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    Américo Martins
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    Américo Martins

    Especialista em jornalismo internacional e fascinado pelo mundo desde sempre, foi diretor da BBC de Londres e VP de Conteúdo da CNN; já visitou mais de 70 países

    Análise: Brasil corre risco de entrar em “beco sem saída” com a crise na Venezuela

    Ampliação das suspeitas de manipulação da eleição aumentam pressão para posicionamento firme de Brasília, enquanto país tenta resguardar sua posição de potencial mediador no conflito entre oposição e Maduro

    O Brasil está correndo o grande risco de entrar numa espécie de “beco sem saída” diplomático com a crise política que se aprofunda na Venezuela.

    Dependendo de como se comportar com relação às acusações de manipulação das eleições pelo regime de Nicolás Maduro, o país pode ter sérios prejuízos para as suas pretensões de liderança na América Latina e de ampliação de sua influência como potência emergente do chamado Sul Global.

    As decisões brasileiras não são fáceis e praticamente todas apresentam riscos.

    Por um lado, a diplomacia brasileira quer manter a cautela e evitar julgamentos precipitados sobre uma possível fraude nas eleições, como acusa a oposição.

    O objetivo dessa estratégia é preservar a posição do Brasil como um potencial mediador no conflito entre Nicolás Maduro e seus opositores.

    O Itamaraty alega que esse papel é essencial e deve ser feito por meio do diálogo e com portas abertas a todos.

    Por outro lado, o aumento exponencial das suspeitas de manipulação eleitoral e o agravamento dos protestos na Venezuela vão criar uma pressão ainda maior para que Brasília se manifeste de forma firme, clara e mais rápida sobre os eventos no país vizinho.

    Um fato importante registrado nesta terça-feira (30) foi a decisão do Carter Center de retirar seus observadores da Venezuela sem validar os resultados da votação — indicando claramente que não ficaram satisfeitos com a forma como a eleição foi realizada.

    Potencialmente, indica que eles também tiveram informações sobre as supostas fraudes na disputa.

    Fundado pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, o centro é uma ONG que defende a democracia pelo mundo e envia com frequência observadores para monitorar eleições por países autocráticos.

    Foi justamente com os observadores do Carter Center que o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, embaixador Celso Amorim, enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Caracas, procurou informações sobre as atas das urnas de votação no país.

    A Organização dos Estados Americanos (OEA) também informou que não há como reconhecer a suposta vitória de Maduro por total falta de transparência na disputa.

    Esses dados mostram que a posição inicial de cautela do Brasil já não é sustentável por mais tempo, porque vai acarretar críticas e falta de prestígio no tabuleiro internacional.

    Sobram ao governo brasileiro, então, as opções de afirmar que a oposição venezuelana não conseguiu provar que houve fraude ou condenar as manobras de Maduro e defender a democracia.

    Manifestante de oposição protesta contra vitória declarada por Maduro em eleição na Venezuela / 29/07/2024 REUTERS/Alexandre Meneghini

    No primeiro caso, o prejuízo diplomático para o país seria enorme, visto que a responsabilidade maior por garantir a lisura e transparência do pleito é do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, muito ligado a Maduro.

    Isso, na prática, equivaleria à posição de várias autocracias como Rússia, Cuba e Nicarágua, verdadeiros párias internacionais.

    Limitaria a liderança brasileira na própria América Latina (onde vários países já criticaram as manobras do regime venezuelano) e seria um freio para o aumento do prestígio global.

    Rechaçar a posição de Maduro, por outro lado, ampliaria a liderança brasileira e colocaria o país como um player ainda mais importante e sério no tabuleiro.

    O único problema, para o governo, é que isso distancia o país de alguns aliados de esquerda e poderia levar Maduro a evitar o diálogo com os diplomatas brasileiros.

    Mas talvez esse tenha que ser o preço a ser pago por um país que tem pretensões de liderança e de reforma das instituições globais.

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