Análise: liminar que derruba licença prévia da BR-319 é alívio para Marina Silva
Ministra tem defendido estudos mais criteriosos para levar obra adiante enquanto trava embate silencioso com o Ministério dos Transportes
A derrubada da licença prévia para reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da BR-319, um dos empreendimentos mais controversos do país, representa alívio — pelo menos temporário — para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que trava mais um embate com a ala “desenvolvimentista” do governo.
Mesmo em meio às agendas do G-20, a cúpula do Ministério do Meio Ambiente acompanhava com lupa o desenrolar da ação civil pública ajuizada pelo Laboratório do Observatório do Clima. Assim que foi concedida a liminar da juíza Maria Elisa Andrade, da 7ª Vara Ambiental do Amazonas, houve uma discreta celebração.
O assunto é especialmente caro para Marina. A obra ainda estava longe de começar — falta a licença de instalação (segunda etapa do processo de licenciamento) –, mas a ministra já manifestava preocupação com a dimensão do impacto ambiental.
Ao programa CNN Entrevistas, em maio, Marina chegou a defender a exigência de uma “Avaliação Ambiental Estratégica” para a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
É um modelo semelhante ao adotado no projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, com estudos amplos e prolongados, o que jogaria para um futuro pouco palpável o início efetivo da obra.
“Você não vai fazer a licença olhando só o empreendimento. Tem que ver toda a área de abrangência: como isso vai repercutir nas terras indígenas, em desmatamento… Qual a capacidade de essa estrada dar resposta a determinados problemas”, disse ela na ocasião.
Para Marina e seus auxiliares no ministério, há chances de o projeto tornar-se um divisor de águas (negativo) na Amazônia, impulsionando um eixo de desmatamento em áreas ainda bem preservadas da maior floresta tropical do mundo. O risco, com acesso facilitado ao coração da floresta, é de aumento descontrolado da grilagem de terras.
Não é uma avaliação consensual. O Ministério dos Transportes reconhece a sensibilidade ambiental do projeto. No entanto, a gestão de Renan Filho entende que a proposta não só é sustentável, como totalmente exequível.
A ideia é inovar e construir uma “estrada-parque”, com mais de uma centena de túneis para passagem de fauna, isolamento por cercas e monitoramento eletrônico para coibir a atuação de garimpeiros e desmatadores.
Além disso, técnicos da pasta apontam que a BR-319 é a única a conectar as capitais do Amazonas e de Rondônia, e que a pavimentação do “trecho do meio” é essencial para o desenvolvimento econômico e social da região.
A ideia, no Ministério dos Transportes, é transformar a BR-319 em um “case” de infraestrutura que respeita o meio ambiente. Um projeto capaz de colocar o Brasil como referência de desenvolvimento sustentável.
Marina não se convence. Nos bastidores do Ministério do Meio Ambiente, pesa o fato de a licença prévia ter sido concedida ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em meio a um contexto de esvaziamento das políticas públicas de preservação do meio ambiente, o que foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Para completar, a ação tem como réus o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit), que está sob o guarda-chuva de Renan Filho. Ou seja, embora o assunto oponha essas duas alas do governo, ambas precisarão atuar juntas nos próximos passos da celeuma judicial.