Análise: fim da escala 6×1 tem tudo para ser pedra no sapato de Lula
Assunto mobiliza redes sociais, mas sua execução é complexa e demandaria grande capital político
Em tempos de ajuste fiscal e pressão intensa sobre as contas públicas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem escolhendo suas batalhas. Do adiamento da isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil às investidas para acalmar os ânimos do Movimento dos Sem-Terra (MST), foram vários os momentos nos últimos dois anos em que foi preciso acalmar apelos da base histórica do presidente. E o debate sobre uma possível extinção da escala de trabalho 6×1 tem tudo para se tornar mais um item nessa lista.
O barulho em torno do assunto veio puxado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP). A parlamentar vem tentando coletar as 171 assinaturas necessárias para que o texto possa começar a ser discutido no Congresso. Chegou a levar o tema ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho, como ela própria relatou ao âncora da CNN Gustavo Uribe. Mas saiu de lá sem um compromisso de endosso.
O projeto não trata exclusivamente de acabar com a jornada de seis dias trabalhados para um dia de folga. A PEC aponta para flexibilização mais ampla das regras para o descanso semanal remunerado. O que abre margem, por exemplo, para tratar também da semana de trabalho de quatro dias, assunto que vem ganhando espaço também em países desenvolvidos.
Claro que o assunto tem apelo junto à base eleitoral de Lula. Afinal, trata-se de melhorar as condições fundamentais da rotina imposta aos trabalhadores. Mas é um tema de execução difícil. Que exige uma discussão aprofundada do seu impacto econômico e que, sem dúvida, demandaria um grande poder de articulação política no Congresso.
O problema para Lula, neste momento, é que não é nada fácil explicar para a população – e muito menos para as redes sociais – porque esta não é uma agenda que tem imediatamente a adesão de um governo liderado por um ex-sindicalista. Comprar essa ideia significa propor uma mudança profunda em todo o formato de contratações de diversos setores econômicos. Só para citar alguns exemplos, é o caso de shoppings, supermercados, hospitais, hotéis, bares, restaurantes.
O assunto é complicado a ponto de nem mesmo as centrais sindicais terem posição uníssona, como mostrou o analista de política Pedro Venceslau. Algumas centrais apontam, por exemplo, para o risco de demissões. Afinal, alguns desses segmentos poderiam optar por extinguir determinados turnos de trabalho para remanejar a escala de acordo um novo modelo.
Por enquanto, a discussão está em seu estágio inicial. Mesmo depois de obtidas as 171 assinaturas necessárias para que o projeto tramite, é uma mudança na Constituição. E isso, por si só, torna todo o processo de votação mais complexo. Mas demora e a dificuldade do governo Lula de dar atenção ao tema agora não significa que o debate deva ser desprezado. Afinal, a mobilização das redes por si só mostra que há interesse popular.