Acordo entre Câmara e Senado alija Marina de projeto sobre mercado de carbono
Acerto prevê que comitê interministerial que será responsável pela governança do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa seja liderado pelo Ministério da Fazenda, e não pelo do Meio Ambiente
Um acordo entre Câmara e Senado para tentar destravar a tramitação do projeto de lei que cria um mercado de carbono no país diminuiu o papel da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, neste novo modelo de negócio.
O acordo prevê que o comitê interministerial que será responsável pela governança do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o órgão que gerenciará este mercado, seja liderado pelo Ministério da Fazenda de Fernando Haddad, e não pelo Ministério do Meio Ambiente de Marina.
A mudança ocorreu durante a tramitação da proposta na Câmara, uma vez que o Senado havia aprovado um texto que favorecia o papel do Ministério do Meio Ambiente neste sistema.
A proposta que cria o mercado de carbono é considerada uma das medidas essenciais para diminuir as emissões de gases de efeito estufa no país e colocar o Brasil em uma tendência mundial de mecanismos legais para frear as emissões e seus impactos no clima.
Setores da economia terão metas para reduzir emissões
O texto do projeto cria o chamado “Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões”, pelo qual setores da economia passam a ter metas de redução de emissões de gases do efeito estufa.
Com isso, facilita que o Brasil atinja as metas que assumiu para redução de gases na atmosfera a partir da obrigação que setores que mais emitem, como a indústria, tenham metas de contribuição. Se elas não atingirem, recebem multas. Se passarem da meta, podem comercializar esse créditos.
O acordo neste item ajuda a destravar a tramitação do projeto, parado no Senado desde fevereiro sem sequer ter designação de relatoria.
Paternidade do projeto
Ele parou de andar porque se iniciou uma disputa por protagonismo entre as cúpulas da Câmara e do Senado por seu conteúdo e paternidade.
O problema começou quando o Senado aprovou em outubro de 2023 o projeto da senadora Leila Barros (PSB-DF) que o Senado havia aprovado meses antes.
O texto foi encaminhado à Câmara, mas uma resolução de 2022 aprovada sob a gestão Arthur Lira previa que os projetos aprovados no Senado e enviados à Câmara passam a tramitar em conjunto com matérias mais antigas de iniciativa dos deputados.
O projeto do Senado, então, foi anexado a outros da Câmara e ainda acabou rejeitado pelo plenário, que optou por um novo texto do deputado Aliel Machado (PV-PR) aprovado em dezembro de 2023 — esse texto seguiu para o Senado, mas, diante das divergências entre as duas Casas sobre seu conteúdo, ele parou de tramitar.
A avaliação no Congresso é que o texto da Leila atendeu muito às reivindicações de Marina Silva e, por isso, a Câmara precisou mexer.
Além disso, começou uma disputa regimental nos bastidores. Como havia divergência sobre o conteúdo, deputados e senadores começaram a disputar quem daria a última palavra sobre o texto antes da remessa à sanção presidencial.
Senadores com quem a CNN conversou relataram, sob reserva, que seria possível considerar que o texto aprovado pela Câmara começou a tramitar no Senado.
Isso daria aos senadores a última palavra sobre sua tramitação antes da sanção.
Mas fontes relataram a CNN que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entrou em campo e teria avisado que, se isso ocorresse, a questão poderia ser judicializada
e as definições sobre o novo mercado de carbono atrasaria ainda mais, além de ser um péssimo sinal de insegurança jurídica a potenciais investidores estrangeiros neste mercado.
A definição de quem terá a última voz é importante porque, diante das divergências de conteúdo, o último a aprovar o projeto influenciaria no seu produto final.
O impasse se instaurou e a solução foi escalar um senador ex-deputado federal para liderar um acordo entre as duas casas: Efraim Filho (União Brasil-PB).
“Estamos trabalhando um consenso. Devia ter trinta pontos de divergência. Hoje tem menos de cinco. Há um trabalho de construção com os dois relatores (senadora Leila Barros e deputado federal Aliel Machado, do PV-PR)”, disse Efraim à CNN.
“Preferimos primeiro o consenso no mérito para depois ver o trâmite legislativo. Não adianta discutir o procedimento formal enquanto não tiver acordo no mérito”, concluiu.
Um mercado potencial de R$ 7 bilhões, superior ao Fundo Amazônia
A busca por um acordo para destravar a proposta envolve outros pontos que também acabam por fragilizar a posição de Marina Silva.
A Câmara buscou valorizar o chamado “mercado voluntário” de crédito de carbono. É a possibilidade de ser desenvolvidos projetos florestais nos quais empresas, ONGs ou até mesmo países fazem parcerias com proprietários de terras, assentados, extrativistas, comunidades indígenas e tradicionais em áreas de florestas para financiar a manutenção das árvores em pé.
Parlamentares relataram à CNN que o Ministério do Meio Ambiente tem restrições a esse formato porque ele tira o poder do Estado de negociar aportes diretos desses entes para o Fundo Amazônia, uma das principais estratégias de captação de recursos do grupo liderado por Marina Silva.
A título de comparação, o Fundo Amazônia captou nos últimos meses R$ 1,4 bilhão. O potencial estimado para o mercado voluntário brasileiro de carbono é estimado dentro do Congresso em US$ 7 bilhões (cerca de R$ 38 bilhões).
A Câmara tem em mãos estudos da consultoria McKinsey que preveem que este mercado voluntário de créditos de carbono pode fazer girar no mundo U$ 50 bilhões ano a ano até 2030, tendo o Brasil cerca de 15% de todo este potencial.
Outro ponto em que se busca um acordo são os chamados “programas jurisdicionais”. São programas de créditos de carbono desenvolvidos por entes governamentais (governo federal, estadual ou municipal) que abrangem toda uma jurisdição (um país, um estado ou um município).
Sob forte influência dos governadores, o projeto do Senado previa que todos os recursos envolvendo esse programas seriam comercializados pelo ente público, retirando a possibilidade de proprietários dessas terras de desenvolverem seus próprios projetos de preservação ambiental e venderem os créditos a que têm direito.
Esse modelo também tinha o apoio do Meio Ambiente de Marina Silva, segundo fontes do Congresso.
A Câmara mudou isso e impôs limitações ao modelo. Por exemplo, vedando a venda futura de créditos de carbono e permitindo que o proprietário de terra possa notificar o ente governamental dizendo que os créditos de carbono de sua propriedade não poderiam ser comercializados pelo Estado, mas sim pelo próprio proprietário.
Pacheco quer pautar projeto em breve
Procurada, a assessoria de imprensa da ministra Marina Silva não respondeu aos contatos da CNN.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse à CNN que pretende pautar o assunto em breve. “Será prioridade logo após o primeiro turno”, disse Pacheco ao blog. Ele também falou que “a relatora será a senadora Leila Barros”.
Arthur Lira não espondeu ao contato da CNN.
A senadora Leila disse por meio de sua assessoria que “a senadora tem negado todos os pedidos de entrevista sobre o PL (projeto de lei). Enquanto não houver o despacho do presidente designando Leila como relatora e definindo qual texto irá tramitar (se o do Senado ou o da Câmara)”.