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    Lourival Sant'Anna
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    Lourival Sant'Anna

    Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

    Líder da oposição venezuelana aproveita exposição antes de provável repressão

    Fontes diplomáticas em Caracas teriam tido acesso a planos do regime para calar dissidentes

    A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, aproveita uma janela de oportunidade para falar ao mundo, que deve se fechar rapidamente. Os acontecimentos da madrugada dessa segunda-feira deixaram claro que o regime está disposto a escancarar sua natureza autoritária e mergulhar no isolamento político e econômico. As vozes da oposição serão caladas definitivamente e os venezuelanos que puderem, e não são beneficiados pelo regime, deixarão o país, como já fez um em cada quatro deles.

    Diplomatas estrangeiros credenciados em Caracas tiveram acesso a um plano do regime que incluiria a prisão de 150 dirigentes políticos, incluindo naturalmente Machado, seu candidato a presidente, Edmundo González, a ex-deputada Delsa Solórzano, uma das coordenadoras da campanha, e Juan Pablo Guanipa, ex-vice-presidente da Assembleia Nacional. A elaboração do plano teria começado há meses. Ele poderia incluir a retirada de Machado da Venezuela, embora ironicamente esteja impedida de sair do país, como parte de sua condenação por supostas “inconsistências” em sua declaração de bens.

    A oposição também tinha o seu plano: 1 milhão de militantes foram mobilizados para fiscalizar a apuração dos votos em todas as seções eleitorais do país, segundo Machado. Embora a lei garanta esse direito, ele foi negado por autoridades e chavistas pagos pelo governo, integrantes dos chamados coletivos. Ainda assim, atas obtidas por jornalistas, incluindo a enviada da CNN Brasil, Luciana Tadeo, indicavam uma vitória avassaladora de González.

    Diante disso, o sistema online do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) caiu e a transmissão das atas foi interrompida. Como já havia ocorrido na Venezuela na eleição para a Assembleia Nacional Constituinte em 2017, e em outras eleições com indícios de fraude noutros países, quando o sistema voltou, os números indicavam a tendência oposta à anterior, favorecendo o candidato do regime. O site do CNE estava fora do ar novamente na noite de segunda-feira.

    O CNE anunciou vitória de Maduro por 51,2% a 44,2%. Os dois conselheiros considerados independentes, que questionaram o resultado de eleições anteriores, foram destituídos em junho do ano passado, embora seus cargos fossem vitalícios. Agora o órgão só dispõe de membros fiéis ao regime.

    Em entrevista coletiva na noite dessa segunda-feira, Machado afirmou que a oposição obteve 73,2% das atas de apuração dos votos, que registrariam 6,2 milhões de votos em González e 2,7 milhões em Maduro. Desse total de 8,9 milhões de votos, a parcela da oposição representaria 70%.

    O presidente do CNE, Elvis Amoroso, afirmou que o sistema do órgão foi alvo de ataque hacker, e que o caso já havia sido encaminhado ao procurador-geral, Tarek William Saab, um político chavista de carreira. Ao discursar em seguida, na madrugada dessa segunda-feira, Maduro qualificou o suposto ataque de “terrorista”, e referiu-se a “demônios e demônias”.

    Mais tarde, o procurador-geral afirmou que Machado é suspeita de tentar fraudar o sistema eleitoral, adulterando atas, e que foi aberta uma investigação contra a candidata escolhida em outubro pelas primárias da oposição unida, e em fevereiro impedida pelo regime de concorrer.

    O governo venezuelano anunciou também a expulsão dos diplomatas de sete países que denunciaram irregularidades no processo eleitoral: Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai. Os governos vão do libertário argentino Javier Milei ao esquerdista chileno Gabriel Boric.

    Estados Unidos e União Europeia afirmaram que o resultado não poderá ser reconhecido enquanto não forem apresentadas e verificadas as atas de todas as mesas eleitorais. O assessor especial do presidente Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, declarou: “Estamos cautelosos e aguardando por atas”. González pediu ao Brasil que mantenha essa posição.

    Lula é historicamente identificado na Venezuela como aliado do regime. Chegou a pedir votos para Hugo Chávez 19 antes das eleições de novembro de 2006, durante a inauguração de uma ponte sobre o Rio Orinoco construída pela Odebrecht com recursos do Programa de Financiamento às Exportações (Proex).

    Em sua coletiva, Machado disse que as atas transmitidas estão disponíveis no site “robusto” mantido pela oposição, e qualquer pessoa pode acessar o resultado da mesa onde votou, digitando o número de seu título de eleitor. “Representantes de vários governos estão acessando esses dados”, ironizou ela.

    O regime não tolerará essa exposição de Machado e de seu grupo por muito tempo. A aparente fraude e o provável recrudescimento da repressão, num país que já tem centenas de presos políticos e de mortos em crises anteriores, custarão à Venezuela um aprofundamento de seu isolamento. E um aumento de sua dependência de China e Rússia, que se apressaram a reconhecer o resultado oficial da eleição.

    Ao decidir impor sua vontade nessa eleição Maduro já fez a sua escolha: melhor chefiar um regime com a legitimidade em xeque do que ser privado do poder.

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