a conquista da Copa América cantando uma canção racista, xenófoba e transfóbica é um exemplo cabal desse tipo de comportamento. Nada de novo no que se refere à comunidade do futebol no país vizinho. É quase viral a postura de torcedores que imitam macacos em jogos contra times brasileiros.

    Veículos de mídia, como o jornal esportivo Olé, tentam disfarçar o racismo sob o manto da irreverência. O termo “macaquitos” era quase um mantra do diário, que hoje parece arrependido dos tempos em que o utilizava como sinônimo de jogador brasileiro de futebol.

    Em abril de 2024, o Boca Juniors foi punido por gestos racistas de seus torcedores direcionados à torcida do Palmeiras, na semifinal da Libertadores de 2023. Vira e mexe torcedores e jogadores brasileiros são alvo desse comportamento asqueroso em jogos pela América do Sul.

    Raras são os atletas, como alguns da Seleção Francesa, que tiveram coragem de adotar postura pública contra a xenofobia explícita da extrema direita francesa nas últimas eleições. Muitos deles vítimas de comentários xenófobos, mesmo nascidos na França, mas por causa de suas origens africanas.

    Os estádios de futebol são tribunas tanto de resistência como de intolerância. Na época da ditadura fascista de Francisco Franco na Espanha, o idioma catalão sobreviveu sendo falado livremente nos jogos do Barcelona no Camp Nou. No mesmo período, a bandeira do País Basco, banida por Franco, ressurgiu num clássico entre Real Sociedad e Athletic Bilbao, em 5 de fevereiro de 1976, levada a campo pelos capitães das duas equipes bascas.

    Mikel Oyarzabal, herói da Espanha na conquista do tetracampeonato europeu, foi vítima de perseguição covarde por parte de internautas da extrema direita espanhola pelo simples fato de ser basco.

    Torcedores de times como Atlético de Madrid, Dínamo Zagreb, Lyon, Lazio e Eintracht Frankfurt foram flagrados diversas vezes fazendo gestos nazistas.

    No Brasil, ficou famoso o movimento da Democracia Corinthiana, nos anos 1980, apoiando a campanha Diretas Já, quando as eleições para a Presidência da República ainda eram indiretas.

    Outro tipo de atitude enraizado é o da arrogância. O mais recente deles envolve o zagueiro corintiano Cacá. Ao sair do estádio após a vitória sobre o Criciúma, o jogador não atendeu ao pedido dos jornalistas para entrevistas e reagiu com um “p** no c* da mídia”. Posteriormente, recusou um pedido de foto de uma fã, respondendo com outro palavrão. Pediu desculpas depois, em redes sociais. Comportamento padrão, certamente orientado por assessores.

    Em 2010, o goleiro Felipe, do Santos, em bate-papo virtual com torcedores, irritou-se com um internauta que o chamou de “mão de alface” e rebateu dizendo que “o que gasto de ração com meu cachorro é o teu salário”.

    É preciso ponderar que jogadores são vítimas de muitas perseguições por parte de torcedores e de críticas por seus salários astronômicos. Diversos atletas ajudam muita gente e não são afetados pela fama e pela riqueza. Muita gente não aceita o simples fato de que atletas profissionais de sucesso fazem parte de uma atividade que remunera muito bem o sucesso. Recentemente, jogadores do Vitória foram agredidos por torcedores que os encontraram em um bar em Salvador. Alguns atletas são abordados durante seus horários de folga, em atividades particulares.

    A justificativa comum para esses comportamentos condenáveis é a paixão, combinada à adrenalina da competitividade. É comum que jogadores, treinadores e dirigentes argumentem que o que acontece no campo, fica no campo. Uma saída oportunista.

    Geralmente paparicados por seus assessores e por dirigentes de clubes, atletas de sucesso, não apenas no futebol, costumam se instalar em bolhas de comportamento. Parecem acreditar que são seres superiores e não podem ser criticados. Exercem seu hedonismo no refúgio das redes sociais, mas as repudiam quando nelas são vítimas de ataques covardes a eles ou a suas famílias. Com razão.

    Ninguém nasce pronto para o sucesso. No caso do futebol brasileiro, a maioria dos dirigentes de futebol é formada por torcedores, sem preparo para os cargos. Muitos adoram aproveitar como parasitas do mundo de glamour e sucesso dos atletas. Adotam comportamento parecido, exaltam a rivalidade raivosa.

    Alguns colegas jornalistas, quando exercem o honroso ofício de assessores de imprensa de clubes e atletas, acabam se comportando mais como torcedores e amigos do que profissionais. Assim como alguns colegas andam misturando demais as funções de jornalistas com a postura de torcedores. Em muitos casos é difícil delimitar onde começa um e termina outro.

    O futebol é uma atividade que pertence à sociedade e está inserida em seus contextos, inclusive no que se refere à Lei. Por mais que a Fifa insista em pintar um quadro de que a lei do futebol está alijada da Lei maior.

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