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    Maurício Noriega
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    Maurício Noriega

    Mauricio Noriega é um dos jornalistas esportivos mais reconhecidos do país. Ganhou o prêmio ACEESP de melhor comentarista esportivo de TV seis vezes.

    CNN Esportes

    Jogadores de futebol milionários também podem fazer greve

    Cada profissão tem suas particularidades, e todos os profissionais têm direito ao descanso sagrado

    Na cabeça do cidadão comum, que luta para fechar as contas do mês, um profissional com salário de mais de R$ 6 milhões ameaçar fazer greve pode parecer absurdo. Mas não é.

    Rodri, meio-campista espanhol do Manchester City, recebe cerca de 220 mil libras por semana, apenas como salário. Em uma conta aproximada, 880 mil libras mensais — ou R$ 6,373 milhões. Vencimentos superiores aos do maior salário entre os presidentes de empresa no Brasil.

    Rodri, um dos melhores jogadores do mundo na atualidade, protestou nesta semana contra o excesso de jogos a que são submetidos os atletas profissionais de futebol na Europa.

    “Neste ano, talvez cheguemos aos 70 ou 80 jogos. Na minha humilde opinião, acho que é demais. Alguém tem que cuidar de nós, porque somos os personagens principais deste, digamos, esporte, ou negócio, como vocês quiserem chamar”, disse Rodri.

    A Fifpro (Federação Internacional das Associações dos Jogadores Profissionais de Futebol) apoia a demanda dos atletas por menos jogos e ameaça processar a Fifa. Segundo a Fifpro, a inclusão no calendário internacional do ‘Supermundial de Clubes’, programada para o meio de 2025, fará com que alguns jogadores sejam expostos a três anos consecutivos de competições internacionais em períodos de férias.

    Jogadores de futebol multimilionários são o topo do topo da cadeia alimentar da profissão. Calcula-se que cerca de 1% a 2% dos jogadores de futebol recebam os chamados supersalários. No Brasil, menos de 1% recebe salários superiores a R$ 200 mil mensais. A realidade é de média salarial de R$ 1 mil para 80% da categoria.

    Como a imagem que fica é a das grandes estrelas, todos os jogadores são estrelas milionárias no imaginário dos torcedores. Mesmo aqueles que efetivamente o sejam têm direito a descanso. Seus corpos são seus instrumentos de trabalho.

    A discussão é antiga e tem ganhado corpo desde que alguns dos maiores times do mundo passaram a ser comprados por bilionários ou grandes grupos de investimento. Algumas equipes de futebol foram adquiridas por grupos ou empresários que são donos de grandes times de futebol americano e de beisebol.

    O Arsenal, um dos maiores times da Inglaterra, foi comprado pelo bilionário norte-americano Stanley Kroenke, dono do Denver Nuggets, do basquete, e do Colorado Avalanche, do hóquei.

    O Fenway Sports Group, dono do Boston Red Sox, um ícone do beisebol, é acionista majoritário do Liverpool, da Inglaterra. O Manchester City é o principal ativo do City Football Group, conglomerado que pertence a uma empresa de capital fechado de um príncipe da família real dos Emirados Árabes Unidos.

    A lógica dos proprietários de franquias esportivas nos Estados Unidos lembra um pouco aquela campanha de venda de biscoito (ou bolacha?). Ganha muito porque joga muito ou joga muito para ganhar muito?

    A NBA, a maior liga de basquete do mundo, faz com que seus times disputem 82 partidas na temporada regular, 41 em casa e 41 fora. Na MLB, a principal liga de beisebol, as equipes fazem 162 partidas na etapa classificatória. É a lógica da indústria do entretenimento, na qual está inserido o universo dos esportes.

    Atletas de alto rendimento são levados ao limite de suas capacidades físicas. Para isso, têm acesso ao que existe de melhor em termos de alimentação, medicina e preparação física. Muitos viajam em aviões fretados e se hospedam nos melhores hotéis. Essa também é a realidade dos grandes times do Brasil.

    Curiosamente, os atletas que atuam por aqui, embora joguem mais que seus pares europeus, reclamam menos. O Fortaleza, time que mais vezes entrou em campo na América do Sul em 2024, disputou 60 partidas. Deve fechar o ano com, no mínimo, 73 jogos.

    Somadas as temporadas 2023/24 e as partidas da atual temporada, o Manchester City de Rodri tem 64 jogos até agora – praticamente o mesmo número do Fortaleza até aqui na temporada.

    Na temporada 2023/24, o argentino Julián Álvarez, atualmente no Atlético de Madrid, foi convocado para 83 partidas pelo City e pela seleção da Argentina, e entrou em campo em 75.

    Em 2021, o Palmeiras foi o time que mais jogos disputou no futebol mundial: 91 — 19 partidas eram relativas à temporada de 2020, adiadas por causa da pandemia de covid-19. Mesmo assim, o número de jogos por uma temporada foi alto: 72.

    Jogadores de futebol escolheram uma profissão que, no topo da carreira, remunera absurdamente bem. Geram muita receita para seus clubes e para as entidades que controlam o jogo. Nem todas as carreiras pagam bem (no caso do futebol, apenas uma pequena parcela ganha realmente bem).

    Movidos pelo comportamento irracional apaixonado, torcedores tendem a pensar que jogador de futebol ganha muito e não pode reclamar. Claro que pode – e deve. Afinal, é a categoria que faz a bola rolar.

    Errado não é jogador de futebol ganhar bem. Errado é professor, policial bombeiro e outras profissões ganharem muito mal.

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