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    Lourival Sant'Anna
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    Lourival Sant'Anna

    Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

    Inundações catastróficas pelo mundo são prelúdio de desastre climático

    Países pobres, como o Afeganistão, sofrem as consequências das enchentes que devastam regiões inteiras

    A calamidade climática do Rio Grande do Sul tem se repetido ao longo dos últimos anos em diversas regiões do Brasil e do mundo. A frequência muito maior do que no passado de eventos climáticos extremos é resultado do aquecimento global, que aumenta a evaporação no oceano, e com ela as chuvas, ao mesmo tempo em que cria bolsões de áreas quentes e secas. Com isso, as chuvas se concentram e ficam retidas em algumas áreas, enquanto outras sofrem com o calor e a falta de umidade.

    No Brasil, houve muitos desastres recentes, causados por chuvas torrenciais concentradas: no Litoral Norte de São Paulo em fevereiro de 2023; em 72 municípios da Bahia em dezembro de 2021; na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, com mais de 900 mortos; e os frequentes deslizamentos em Santa Catarina, entre outros.

    Nos últimos dias, ao menos 300 pessoas morreram e 200 ficaram feridas em inundações no norte do Afeganistão. Torrentes avassaladoras de lama arrastam as cabanas de barro e sem teto, típicas do interior normalmente árido do país. E, junto com elas, os moradores.

    Passando do Centro-Sul Asiático para o Leste da África, a Tanzânia e o Quênia também foram fortemente atingidos por semanas de chuvas torrenciais e inundações trazidas pelo ciclone tropical Hidaya. O fenômeno El Niño, que aquece o oceano, observado há séculos, agora é mais intenso e mais longo.

    No Quênia, o número de mortos chegou nessa segunda-feira a 277. Além das perdas humanas, os prejuízos para a agricultura e para o turismo, importantes fontes de renda, são enormes.

    Na famosa reserva do povo Maasai Mara, no Quênia, turistas e funcionários tiveram de fugir às pressas. As autoridades locais ordenaram o fechamento de instalações turísticas depois que o rio Talek, um dos afluentes do Mara, transbordou e arrastou alojamentos e acampamentos nas suas margens.

    Voltando ao Sul da Ásia, em 2022, inundações repentinas causadas por fortes chuvas devastaram o Paquistão, matando 196 pessoas e ferindo 283, além de grandes prejuízos. Cerca de 15% da população paquistanesa, em quatro províncias, foram impactadas, com a perda de casas, plantações, comércio e trabalho.

    O vento das monções traz tradicionalmente a umidade do Oceano Índico, mas nos últimos anos o fenômeno, assim como El Niño, também se tornou mais intenso e mais longo, por causa do aquecimento.

    Mudanças climáticas sempre ocorreram no Planeta Terra. O problema é o ritmo da atual, que torna a adaptação impossível. Escavações que permitem medir a temperatura de eras passadas indicam que a temperatura média da terra subiu 8°C em 20 mil anos — contados desde o fim da última Era Glacial.

    Nos últimos 170 anos de rápida urbanização e industrialização, o planeta esquentou em média 1,2°C, tendo chegado ao pico de 2°C de elevação em 2023. Em 20 mil anos, isso equivaleria a um aquecimento de 235°C. Se o aquecimento continuar nesse ritmo, poderá atingir mais 4°C até o fim do século. Isso levará a extremos de umidade, chuvas, calor e secas catastróficos.

    Para desacelerar esse processo é preciso reduzir as emissões de gases que causam o efeito estufa, responsável por esse aquecimento, e remover o carbono da atmosfera. A melhor forma de fazer isso é preservar e ampliar as florestas tropicais e outros biomas, que sequestram esse carbono.