Futebol está perdendo o jogo para a violência
Estádios e seus entornos são cada vez mais perigosos para quem quer somente assistir aos jogos em paz
A violência de criminosos e baderneiros disfarçados de torcedores é o maior inimigo do futebol na atualidade. Seja na forma de insultos racistas e xenófobos, em ameaças e emboscadas a jogadores ou de conflitos entre grupos que lembram milícias, os episódios de violência são cada vez mais frequentes.
Os dirigentes de futebol insistem em subdimensionar a gravidade do problema.
No Brasil, CPIs são abertas e encerradas, políticos capitalizam sobre o tema e as brigas e mortes continuam acontecendo.
O episódio mais recente foi a batalha campal protagoniza por torcedores (?) do Peñarol, do Uruguai, antes do jogo contra o Botafogo, no Rio, pela semifinal da Copa Libertadores da América. A ação envolveu furto, agressão, porte ilegal de arma, incêndio, depredação de patrimônio, entre um rosário de crimes. Mais de 300 uruguaios foram presos.
É curioso acompanhar a repercussão do fato no Brasil e nos países vizinhos. O diário esportivo Olé, da Argentina, notório no passado por chamar brasileiros de “macacos” e apostar numa ironia de péssimo gosto, condenou a Polícia Militar do Rio de Janeiro pelo ocorrido. Essa postura é adotada desde a confusão envolvendo torcedores do Boca Juniors e do Fluminense antes da final da Libertadores de 2023. Para o Olé e para a imprensa uruguaia, a polícia brasileira reprime com violência os torcedores.
Claro que há abusos policiais no Brasil, como na Argentina e no Uruguai. Mas de que forma as forças da lei devem combater grupos que atuam como milícias, adotam táticas de guerrilha e simplesmente ignoram o conceito de autoridade?
Na base da ameaça e da extorsão, alguns criminosos que se escondem atrás de torcidas exercem influência sobre dirigentes de clubes e federações esportivas. Um dos envolvidos na confusão no Rio é Edgardo “Chino” Lasalvia, que é empresário de jogadores. Trabalhou com Federico Valverde e Darwin Nuñez, estrelas uruguaias, e agencia Mateo Ponte, jogador do Botafogo, entre outros.
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Atualmente, muitos integrantes de torcidas participam da vida política de grandes clubes do futebol brasileiro e sul-americano. Alguns com intenções legítimas, registre-se.
Não se trata de acusar, julgar e condenar torcedores estrangeiros que se envolvem em confusão ou cometem atos racistas no Brasil. Até porque há episódios de racismo de brasileiros contra brasileiros registrados em estádios e cotidianamente. Torcedores brasileiros já se envolveram em confusões fora do país, inclusive com casos de morte.
A questão envolve atitude e medidas duras e concretas contra esse estado de coisas. É preciso uma atuação diplomática conjunta dos governos dos países sul-americanos para combater o crime que se infiltra nas torcidas. Compartilhamento de informações de inteligência, proibição de entrada de torcedores condenados e envolvimento em brigas e atos de vandalismo. O reconhecimento facial deve ser obrigatório nos estádios, com o uso e integração dos bancos de dados de polícias dos países envolvidos e da Interpol.
Um passo adiante deve ser a punição esportiva e pecuniária dos clubes cujos torcedores se envolvam em atos de violência.
Na Inglaterra a situação só começou a melhorar quando, após a Tragédia de Heysel (confronto entre torcedores de Juventus e Liverpool, em 29 de maio de 1985, antes da final da Liga dos Campeões da Europa, que resultou na morte de 39 pessoas), os clubes ingleses foram banidos de competições europeias por cinco anos.
O ato de ir a um grande jogo de futebol na América do Sul está cada vez mais perigoso para aqueles cujo interesse é somente torcer e se divertir.
Resta saber se a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), pródiga em aplicar multas em dólar e arrecadar muito dinheiro com isso, terá coragem de liderar um movimento nesse sentido e entrar de cabeça no combate à violência. Multas apenas engordam o orçamento da entidade e rendem notas oficiais recheadas de termos pomposos.
Na prática, a violência segue triunfando.