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    Lourival Sant'Anna
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    Lourival Sant'Anna

    Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

    Democratas tentam vender o futuro de olho nas lições do passado

    Kamala Harris tem o desafio de evitar o mapa eleitoral de 2016 e repetir o de 2020

    A Convenção Democrata teve início na noite dessa segunda-feira com um esforço do partido de apresentar uma visão de futuro atraente para os americanos, e ao mesmo tempo sob o peso avassalador do passado imediato, do recente e também do mais longínquo.

    A vice-presidente e candidata Kamala Harris tem dito nos comícios que olha para o futuro, enquanto seu adversário, o ex-presidente Donald Trump, tem a visão voltada para o passado, com seu movimento Faça a América Grande de Novo (Maga). Essa é também uma diferença importante em relação ao presidente Joe Biden, cujo principal mote era a ameaça que Trump representaria para a democracia.

    Ao entregar o bastão para Harris, de 59 anos, Biden, aos 81, consumou a troca geracional de seu partido. Ela havia sido iniciada com a saída de Nancy Pelosi, de 84 anos, da liderança da bancada democrata na Câmara, e a entrada de Hakeem Jeffries, de 54. Muitos líderes em ascensão discursam ao longo desses quatro dias de convenção, entre eles o secretário dos Transportes, Pete Buttigieg, de 42 anos, que foi sensação no início das primárias democratas de 2020.

    O voto dos jovens é extremamente valioso para os democratas, já que os republicanos tendem a ser favoritos entre os mais velhos. Esse voto ajudou Biden em 2020. Motivar os jovens a votar, muitos deles pela primeira vez, é um desafio.

    Nessa campanha, muitos jovens abraçaram a causa dos palestinos na guerra na Faixa de Gaza, contra a ajuda militar dos Estados Unidos a Israel, de US$ 3,8 bilhões por ano, além do apoio suplementar que tem sido dado na forma de porta-aviões e reposição de mísseis e munição.

    Manifestantes gritando “40 mil mortos” se reúnem nas proximidades do local da convenção em Chicago, a cidade com a maior população palestina dos Estados Unidos. Esses protestos não só lançam uma sombra sobre a festa de Harris no ameno verão do Illinois, mas trazem ecos do passado.

    A última convenção dos democratas em Chicago, em 1968, foi marcada pela desistência do presidente Lyndon Johnson de concorrer e por grandes protestos contra o envolvimento americano na guerra, no caso a do Vietnã. Johnson apoiou seu vice, Hubert Humphey, que foi derrotado pelo republicano Richard Nixon, por sua vez também um ex-vice-presidente.

    Não é um bom agouro para Harris, embora naturalmente não se possa comparar o significado da guerra do Vietnã com a de Gaza, para os americanos. A Guarda Nacional convocou 250 integrantes, para apoiar a polícia de Chicago na manutenção da ordem.

    Entre os 50 mil participantes da convenção, estão 200 influenciadores das redes sociais, sobretudo do Tik Tok, onde as danças e trejeitos de Harris são uma sensação. Em contrapartida, com o apoio de Elon Musk, Trump está de volta ao X (antigo Twitter), além de comandar sua própria rede social, Truth Social.

    Assim como Biden e sua mulher Jill, dois ex-presidentes, Bill Clinton e Barack Obama, e duas ex-primeiras-damas, Hillary Clinton e Michelle Obama, discursarão na convenção, numa demonstração de união do partido em torno de Harris.

    É outro contraste em relação à convenção republicana do mês passado, quando George W. Bush, único ex-presidente republicano vivo além de Trump, não compareceu, nem a própria mulher do candidato, Melania Trump, quis discursar.

    A presença de Hillary, derrotada por Trump, representa um importante alerta para Harris e para os democratas em geral: eles precisam evitar o mapa eleitoral de 2016 e repetir o de 2020.

    Isso significa vencer nos três estados-pêndulo do Cinturão da Ferrugem, ou Muralha Azul: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, que deram a vitória a Trump em 2016 e a Biden em 2020. Trata-se de um eleitorado masculino, branco, mais velho e sem diploma superior, ressentido com a perda de empregos industriais causada pela transferência de fábricas para a China. Esse é mais um desafio para Harris.

    Nesses três estados, Harris aparece 4 pontos percentuais à frente de Trump na pesquisa do Siena College para The New York Times.

    O outro conjunto de estados-pêndulo são os do Cinturão do Sol: Arizona, Nevada, Geórgia e Carolina do Sul. Nesses, assim como Hillary e Biden, Harris pode ter mais sucesso, por causa do peso das mulheres, negros e liberais de ensino superior, que migraram das Costas Leste e Oeste, em busca de moradia mais barata e oportunidades de trabalho.

    Como se vê, é um balanço complexo entre perfis de eleitorado que tanto Harris quanto Trump precisam conquistar, sem se distanciar demais de suas bases a ponto de desmotivá-las. É uma eleição complexa, com ganhos e perdas incrementais. Não há uma bala de prata nem para os democratas nem para os republicanos.

    Mas a nomeação de Harris pelo menos já rendeu o favoritismo aos democratas e uma injeção de energia e de doações fenomenal em sua campanha. Se a convenção republicana foi energizada pelo atentado contra Trump e unida pela consolidação do domínio de seu movimento sobre o partido, a democrata recebeu a mesma injeção de ânimo pela simples troca de Biden por Harris.

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