Advogado que deu voz de prisão a juíza: veja o que diz a lei sobre o caso
Profissional alegou que magistrada cometeu "abuso de autoridade" ao, supostamente, gritar com ele e determinar que ele deixasse a sala de audiência
Uma discussão ocorrida no início deste mês no Fórum Trabalhista de Diadema, na Grande São Paulo, terminou com um advogado dando voz de prisão a uma juíza. Rafael Dellova argumentou que a magistrada Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho cometeu “abuso de autoridade” ao, supostamente, gritar com ele e determinar que ele deixasse a sala de audiência.
O Código de Processo Penal estabelece que “qualquer [cidadão] do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Entretanto, especialistas ouvidos pela CNN avaliam que há irregularidades no ato do advogado ao dar voz de prisão à magistrada.
O professor de Direito Penal Ulisses Augusto Pascolati Junior, da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville, cita o artigo 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que, no inciso II, estabelece que o juiz “não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado”.
A Constituição Federal define como inafiançáveis os crimes de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo e ataques contra o Estado Democrático de Direito, além dos crimes hediondos. Entre os crimes hediondos estão atos contra a vida (como homicídio e latrocínio), estupro e genocídio.
No caso ocorrido em Diadema, o advogado alegou que a juíza havia cometido “abuso de autoridade”. Pascolati Junior explica que há critérios para que alguém seja enquadrado nesse crime. “Não é simplesmente um rótulo: ‘desrespeitou determinado direito’ ou ‘desrespeitou determinada prerrogativa isso seria abuso de autoridade’. Não. É preciso ter uma descrição de qual conduta representaria o abuso de autoridade.”
Mesmo assim, o professor destaca que os crimes de abuso de autoridade são afiançáveis. Ou seja, não poderiam servir de base para que o advogado desse voz de prisão ao magistrado. “Não só afiançáveis como, na grande maioria, podem ser submetidos a medidas de solução consensual do conflito. Ou seja, de acordo de transação penal ou acordo de não persecução penal.”
“Qualquer cidadão pode dar voz de prisão a outra, tanto pode ser advogado, juiz, um cidadão comum ou um desembargador. Entretanto, o advogado, os juízes e os desembargadores possuem foro privilegiado. Então, para que isso ocorra, esse crime tem que ser inafiançável. Então, neste caso, pode ocorrer a voz de prisão e [o juiz] poderia ser preso, o que não ocorreu naquela audiência, porque, embora tenha ocorrido um abuso de poder, no entendimento do advogado, não ocorreu um crime inafiançável”, complementa a professora Andreia Antonacci, também do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville.
Veja o vídeo da discussão:
Abuso de autoridade contra advogados
O professor, que é juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, acrescenta que o artigo 43 da Lei de Abuso de Autoridade prevê crimes contra violação de direito ou prerrogativa de advogado.
É considerado crime quando os seguintes direitos do advogado são negados:
- “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”;
- “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”;
- “ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB”;
- “não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar”
Outro lado
A CNN entrou em contato com o advogado Rafael Dellova, mas ainda não obteve resposta.