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    Américo Martins
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    Américo Martins

    Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou mais de 70 países

    Análise: falas de Lula preparam caminho para reconhecimento da “vitória” de Maduro

    Presidente minimizou a profunda crise na Venezuela e tentou vender a versão de que as instituições são independentes no país vizinho

    As primeiras falas públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre as evidências de manipulação e fraude nas eleições da Venezuela mostram claramente que o governo brasileiro está abrindo caminho para reconhecer a suposta “vitória” do autocrata Nicolás Maduro na disputa.

    A primeira indicação disso foi a descrição de Lula de que o processo eleitoral no país vizinho está sendo “normal” e “tranquilo”.

    Com isso, o presidente brasileiro resolveu simplesmente ignorar os efeitos da profunda crise que já deixou pelo menos 11 mortos e 749 pessoas presas desde o início de protestos contra o governo autoritário de Maduro e sua crua tentativa de fraudar as eleições. Números que, infelizmente, devem subir muito.

    Como um país democrático que quer se consolidar como potência emergente do Sul Global, o Brasil deveria adotar um tom muito mais crítico aos desmandos de todas as autocracias – sejam elas chavistas ou de qualquer outra linha ideológica.

    Afinal, ter mais espaço no tabuleiro geopolítico global significa também ter mais responsabilidades, especialmente para defender a democracia – em todas as partes do mundo.

    A segunda indicação de que Lula pretende normalizar as manipulações eleitorais de seu aliado Maduro veio com a frase: “o que precisa é que as pessoas que não concordam tenham o direito de provar que não concordam e o governo tem o direito de provar que está certo”.

    Existem dois problemas aqui.

    O primeiro é que o governo Maduro simplesmente não tem como provar o que fala porque se recusou a revelar imediatamente, como deveria, todas as atas de votação.

    As desculpas descabidas do regime autoritário mostram apenas que Caracas parece estar comprando tempo para manipular as atas em seu favor – isso na hipótese de que esses documentos de fato sejam revelados de alguma forma um dia.

    O segundo problema é que Lula também esqueceu-se de responsabilizar o governo de Maduro pela repressão brutal aos protestos que acontecem no país desde que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) proclamou a sua “vitória” sem nenhuma transparência ou comprovação dos votos.

    / Wilton Junior/Estadão Conteúdo

    A terceira indicação de que é apenas uma questão de tempo para o Brasil reconhecer a fraude venezuelana veio do que Lula não disse na entrevista à TV Centro América, afiliada da TV Globo.

    O presidente brasileiro simplesmente ignorou as várias evidências de manipulação do processo e intimidação da oposição.

    Ele não condenou em nenhum momento, por exemplo, a exclusão de candidatos oposicionistas da disputa, a censura descarada a dezenas de sites de notícias ou a detenção de mais de 300 presos políticos no país. Todos atos ocorridos durante a campanha eleitoral e que atentam contra a democracia em qualquer lugar do mundo.

    Por fim, o sinal mais claro de que o governo brasileiro vai mesmo apoiar Maduro: as falas do presidente sobre acreditar na “justiça” venezuelana.

    Na entrevista, ele disse: “Como se resolve essa briga? Apresenta a ata (de votação). Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar”.

    Lula é um político experiente demais para acreditar na versão de que as instituições venezuelanas são independentes.

    Muito pelo contrário, ele sabe perfeitamente que a “justiça” venezuelana é completamente alinhada a Maduro, assim como o Conselho Nacional Eleitoral é absolutamente subordinado a ele.

    Essas instituições não funcionam como o Supremo Tribunal Federal ou como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil, que, de fato, têm autonomia e independência para julgarem o mérito de qualquer ação.

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